Opinião

Catar: 13 motivos de uma estranha crise no Oriente Médio

13/06/2017
Caricatura sobre a crise diplomática que atravessa o Catar. Autor: Osama Hajjaj

É possível que sete aliados dos Estados Unidos, sem a autorização da Casa Branca, declarem uma guerra diplomática-econômica contra o Catar, que é a sede do Comando dos EUA para o Oriente Médio, a maior representação que o Pentágono possui em toda a região?

Por Nazanín Armanian

Trata-se da primeira consequência da visita de Donald Trump à Arábia Saudita, e pode ser uma armadilha nos moldes de uma crise para arrastar o Irã a uma guerra regional, agora que os EUA não se veem capazes de enfrentar diretamente esta nação, para ficarem com a maior reserva global de gás e a terceira de petróleo.

O pretexto do conflito são as declarações do emir do Catar, Tamim Bin Hamad Al Thani, em que afirma que uma guerra contra o Irã seria uma loucura, uma vez que desapareceriam todos os países árabes do Golfo Pérsico, o que faria Trump não permanecer muito tempo no poder. Além disso, Tamim é acusado de financiar a Irmandade Mulçumana (IM), a quem consideram terroristas e de desestabilizar os países árabes.

Não foi a Arábia Saudita que agrediu militarmente o Iraque, o Bahrein, o Iêmen e a Síria?

Certo. O Catar, assim como a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos e os Estados Unidos, patrocinou o jihadismo sunita que opera no Afeganistão, Iraque, Iêmen, Síria, Líbia, Chechênia, Rússia, China e Europa. Porém, como é possível haver patrocinado o terrorismo mundial durante anos, sem que os 11 mil soldados dos EUA ali baseados não o tivessem notado?

Punição de advertência para os traidores

Uma mulher caminha em frente aos arranha-céus de Doha / Foto: AP

Uma mulher caminha em frente aos arranha-céus de Doha / Foto: AP

De nada serviu a Doha alegar o ciberataque, alterando as palavras do emir, ou pedir aos líderes do Hamas (filial palestina da IM) que abandonem o país. As punições, que incluem o bloqueio aéreo, terrestre e marítimo do Catar, assim como a expulsão de milhares de famílias catarenses da Arábia Saudita e dos Emiratos Árabes Unidos, podem ter consequências imprevisíveis para o país (como a falta de alimentos que são importados da Arábia) e para a paz mundial.

Para a Arábia Saudita que, após a visita de Trump, sente-se forte para incendiar toda a região, as faltas do Catar são:

1. Solapar a política de Trump-Salman-Netanyahu para conter o Irã e desmontar a frente árabe anti-iraniana. O Catar (do termo persa Guadar: Porto), juntamente com Omã e o Kuwait, defende a distensão no Golfo Pérsico e mantém relações cordiais com Teerã. Doha apoiou o acordo nuclear entre o Irã e os 5+1, um espinho cravado no coração dos sauditas. Em 2013, Doha foi o único membro do Conselho de Segurança da ONU que votou contra a Resolução 1696, que exigia que o Irã suspendesse o enriquecimento de urânio de seu programa nuclear. Antes, havia firmado com Teerã um acordo de segurança e luta antiterrorista e abrira seu mercado aos investimentos iranianos. Agora, além disso, contatou Ghasem Soleimani, comandante iraniano das Forças de Qos, que lutam na Síria e no Iraque contra os jihadistas sunitas. Para Doha, o Irã não apenas é seu sócio na exploração do maior campo de gás do mundo, (North Dome/South Pars), mas também é o país que, junto com a Índia e a Rússia, o está salvando de converter-se em uma colônia da Arábia Saudita.

2. Negar-se a tomar parte de uma Otan sunita contra os xiitas (Irã e Síria).

3. Financiar a IM no Egito e em outros países, em prejuízo do wahabismo.

4. Criticar, por meio do canal Al Jazzira, os reis e presidentes árabes, exceto o emir do Catar, enquanto ataca o Estado Islâmico (wahabita) e legitima o Hezbolah, deixando de chamá-lo de o “partido de Satanás”.

5. Negociar a cessão de uma base militar à Turquia, país ressentido com os EUA por armar os curdos sírios, capitaneados pela IM.

6. Impedir que seu sistema político (que comparado com o absolutismo saudita, é uma democracia!) se converta em um modelo a seguir na região. Tamim permitiu nas eleições municipais de 1991 o direito ao voto das mulheres e, teoricamente, reconheceu, na Constituição de 2003, a liberdade de expressão e de associação.

A postura dos EUA

O rei Salman da Arábia Saudita e Donald Trump, durante a recente visita do mandatário dos EUA a Riad / Foto: Jonathan Ernst-Reuters

O rei Salman da Arábia Saudita e Donald Trump, durante a recente visita do mandatário dos EUA a Riad / Foto: Jonathan Ernst-Reuters

7. Washington não aceita que neste mundo maniqueísta, Doha dance com todos: acolhe um escritório diplomático israelense e outro do Hamas, financia os jihadistas na Síria contra Bashar al Asad, enquanto apoia o cessar fogo. Trump se opõe ao Catar por:

8. Resistir em utilizar seu território contra Teerã, distante apenas 759 quilômetros. Em um vídeo do Estado Islâmico, nas diversas línguas do Irã, os terroristas ameaçam atacar o país. Podem contar com os grupos reacionários iranianos, como os Muyahedines do Povo, coletivos de curdos, baloches ou árabes, descontentes com as políticas discriminatórias de Teerã com respeito às minorias étnicas que compõe cerca de 60% da população do Irã. De fato, os dois recursos que os EUA-Arábia-Israel têm para destruir a nação iraniana são: por um lado, uma guerra regional e, por outro, provocar tensões étnico-religiosas, sobretudo a partir das fronteiras do Paquistão, Afeganistão, Turquia e do Golfo Pérsico. Na realidade, o atentado no parlamento iraniano pode ser o início deste tipo de ação que visa a desestabilizar o Irã.

9. O Catar foi a única monarquia da zona que condenou a lei de imigração de Trump.

10. Ao desejar incluir a IM (que era apoiada por Obama) na lista terrorista, Washington cria uma nova alienação na região: fortalece sua aliança com a Arábia Saudita e o Egito e, simultaneamente debilita a Turquia e o Catar.

11. Aprofundar ainda mais a distância entre os regimes árabes, provocando um conflito interislâmico que os debilita, beneficiando, assim, a incessante expansão israelense. Porém, o Irã não pode explorar esta fissura: enquanto o presidente Hassan Rohani defende a paz e a cooperação com o Catar e a Arábia Saudita, o chefe de Estado, Ayatolá Ali Jamenei, não cessa seus ataques à família Al Saud.

12. Impedir que o Catar e a Rússia (os dois gigantes do gás) ampliem suas relações energéticas. O emir Tamim visitou a Rússia em 2016, procurando alternativas à sua relação com o Ocidente: investiu 2 bilhões e 500 milhões de dólares na Rússia para conseguir influência política sobre Moscou, sobretudo agora que fracassou ao tentar derrubar Bashar al Assad e levar adiante o projeto do gasoduto sunita cruzando a Síria. Quem sabe ainda possa participar da reconstrução do país. Deixou muito dinheiro no aeroporto de Pulkovo em São Petersburgo e firmou o maior acordo de investimento estrangeiro direto no setor energético em nível global, ficando com 40% da Rosneft e de outras companhias energéticas privadas russas.

13. E, especialmente, incrementar o estado de guerra na região, para reconfigurar o mapa do Oriente Médio e “tornar a América ainda maior”. Para isso, introduziu a tática anti-Catar na estratégia da luta anti-iraniana.

Medidas de Trump

Tamim bin Hamad Al Thani, emir de Qatar. Foto: Reuters

Tamim bin Hamad Al Thani, emir do Catar. Foto: Reuters

1. Lançar uma campanha contra o Catar na imprensa, acusando-o de financiar o terrorismo.

2. Refinar o tema da escravidão dos imigrantes.

3. Sabotar a Copa do Mundo de 2022, escancarando supostos subornos pagos à FIFA.

4. Levar a cabo um golpe de Estado, como o lançado da base turca de Incirlik contra Tayyeb Erdogan. Assim, Tamim, de 36 anos, poderia ser derrotado por:

Seus primos do clã de Ahmed bin Ali Al Thani, o primeiro emir do país, depois de sua independência da Grã-Bretanha, em 1971, que o consideram um “desastre” e se ofereceram como seus possíveis substitutos.

Seu meio-irmão mais velho, Mishaal, nascido da primeira esposa de Hamed al Thani.

O próprio Hamed, o emir-pai, a quem derrotou, em cumplicidade com sua mãe, a xeque Moza bint Nasser.

O chefe do Comitê de Relações Públicas da Arábia Saudita nos EUA, Salman al-Ansari, recomendou num twitter ao emir que aprenda com a sina do ex-presidente egípcio Mohammad Mursi da IM, que sofreu um golpe de Estado em 2013, liderado pelo general Al Sisi, que recebeu como recompensa 160 bilhões de dólares do Rei Salmán da Arábia. A mesma ameaça é reiterada no diário saudita Al-Riad: “Cinco golpes em 46 anos; o sexto não é improvável”.

O temor e as opções do Catar

Um comerciante vende tâmaras e mel no comércio em Doha, a capital do Catar / Foto: AFP

Um comerciante vende tâmaras e mel no comércio em Doha, a capital do Catar / Foto: AFP

Doha não deseja ser vítima da tensão entre o Irã e a Arábia Saudita pela hegemonia regional e busca um equilíbrio em suas relações com tais potências. O emir do Catar teme que a Arábia, apoiada pelos EUA e sob o pretexto da ameaça iraniana e da luta antiterrorista, ocupe o país e suas imensas reservas de gás, agora que seus próprios campos de petróleo estão secando. Para evitar tal ação tem as seguintes saídas:

Acudir Trump e comprá-lo com um cheque com muitos zeros, como o fez a Arábia Saudita, que pagou 110 bilhões de dólares por armas e conseguiu que a imprensa dos EUA já não toque mais no assunto de sua implicação no terrorismo de 11 de setembro; assim fez também com a Grã-Bretanha: 4 bilhões e 200 milhões de dólares em contratos de armas e Londres não publicará os resultados da investigação sobre o financiamento dos islamistas radicais.

Retroceder em sua política relativa ao Irã; acatar a tutela dos Al Saud.

Unir-se à coalizão do Irã-Iraque-Síria e arriscar-se a morrer como Saddam ou Gadafi.

Fortalecer seu acordo militar com a Turquia, país tensionado com os EUA, por armar os curdos sírios.

A tensão chegou a níveis de difícil reversão. Os presidentes da Turquia e da Índia tentam mediar o conflito. Nova Delhi preocupa-se com um corte no fornecimento de petróleo e com a situação de milhares de trabalhadores indianos que, desta região, enviam à Índia remessas de cerca de 60 bilhões de dólares. O conflito pode também prejudicar a economia catarense e acabar com os investimentos estrangeiros. O Serviço de Investimentos Moody reduziu a qualificação de crédito em Catar à quarta categoria de investimento, assinalando a incerteza do modelo de crescimento econômico.

Ao Catar resta ser a próxima vítima da farsa da “guerra contra o terrorismo” dos principais patrocinadores mundiais do terrorismo.

Loucos embusteiros!

Há de se recuperar a ONU para conter o trumpismo-wahabita!

Fonte: Cuba Debate, tradução de Maria Helena De Eugenio para o Resistência

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