Geopolítica

Em pronunciamento na ONU, Cuba defende “profunda reforma” das Nações Unidas e declara: “o capitalismo nunca será histórica ou ambientalmente sustentável”

24/09/2016

Leia a íntegra da intervenção do Ministro de Relações Ex­teriores da República de Cuba, Bruno Rodríguez Parrilla, no debate geral da 71ª Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque, 22/09/2016.

A ONU deve ser defendida do unilateralismo e, ao mesmo tempo, terá de ser profundamente reformada para a sua democratização

Senhor Presidente;

Senhor Secretário General;

Expresso nosso reconhecimento por seus notáveis esforços durante seu mandato.

Senhores Chefes de Estado e Governo;

Distintos delegadas e delegados,

As estatísticas não poderiam ser mais eloquentes,

80% da população mundial detêm apenas 6% da riqueza, enquanto o 1% mais rico, goza de metade do patrimônio do planeta.

Nada menos do que setecentos e noventa e cinco milhões de pessoas sofrem de fome crônica e 18.000 crianças morrem diariamente por causa da pobreza. Mais de 660 milhões não dispõem de água não potável e 780 milhões de adultos e 103 milhões de jovens são analfabetos.

Provavelmente, não conheceram os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e, para conhecê-los, basta acreditar nos novos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

Continua a existir um abismo entre as nossas deliberações e as realidades dos povos. A falta de vontade política dos países industrializados está confirmada.  O capitalismo tem padrões irracionais de produção e consumo que levam à destruição das condições de vida do planeta.

Os arsenais nucleares e convencionais imensos e a despesa militar anual de 1,7 bilhão de dólares, desmentem aqueles que afirmam que não há recursos para eliminar a pobreza e o subdesenvolvimento.

Mas há muitos argumentos para provar a urgência da construção de uma nova arquitetura financeira internacional.

Nos países desenvolvidos, as “sociedades de bem-estar” são extintas, os sistemas políticos entram em crise, os bolsões de pobreza aumentam, aplicam-se brutais programas neoliberais de ajuste sobre os trabalhadores, os jovens e os migrantes e perigosamente desenvolvem-se obscuras forças neofascistas.

A filosofia da pilhagem sustenta as intervenções militares e as guerras não convencionais, impetradas pelos países da Otan, contra Estados soberanos, para desestabilizar governos e apoderar-se de seus recursos naturais. São cotidianas as imposições de medidas coercitivas unilaterais e o uso de recursos financeiros, judiciais, culturais e midiáticos para desestabilizar governos; assim como a militarização, o uso agressivo do ciberespaço e a violação dos direitos humanos de centenas de milhões de pessoas.

As ondas de refugiados na Europa, causadas pelo subdesenvolvimento e intervenções da Otan,  mostra a crueldade, a natureza opressiva, a ineficiência e insustentabilidade da ordem internacional atual, sem que haja uma reação sensata em defesa dos direitos humanos e da dignidade dos povos, e que se destine a resolver as causas profundas dos problemas.

O ano de 2015 também foi o pior em termos de alterações climáticas, com o aumento das temperaturas globais, do degelo polar, do nível dos oceanos e dos volumes de emissão de gases do efeito estufa.

Nesta conjuntura, reiteramos a nossa solidariedade para com os pequenos países insulares em desenvolvimento, especialmente no Caribe, que são mais afetados pelas alterações climáticas, para os quais clamamos por um tratamento justo, especial e diferenciado.

Enquanto se espera que os países industrializados avancem no cumprimento das obrigações assumidas por meio do ambíguo acordo de Paris, apenas dados tangíveis de financiamento e transferência de tecnologia para os países em desenvolvimento poderão fortalecer as esperanças de sobrevivência da espécie humana.

Entretanto, o capitalismo nunca será histórica ou ambientalmente sustentável.

Senhor Presidente:

A paz e o desenvolvimento são a razão de ser da Organização das Nações Unidas. Para a espécie humana, é imperativo e urgente a necessidade de criar uma cultura de paz e justiça, como a base de uma nova ordem internacional.

Seria suicida a tentativa de prolongar a existência de um mundo unipolar, por meio da guerra, da dominação ou da hegemonia.

Para a convivência pacífica entre os Es­ta­dos, é imprescindível o respeito à Carta das Nações Unidas e ao Direito Interna­cional.

A ONU deve ser defendida do unilateralismo e, ao mesmo tempo, terá de ser completamente reformada, a fim de se democratizar e estar próxima dos problemas, necessidades e aspirações dos povos, tornando-se assim capaz de direcionar o sistema internacional para a paz, o desenvolvimento sustentável e o respeito a todos os direitos humanos para todos os povos.

A reforma do Conselho de Segurança, tanto em sua composição, quanto em seus métodos de trabalho, é uma tarefa que não pode mais ser adiada.

O fortalecimento da Assembleia Geral e o resgate das funções do Conselho de Segurança, que foram usurpadas, devem orientar a busca de uma organização mais democrática e eficiente.

É urgente a busca de uma solução justa e duradoura para o conflito no Oriente Médio que se baseia, inexoravelmente, no exercício do direito inalienável do povo palestino de construir seu próprio Estado dentro das fronteiras anteriores a 1967, com a capital em Jerusalém Oriental.

A questão do Sahara Ocidental exige um esforço em conformidade com as resoluções da ONU, visando a garantir a autodeterminação do povo saharaui e o respeito pelo seu direito legítimo de viver em paz em seu território.

Ressaltamos, mais uma vez, nossa confiança de que o povo da República Árabe da Síria será capaz de resolver suas diferenças por si só, quando cessar a intervenção externa que pretende a mudança do regime.

As tentativas de estender a Otan até às fronteiras da Rússia e a implantação de sistemas antimísseis, constituem um incentivo para a corrida armamentista e ameaçam a paz e a segurança internacionais. Da mesma forma, expressamos nossa oposição às sanções injustas e unilaterais contra o povo russo, que também prejudicam a Europa.

Cuba, que tem sido vítima de terrorismo de Estado, reitera a sua firme condenação ao terrorismo em todas suas formas e manifestações.

Senhor Presidente:

A “Proclamação da América Latina e do Caribe como Zona de Paz”, assinada em Havana, pelos Chefes de Estado e de Governo da nossa região,  em janeiro de 2014, durante a Segunda Cúpula da Comunidade de Estados da América Latina e do Caribe (Celac), estabelece os princípios e regras de convivência, cooperação e respeito entre os Estados, indispensáveis para a realização do direito à paz, aplicáveis aos vínculos na nossa América e nas relações desta com o hemisfério e o mundo.

Congratulamo-nos com o histórico acordo entre o Governo da Colômbia e as Farc-EP para o fim do conflito e a construção de uma paz estável e duradoura, alcançado em Havana em 24 de agosto de 2016. Contribuiremos para a sua implementação de todas as maneiras possíveis, sempre a pedido das partes.

Continuamos a apoiar o governo e o povo da Venezuela, a união cívico-militar e o presidente constitucional Presidente Nicolás Maduro Moros, em defesa de sua soberania e autodeterminação, contra a interferência imperialista e oligárquica que tenta destruir a Revolução Bolivariana e Chavista, com o intento de se apropriar das riquezas do petróleo e reverter as enormes conquistas sociais alcançadas.

Expressamos nossa forte oposição ao golpe de Estado parlamentar-judicial perpetrado no Brasil contra a presidenta, Dilma Rousseff e apresentamos a nossa solidariedade a ela, ao povo brasileiro, ao Partido dos Trabalhadores e ao ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Não renunciaremos nem desistiremos de um só dos nossos princípios revolucionários e anti-imperialistas, da defesa da independência, da justiça social e dos direitos dos povos, ou dos nossos compromissos de cooperação com os mais necessitados.

Colaboradores cubanos que trabalham em todos os continentes continuam a dar a sua contribuição, incluindo os 46 mil que, em 61 países, lutam pela vida e saúde dos seres humanos.

O “Programa de Licença Médica para profissionais da saúde cubanos”, aplicado pelos Estados Unidos da América, é um obstáculo embaraçoso que tem o objetivo político de impedir a cooperação médica cubana e privar os países beneficiários e Cuba de valiosos recursos humanos altamente qualificados.

Senhor Presidente:

Pouco mais de um ano se passou desde a restauração das relações diplomáticas entre Cuba e os Estados Unidos e a reabertura de embaixadas.

Houve algum progresso nas nossas relações bilaterais, especialmente em assuntos diplomáticos, diálogo e cooperação sobre questões de interesse comum, como refletem as delegações de alto nível, incluindo a visita do presidente Barack Obama, e os acordos já assinados sobre questões que podem trazer benefícios a ambos os países e a todo o hemisfério.

No entanto, a realidade é que o bloqueio permanece em vigor, continua a causar graves danos e privações ao povo cubano e a prejudicar o funcionamento da economia e as relações com outros países.

As medidas executivas adotadas pelo Governo dos Estados Unidos, embora positivas, são insuficientes.

Existem inúmeros exemplos recentes de prejuízos causados pelo bloqueio na ordem econômica, comercial e financeira, a Cuba e a terceiros. Enquanto isso ocorre, apresentaremos à Assembleia o projeto de resolução intitulado “Necessidade de pôr fim ao Bloqueio Econômico, Comercial e Financeiro imposto pelos Estados Unidos da América contra Cuba”.

Reiteramos a disposição do governo cubano de continuar a desenvolver um diálogo respeitoso com o governo dos EUA, sabendo que há um longo caminho a ser percorrido para avançar no sentido da normalização, o que significa a construção de um modelo totalmente novo de relações bilaterais em nossa história comum que nunca poderá ser esquecida.

Para que isso seja possível algum dia, será imperativo que o bloqueio termine o quanto antes. Além disso, o território ilegalmente ocupado pela Base Naval dos Estados Unidos em Guantánamo contra a vontade de Cuba, deverá ser devolvido.

Senhor Presidente:

O povo cubano – apesar das condições adversas impostas pelo cenário internacional atual e a persistência do bloqueio econômico, comercial e financeiro por parte dos Estados Unidos – continua empenhado na atualização do modelo econômico e social, por ele decidido de forma absolutamente soberana, a fim de construir um Estado independente, soberano, socialista, próspero e sustentável.

Muito obrigado.

Compartilhe: