Opinião

Alarme nuclear vermelho

23/02/2016

“Nós temos bombas nucleares”: foi o que declarou em 19 de fevereiro à Russia Today o analista político saudita Daham al-Anzi, de fato um porta-voz de Riad, repetindo em um canal árabe.

Por Manlio Dinucci*

A Arábia Saudita já tinha declarado (The Independent, 30 de março de 2015) sua intenção de adquirir armas nucleares ao Paquistão (que não aderiu ao Tratado de  não proliferação), cujo programa nuclear militar ela financia.  Agora, por intermédio da al-Anzi, ela faz saber que começou a comprá-las há dois anos. Bem entendido, segundo Riad, para enfrentar a “ameaça iraniana” no Iêmen, no Iraque e na Síria, onde “a Rússia ajuda Assad”. Ou seja, onde a Rússia ajuda o governo sírio a libertar o país do chamado Estado Islâmico e outras formações terroristas, financiadas e armadas pela Arábia Saudita no quadro da estratégia da dupla EUA/Otan.

Riad possui mais de 250 caças-bombardeiros com dupla capacidade convencional e nuclear, fornecidos pelos EUA e pelas potências europeias. Desde 2012 a Arábia Saudita faz parte da “Nato Eurofighter and Tornado Management Agency”, a agência da Otan que administra os caças europeus Eurofighter e Tornado, que Riad comprou à Grã Bretanha em quantidade que é o dobro do que tem toda a Royal Air Force. Nesse mesmo quadro entra o iminente mega-contrato de 8 bilhões de euros – graças à ministra  Pinottti, eficiente representante de comércio de armas – para o fornecimento ao Kwait (aliado da Arábia Saudita) de 28 caças Eurofighter Typhoon, construídos pelo consórcio de que faz parte a Finmeccanica com indústrias da Grã Bretanha, Alemanha e Espanha. É a maior encomenda jamais obtida pela Finmeccanica, em cujos cofres entrará a metade dos 8 bilhões. Garantida com um financiamento de 4 bilhões por um pool de bancos, entre os quais Unicredit e Intesa Sanpaolo, e pela Sace do grupo Cassa Depositi e Prestiti.

Assim se acelera a reconversão armada da Finmeccanica, com resultados exaltantes para aqueles que se enriquecem com a guerra: em 2015 o valor da ação da Finmeccanica registrou na bolsa um crescimento de 67%.  À margem do “Tratado sobre comércio de armamentos”, ratificado pelo parlamento em 2013, no qual se estipula que “nenhum Estado parte autorizará a transferência de armas no caso em que este saiba que as armas poderão ser utilizadas para ataques dirigidos contra objetivos ou pessoas civis, ou para outros crimes de guerra”. Em face da denúncia de que essas armas fornecidas pela Itália são utilizadas pelas forças aéreas sauditas e kwaitianas realizando massacres de civis no Iêmen, a ministra Pinotti responde : “Não transformemos os Estados que são nossos aliados na batalha contra o EI em inimigos, isto seria um erro muito grave”. Seria sobretudo um “erro” fazer saber que sauditas e kwaitianos são  “nossos aliados”: monarquias absolutas onde o poder está concentrado nas mãos do soberano e de seu círculo familiar, onde partidos e sindicatos são proibidos; onde os trabalhadores imigrantes (10 milhões na Arábia Saudita, cerca da metade da força de trabalho; 2 milhões, em 2,9 milhões de habitantes no Kwait) vivem em condições de superexploração e escravismo, onde aquele que reivindica os mais elementares direitos humanos é enforcado ou decapitado.

É nessas mãos que a Itália “democrática” põe os caças-bombardeiros capazes de transportar bombas nucleares, sabendo  que a Arábia Saudita já as possui e que elas podem ser utilizadas também pelo Kwait.

Na “Conferência de Direito Internacional Humanitário”, a ministra Pinotti, depois de sublinhar a importância de “respeitar as normas do direito international”, concluiu  que “a Itália, nesse aspecto, é um país enormemente credível e respeitado”.

* jornalista e geógrafo.

Artigo Publicado em Il Manifesto ; tradução de José Reinaldo Carvalho para Resistência

 

 

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