Colonialismo

A independência da Argélia: Outubro 1917, Novembro 1954 e Dien Bien Phu

05/06/2017

Quando os feudais que traíam Abdelkader (1) abandonaram a luta, eles serviram os franceses, como tinham servido antes os turcos, ou os romanos. Um século de escravidão parecia ter eliminado a resistência milenar do povo argelino, nesta terra aparentemente sem nome e sem história que se chamava o “sótão de Roma”, antes de se tornar o paraíso dos colonos e dos petroleiros.

Por Kateb Yacine*

Os Caides (2) e os Bachaghas (3) eram os seus cães de guarda. As “elites” burguesas e pequeno-burguesas formadas pelo ocupante foram complacentes com a traição. A honra de levantar de novo a bandeira nacional não coube àqueles senhores, doutores e farmacêuticos que choravam a Argélia como se fosse morta, enterrada por eles, no cemitério acusador das ilusões perdidas.

A bandeira nacional foi levantada uma vez mais pela guerra do povo, uma guerra de mil anos, ora aberta e declarada, ora secreta e subterrânea, a guerra quotidiana do camponês sem-terra, do proletário sem pátria. A bandeira nacional foi levantada uma vez por todas pela mão de obra de expatriados, companheiros do tio Ho (4), fundadores em Paris da Etoile nord-africaine (5), a primeira organização que militou em França pela independência da Argélia.

Os humildes fundadores da Etoile que ousaram desafiar a grande potência imperialista na França metropolitana estabeleceram a ligação com as novas forças do proletariado internacional. É assim que a revolução socialista de Outubro deu à luz a Dien Bien Phu (6), e é assim que Dien Bien Phu deu à luz ao 1º de novembro de 1954 (7). É asim que Cuba deu à luz ao Chile e a Nicarágua: “Em rápida sucessão, o trovão rasga os véus da neblina, e faz germinar as sementes”, diz o poema do tio Ho.

Notas

1 – Emir (príncipe) Abdelkader (1808-1883): um dos mais importantes chefes da resistência nacional argelina contra a invasão colonialista francesa em 1830, depois da queda da administração ocupante otomana. O Emir Abdelkader organizou um extraordinário movimento de resistência popular no Oeste e no centro da Argélia (do ano 1832 até a sua capitulação em 1847) e é considerado como o fundador do primeiro estado argelino moderno: O Emirato de Abdelkader. (N.T)

2 – Termo árabe: Qaid (comandante, chefe): título atribuído a notáveis civis e militares argelinos funcionários a serviço das autoridades otomanas ocupantes, que depois estiveram a serviço do colonialismo francês em Argélia. (N.T)

3 – Termo árabe: Bacha Agha, que deriva do turco Başağa. Na Argélia sob dominação do Império Otomano, título atribuído a altos funcionários civis ou militares argelinos a serviço das autoridades otomanas, que depois estiveram a serviço do colonialismo francês em Argélia. (N.T)

4 – Ho Chi Minh. (N.T)

5 – Estrela norte-africana. Organização política revolucionária e independentista argelina, fundada em Paris no ano 1926 por trabalhadores argelinos migrantes. A Etoile nord-africaine foi eliminada pela administração colonial francesa no ano de 1937. (N.T)

6 – Referente à batalha de Dien Bien Phu, em maio de 1954, entre as forças do Vietminh (Frente pela Independência do Vietnã)  e o Exército regular francês, que terminou com a vitória dos independentistas, comandados pelo lendário general vietnamita Vo Nguyen Giap.

7 – Data da deflagração da guerra de libertação nacional argelina (1954-1962). (N.T)

* Kateb Yacine (1929-1989): um dos mais importantes escritores na história da literatura argelina. Foi um dos fundadores do romance argelino moderno de expressão francesa. Colaborou com o periódico Alger-Républicain, jornal argelino de esquerda, e com Liberté, órgão oficial do Partido Comunista Argelino, antes de que as autoridades coloniais francesas proibissem em 1955 o Partido e o seu órgão oficial. Durante a guerra de libertação nacional argelina, Kateb Yacine lutou com os seus escritos (sobretudo no seu romance Nedjma, cujo nome significa Estrela em árabe, publicado em 1956) contra o colonialismo francês e pela independência da Argélia. Escritor de esquerda, anti-imperialista e internacionalista, Kateb Yacine expressou no seu livro “L’homme aux sandales de caoutchouc” (O homem com as sandálias de borracha, publicado em 1970) a sua solidariedade com a luta do povo vietnamita contra a invasão e o imperialismo americanos.

Tradução de Mohamed Walid Grine, escritor e tradutor argelino, professor de tradução no instituto de tradução (Universidade de Argel II), especial para o Resistência – Título original: Octobre, novembre et Dien Bien Phu

Fonte: texto extraído do livro “Kateb Yacine, minuit passé de douze heures, écrits journalistiques 1947-1989”, éditions du Seuil, 1999 (textos e artigos reunidos por Amazigh Kateb, filho do escritor)

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