América Latina

Esta luta não é só por democracia, é por outra civilização, diz Mujica

27/07/2016
"A democracia das novas gerações poderá ser muito mais desenvolvida que a nossa democracia participativa", confia Mujica

O ex-presidente do Uruguai, e atual senador da Frente Ampla, José “Pepe” Mujica, participou na manhã desta quarta-feira (27) do Seminário Democracia na América Latina, realizado em Curitiba, PR. Para Mujica, o desafio das gerações mais jovens é lutar não só por democracia, mas por uma nova civilização que seja capaz de valorizar a vida humana e a felicidade das pessoas acima das questões do mercado.

Por Mariana Serafini, para o Portal Vermelho

Em suas últimas participações em eventos políticos, Mujica tem falado sobre o que considera ser sua missão atual: ele acredita que pode contribuir para o processo de integração da América Latina e vai trabalhar para isso da melhor forma possível. Neste sentido, afirmou que o desafio das novas gerações é melhorar a democracia que herdaram de seus antepassados.

Para Mujica, cabe a cada um decidir “o rumo de suas vidas” e isso significa chegar à velhice, se olhar no espelho e se questionar se valeu à pena. “Vocês podem ser lutadores por uma democracia melhor, ou podem ser aposentados de uma multinacional. Precisam eleger o rumo, este é o desafio do nosso tempo. A mesa está posta para uma sociedade frívola que os transformará em pagadores de conta e compradores de felicidade em cotas”.

O sentido da vida está em ter sensibilidade de entender que chegamos até aqui graças a um trabalho em equipe feito pelos homens pré-históricos e temos a missão de construir uma sociedade melhor para os que estão por vir porque não somos seres isolados, ensina Mujica. Com base nisso, ele critica com muita veemência a sociedade de consumo desenfreada que tenta nos transformar diariamente em seres fúteis, incapazes de exercer a solidariedade. “[temos a opção] de sermos preocupados com uma viagem a Miami ou em trocar de carro, este é o rumo da sociedade de mercado. Transformam o nosso tempo de vida em mercadoria”.

Os valores humanos e sociais devem estar acima dos valores mercadológicos e para Mujica este é o grande desafio de uma sociedade que encontra-se atualmente numa democracia completamente fragilizada, não só na América Latina, mas na Europa também. “Se todo o tempo de sua vida for gasto atrás da ilusão de querer comprar, quais serão seus objetivos de vida? Quanto tempo terás para amar? Para gastar com seus amigos? Com seus filhos? Entendemos que precisamos trabalhar para fazer frente às necessidades, mas a vida não é só isso, é preciso ter tempo para ser livre”, ensina.

Conhecido por seus hábitos “desapegados”, Mujica explica que não se trata de abrir mão do consumo, mas sim de encarar um estilo de vida que priorize a vida humana e não as compras e as faturas de cartão de crédito. Trata-se de ter coragem e ousadia para romper com o sistema que nos transforma em escravos do tempo e do dinheiro. E para isso não é necessário viver em comunidades isoladas, ou ter um estilo de vida abdicado de tudo, mas sim entender que não precisamos seguir a lógica imposta pelo mercado. Parece, a princípio, um raciocínio difícil, mas para ex-presidente que se locomove com seu Fusca velho, esta é a única forma de não sermos seres fúteis, escravizados pelo capitalismo.

A luta por democracia, por uma sociedade mais justa, não é uma “luta por vingança”, garante Mujica. Pois será impossível viver num mundo melhor enquanto existirem “oprimidos e opressores”. “Como pode haver liberdade e fraternidade quando não há igualdade de direitos? A democracia nunca está terminada, nunca é perfeita. Não podemos nos conformar com a mais miserável democracia contemporânea cheia de desigualdade, de gente que vive às margens. Um terço dos latino-americanos vivem compartilhando a pobreza ao longo de toda a cordilheira andina. E não podemos falar em democracia se não resolvemos estes problemas”.

Lucia Topolansky e Mujica saem do evento em Curitiba

Lucia Topolansky e Mujica saem do evento em Curitiba

O processo que nos leva a uma sociedade mais desenvolvida não pode ser baseado apenas no processo econômico. Mujica afirma que este caminho pode ser trilhado “com uma visão aristocrática de extrema-direita”. Cabe à esquerda desenvolver um “crescimento econômico bom base na felicidade humana. Se não for assim, é falso”.

Como seres humanos distintos, é natural que surjam conflitos, e para isso serve a política, uma ferramenta capaz de gerir nossa vida em sociedade e, se feita de forma a priorizar a vida e não o mercado, pode proporcionar uma democracia mais sólida, ensina Mujica.

Ele fala sobre os “jornalistas estarem todos assustados” por querer saciar a dúvida sobre as crises políticas que atingem atualmente o Brasil, a Argentina, a Venezuela… “Por favor! Não podemos ter uma visão estática, é preciso olhar os processos, assim é a história humana. Há poucos anos atrás as ditaduras invadiram a América Latina e mil vezes as ideias progressistas foram assassinadas”.

O senhorzinho de olhar sereno e palavras firmes não deixa outra alternativa: cabe às futuras gerações lutar para garantir a continuidade da democracia. “Esta é uma inquietude mundial. Há um sentimento globalizado de frustração. Este é o desafio de hoje. Precisamos de uma cultura transformadora que coloque como centro a vida humana, e o direito à felicidade sobre a terra. Nada vale mais que isso”.

E para isso, devemos valorizar tudo que os antepassados construíram. As civilizações anteriores foram capazes de “povoar toda a terra”. E só fizeram isso porque “trabalharam em equipe”. “Esta é a história de um animal claramente socialista”.

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