Internacionalismo

Dilma comoveu o Uruguai

12/11/2016

“Venho aqui afirmar a importância da democracia que está em risco.”

A presidenta democraticamente eleita do Brasil, Dilma Rousseff, deposta por um golpe de Estado, esteve no Uruguai na sexta e no sábado passados (4 e 5 de novembro). Sua presença concentrou a mobilização e do debate político.

Dilma Roussef começou sua visita participando em um emotivo e massivo ato na Praça Libertad com a presença de milhares de trabalhadores, realizado no marco da Jornada Continental “Em defesa da Democracia e contra o neoliberalismo”, convocada pelo Encontro Sindical Nossa América, comemorando os 11 anos da derrota da Alca. Depois, foi à sede da Frente Ampla, na Intendência de Montevidéu (governo da capital uruguaia N. do T.), onde foi declarada Visitante Ilustre, e encerrou a visita no sábado, sendo recebida pelo presidente Tabaré Vázquez na Residência Suárez.

En todo momento Dilma insistiu na defesa da democracia e na unidade. Ela destacou o apoio dos uruguaios e agradeceu ao “pequeno grande país”, que qualificou de “exemplo para todo o continente de democracia, participação e unidade”.

“Queridos e queridas, para mim é uma honra ter sido convidada pela PIT-CNT, para participar deste ato pela democracia e que confirma a solidariedade entre nossos povos e nossos movimentos”, afirmou Dilma, para quem a democracia está ameaçada e corre muito risco na América do Sul.

Dilma Rousseff advertiu que existe uma campanha de setores conservadores contra os “governos populares” latino-americanos, e expressou seu desejo de que não se repitam situações que a região sofreu durante as ditaduras militares dos anos 1960 e 1970, quando houve “perda de direitos, reduções de salários e perseguição política em nome de supostos interesses nacionais”.
“O que eu jamais pensei é que veria novamente a democracia ameaçada. A democracia está correndo risco em nossa região”, acrescentou.

Dilma destacou a figura de José Mujica e a solidariedade dos uruguaios.

Leia em seguida o editorial do jornal El Popular, do Partido Comunista Uruguaio

el-popularDilma, a luta continua

Escolhemos para o título de El Popular e para encabeçar este editorial a frase histórica do líder da luta do povo angolano e dos povos africanos por sua liberdade, Agostinho Neto. Quando Agostinho Neto proclamava a independência de Angola e gritava junto a milhares de pessoas em Luanda, “A luta continua”, enfrentávamos no Brasil e no Uruguai as ditaduras fascistas e lutávamos pela democracia e a liberdade.

A visita de Dilma ao Uruguai é expressão da continuidade histórica da luta em defesa da democracia, da liberdade e pela libertação de nossos povos. As mesmas forças que as atacaram e as puseram em risco há 40 anos as atacam hoje, o imperialismo e as classes dominantes, e as mesmas forças que as defenderam e as fizeram avançar o fazem hoje, os trabalhadores, o povo organizado e a esquerda.

É o que expressaram, meridianamente, a visita da companheira Dilma e suas repercussões. É dessa transcendência e importância. Por isso incomodou tanto à direita e por isso mobilizou e comoveu o movimento popular e a esquerda. E é um fato político de relevância estratégica que tenha sido assim.

A direita atacou a visita de Dilma desde o princípio e por todos os lados. Questionou que a central sindical PIT-CNT a convidasse. A PIT-CNT tem que ocupar-se do trabalho e do salário, repetiam “El País” e os partidos blanco e colorado, e um ou outro sem noção. Claro, isso foi na sexta-feira; no sábado, quando a PIT-CNT, o SUNCA e o FUECYS, se ocuparam do salário e do trabalho, pararam e fecharam supermercados, já não estava tão bem referir-se a isso e passaram a falar do “despotismo sindical”. Certamente, atacaram a Frente Ampla por receber corruptos. Atacaram a Intendência de Montevidéu (governo da capital) por “discriminação ideológica”. Festejavam a “moderação” de Tabaré Vázquez por não recebê-la, e quando Tabaré a recebeu, o acusaram de pôr em perigo “o TLC com a China”. Acusaram-na até de ingressar ilegalmente no país e não cumprir os trâmites aduaneiros, um deputado colorado fez um mpedido de informação sobre isso.

É incrível, mas é fato.

Esta fúria incongruente e contraditória mostra o desconcerto. O que ocorreu é que a visita de Dilma e a mobilização política e social que a rodeou colocaram a agenda pública nos eixos que deve ter, o avanço da democracia e sua defesa, em todos os planos, e quando isso ocorre a direita fica desconcertada.

Nos dias que durou a presença de Dilma em nosso país se mostrou em toda a sua dimensão a capacidade do bloco político e social das mudanças de colocar os eixos políticos, desencadear sua ofensiva política e de massas e pôr a direita na defensiva.

Cada qual joga seu papel e não ocupa espaços que não deve, mas sim os que deve, o movimento sindical e a Frente Ampla fazendo política, e os companheiros e companheiras na Intendência e no Governo Nacional governam e dão sua contribuição desde esses espaços. É imprescindível resgatar e projetar para o futuro essa dimensão da visita de Dilma. Esse é o caminho.

Quanto aos ataques que continuam de todos os lados à presença de Dilma e à greve da PIT-CNT, que segundo dizem mistura as coisas, a polêmica é ideológica e profunda e é necessário fazê-la.
O convite a Dilma e a greve da PIT-CNT ocorreram no marco da realização da Jornada Continental “Em defesa da democracia e contra o neoliberalismo”, convocada pelo Encontro Sindical Nossa América. Foi na data em que se comemora a vitória há 11 anos contra a Alca, o principal projeto de dominação imperialista de nosso continente depois da onda de ditaduras fascistas. Em todos os países houve um componente internacional e um componente nacional reivindicativo.

Falemos claramente. Os trabalhadores e trabalhadoras uruguaios temos feito da defesa da liberdade e da democracia, e também do anti-imperialismo e da solidariedade, um sinal de identidade, um princípio, como disse Marcelo Abdala no enorme ato da sexta-feira.

No Uruguai se comemora o 1°de Maio, a primeira greve universal, desde 1890, uma das primeiras mobilizações operárias foi internacional e de solidariedade internacional.

Ou alguém crê que a luta de classes em geral e também em particular em aspectos como as 8 horas é somente nacional? Houve greves e marchas solidárias com a Revolução Russa, tanto em 1905 como em 1917. Fomos solidários com a República Espanhola e operários uruguaios lutaram e morreram nas Brigadas Internacionais.

Fomos solidários com os povos que lutaram contra o nazismo e o fascismo. Mobilizamo-nos aos milhares em solidariedade com o Vietnã e contra a agressão ianque. Desde o primeiro momento fomos solidários com Cuba e sua revolução, recebemos Fidel, duas vezes, e o Che. Repudiamos, enfrentando a Polícia e a repressão, a expulsão dos embaixadores cubanos, na década de 1960 e depois sob o governo de Jorge Batlle.

Fomos solidários com a Nicarágua sandinista, ainda sob a ditadura, e participamos durante anos nas Brigadas do Café. Mobilizamo-nos contra a invasão ao Iraque e a favor da paz, aos milhares, várias vezes em frente à embaixada dos estados Unidos.

Ademais, a história da unidade do movimento sindical uruguaio está entrelaçada com a defesa da democracia e a solidariedade com o Brasil. Em 1964, quando a oligarquia e os ianques, assim como agora, dão o golpe de Estado no Brasil, todas as tendências do então dividido movimento sindical uruguaio se reúnem e concordam que aquilo que ocorria seria respondido com uma greve geral. Isto antecede o Congreso do Povo e a unidade na CNT. Quer dizer, a defesa da democracia e da liberdade e a solidariedade com o Brasil foram um componente do processo de unidade dos trabalhadores uruguaios.

E agora, precisamente agora, querem que reneguemos isso? Os que criticam e golpeiam a PIT-CNT por isso o fazem sabendo que a classe operária uruguaia é chave para defender a democracia e os incomoda o peso e a influência que tem na sociedade.

Tudo o que pode uma mulher digna e seu exemplo. Tudo o que pode a unidade do povo e sua mobilização. Dilma disse: “Venho aqui reafirmar a importância da democracia, que está em risco em nossa região e é preciso defendê-la. Não há avanços sem democracia”. Muito comovida e agradecida, acrescentou: “O Uruguai é um pequeno grande país, que tem muito para aportar ao continente, sua solidariedade, sua democracia e sua unidade são uma inspiração para todo o continente”.

Por isso, milhares com a democracia e com Dilma, é a melhor resposta. Que milhares se mobilizem e aprendam na prática o valor da solidariedade, que serve a quem a recebe e educa quem a dá, é um avanço democrático em si mesmo. Por outro lado, o movimento popular uruguaio mostrou uma vez mais sua força atuando unido e na ofensiva.

É uma mensagem, modesta mas firme, para o imperialismo e para a direita. Que se saiba, no Uruguai haverá luta se tentam algo. Claramente, é isso.

El Popular

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