Cuba

Luta de ideias no socialismo cubano: o papel do jornalismo e da comunicação social

20/08/2016

Sob o título “Democracia, meios de comunicação e realidades”, o cientista político e filósofo cubano Darío Machado Rodríguez, presidente da cátedra de Jornalismo e Jornalismo Investigativo e vice-presidente da cátedra de Comunicação e Sociedade do Instituto Internacional de Periodismo José Martí, publicou no site Cubadebate um instigante artigo sobre o papel do jornalismo na batalha das ideias, no desafiador momento que atravessa a sociedade cubana. Leia a íntegra, numa tradução da redação do Resistência.

Democracia, meios de comunicação e realidades

A necessidade imperiosa de defender a soberania e a independência da nação como condição sine qua non para construir, ampliar e aprofundar nossa democracia, a partir de nossas raízes e segundo nossos princípios e tradições, exigiu da sociedade cubana em revolução a subordinação de desejos, objetivos, propósitos e planos individuais e grupais, em nome de garantir a possibilidade de construir uma vida própria em todos os sentidos, no econômico, no social, no político, no cultural, um modo de vida próprio, um modelo de democracia real e sustentável, cubana, não ditada de fora, mas pensada e realizada a partir do povo trabahador e com ele.

Depois de uma longa entrega de mais de meio século na luta contra o Estado imperialista estadunidense e com a perspicácia da direção da revolução socialista, Cuba obteve uma vitória histórica, quando o governo dos Estados Unidos reconheceu em dezembro de 2014 que não pôde ajoelhá-la com as agressões e a guerra econômica e decidiu mudar de tática. Com isso se abriu uma nova etapa, muito mais difícil e complicada, uma luta que se trava hoje e se travará adiante no terreno da economia nacional, mas sobretudo no terreno das ideias e dos símbolos, do sentido da vida, da cultura.

Sustentar essa vitória e seguir adiante seria impossível com um país fragmentado por interesses econômicos e políticos corporativos e utilitários, facilmente absorvível pelo capital e pelo poder político estadunidense, e repleto de clientelismo e politicagem, manejada por partidos políticos sem tradição popular e com uma imprensa manipulada por interesses egoístas. Crer no contrário é no mínimo uma crassa ignorância.

Se hoje podemos discutir sobre nosso presente e nosso futuro é graças a nossa justa e justificada cultura da resistência, à coesão nacional ancorada no rumo socialista da construção social. Mas sustentar essa vitória e seguir adiante tampouco será possível sem uma renovada mentalidade, sem uma atividade revolucionária transformadora, sem métodos e estilo novos na atividade ideológica e política e na comunicação social.

A herança cultural de nossa história revolucionária não pode ser interpretada cabalmente hoje de outro modo que com uma chave socialista, muito menos pode ser reinterpretada para puxar a brasa para a sardinha do liberalismo e desconhecendo que a segue vigente a contradição entre os interesses do poderoso Estado imperialista estadunidense e os interesses da nação cubana, e que daqui por diante essa contradição adotará novas e multiplicadas formas de revelação às quais é nosso dever patriótico prestar a maior atenção.

Desconhecer que as maneiras existentes hoje de desinformar, confundir e influir tendenciosamente em qualquer sociedade com meios tanto públicos como secretos se desenvolveram e sofisticaram a níveis impensáveis na época da república neocolonial, e que essas capacidades são empregadas das mais diversas formas com fins de dominação, é algo que só podem fazer os ignorantes o os malintencionados.

Adaptar-se às novas realidades não significa renunciar a nossa historia, a nosso legado, aos princípios que são as armas ideológicas e políticas com as quais a revolução defendeu a segurança, a independência e a soberania nacional dos cubanos, mas compreender que o mundo mudou e está mudando vertiginosamente e que sobreviverão e terão êxito as ideias e os propósitos que sejam capazes de renovar-se sem perder sua essência.

A responsabilidade do jornalismo

A sociedade espera que seus meios de comunicação cumpram com a responsabilidade de estar a serviço de suas necessidades de informação, organizativas, educativas e culturais.

Qualquer pessoa ou grupo que tenha a possibilidade de comunicar algo através dos meios massivos de comunicação concentra nesse momento um poder de influência multiplicado, com o qual pode comunicar o que considera noticioso, o que decide informar, o que quer que outros sigam, leiam e pensem, enfim as avaliações que decide compartilhar com o público, tudo a que efetivamente têm direito as pessoas e os meios de comunicação, sempre dentro da lei.

Há uma diferença entre a liberdade de expressão, de pensar e falar sem hipocrisia e a ação e intenção de multiplicar os criterios próprios através dos meios de comunicação de massa, de reclamar a atenção e o tempo dos outros, o que converte em um fato macrossocial uma iniciativa pessoal ou grupal. É aí que cabe à lei jogar seu papel regulador para assegurar a equidade dentro das regras socialmente consensuadas e legalmente estabelecidas. Daí emanam também as exigências profissionais e éticas no exercício do jornalismo.

Trata-se também de considerar a atividade de comunicação de nossos meios como um instrumento insubstituível de promoção e defesa de nossa cultura, nosso modo de vida, nossa independência e soberania nacional, uma arma para se contrapor à influência múltipla dos símbolos e padrões do capitalismo neoliberal que busca hoje interpretar a seu modo as transformações econômicas em curso na sociedade cubana e mimetizar-se para identificá-las com as chaves de seu sistema, de sua lógica fundada no predomínio absoluto da propriedade privada.

Foi a propriedade privada que gerou na história humana o afã de lucro, o interesse individual e corporativo, o egoísmo, o consumismo e uma desenfreada competição que prejudicou e adoeceu a natureza e as relações sociais, em particular o exercício da política e da atividade comunicativa, e converteu a democracia em muitos países em uma piada de mau gosto, e em escala internacional em objeto da mais perversa manipulação ideológica.

Em Cuba, a responsabilidade de responder eficientemente à agenda pública é compartilhada por jornalistas, comunicadores, diretores de cinema, dirigentes dos meios de comunicação e também pelo Estado e pelo Partido. Este último, por sua qualidade de força dirigente superior da sociedade cubana, qualidade que lhe foi outorgada por mandato histórico, político e jurídico, suporta sobre os ombros a maior responsabilidade.

Os meios de comunicação que são propriedade social constituem um investimento da sociedade cubana, de nossos cidadãos, não são propriedade de ninguém em particular, não são propriedade exclusiva do Estado, do Partido ou de seus dirigentes, mas de toda a sociedade.

Ao não ser propriedade de ninguém em particular, ninguém tem o direito individual de decidir o que se transformará maciçamente em matéria de atenção social. O principal critério tem que ser o que dita a agenda pública. Daí a responsabilidade dos meios de comunicação de conciliar com esta última sua agenda e a agenda política. Daí também a importância da responsabilidade compartilhada, do olhar coletivo e especialmente da existência de normas consensuadas, legalmente aprovadas e constitucionalmente respaldadas, que assegurem, para além dos critérios individuais de pessoas, sejam ou não militantes revolucionários, desempenhem ou não responsabilidades administrativas ou políticas, o direito da cidadania de estar devidamente informada sobre qualquer assunto de interesse social, que asegurem que não haja temas tabu, que não se oculte informação para evadir responsabilidades, que não se desinforme, que não se confunda, que haja veracidade no que se publica, que exista transparência, sempre dentro das normas legais e da ética profissional.

Nossos meios de comunicação social necessitam dessas normativas jurídicas para, ainda em meio das constantes ameaças e golpes baixos do Estado imperialista estadunidense e das trasnacionais, em particular as dos meios de comunicação, assim como de outros poderes nortecêntricos econômicos, políticos ou militares, conquistar toda a democracia possível.

Nessa direção, a sociedade cubana ainda tem muito o que fazer.

É dever do Estado socialista cubano empoderar de modo ascendente a sociedade, o que inclui também os meios de comunicação, a atividade de comunicação.

Esse empoderamento não pode consistir em nenhuma hipótese, seja no caso dos meios de comunicação social, de uma empresa, um hospital ou uma organização social etc., na geração de entes que se resumam a si mesmos, que não tenham responsabilidade para com a sociedade, o que terminaria em um tipo de privatização dentro do esquema da propriedade social e com uma atuação que contribuiria para afastar-se da lei.

Do mesmo modo que a sociedade cuida de sua economia com o fundamento do predomínio da propriedade social e da legalidade que a ampara, enquanto coexistem formas cooperativas e privadas que operam dentro da lei, o mesmo é preciso fazer com a comunicação social.

O desafio

A sociedade cubana mantém a oportunidade de desenvolver um modelo de comunicação social amplo, flexível, participativo e socialmente responsável em que caibam formas não estatais de gestão dos meios de comunicação, junto aos meios gestionados estatalmente, mas uns e outros dentro da lei, todos – sejam meios tradicionais ou digitais -, se têm sua sede no território nacional, têm que sujeitar-se às leis cubanas.

O crescente desenvolvimento e a ampliação das novas tecnologias de informação e comunicação multiplicaram os espaços informativos, surgiram blogs, jornais digitais, páginas Web, espaços nos quais indivíduos e grupos de indivíduos tratam os mais diversos temas. Sendo isso gerado em Cuba, é dever e obrigação respeitar a lei. Cabe ao Estado a obrigação de assegurar que todos a observem.

Esse papel do Estado de nenhuma maneira o converte em “absolutista”. Cumprir esse mandato é simplesmente atuar dentro da lei e evitar que em nome da liberdade de expressão e de critério se descumpra o consensuado socialmente e estabelecido legalmente.

A carência de normativas legais específicas que regulem a comunicação social, em sintonia com os novos tempos, atualizadas em face das novas realidades, socialmente consensuadas e devidamente aprovadas pelas estruturas autorizadas de nossa institucionalidade dá lugar ao oportunismo e à especulação, mas tampouco contribuem para eliminar os freios a uma comunicação em sintonia com as necessidades sociais e as novas realidades aqueles que não estão em condições de mudar sua mentalidade.

Essas normas são hoje mais do que nunca necessárias.

São elas que regularão não só a atuação dos meios de comunicação social tradicionais ou digitais, mas também a própria atuação dos organismos do Estado e a atuação do Partido, evitando o secretismo, a corrupção informativa, a subestimação do público e dos comunicadores, o abuso de poder, o vício de censurar tudo o que seja de difícil compreensão ou expresse um conflito real da sociedade, como se com sua ocultação isso ficasse resolvido ou simplesmente não existisse.

Como ocorre com qualquer outro tema social, é óbvio que as normas não bastam, é necessário que haja vontade e bom critério. Cabe ao partido um papel ativo, eficiente, para impulsionar essa mudança imprescindível na sociedade cubana para o qual estão preparados os jornalistas cubanos e o povo cubano. E estão preparados precisamente como resultado da atividade educativa, formativa e orientadora da revolução socialista.

A lentidão no enfrentamento da nova realidade somente aprofunda a contradição entre as necessidades informativas e comunicacionais da sociedade cubana atual e a falta de resposta política a essas necessidades.

Povo, meios de comunicação, jornalistas, comunicadores, Estado revolucionário e partido, todos unidos em um diálogo franco, crítico e autocrítico sobre o tema da comunicação social, procurando um entendimento que corresponda eficazmente a nossa realidade e que não abra fissuras por onde penetre o oportunismo nem a intenção avessa de dividir, de fragmentar, de lesionar a coesão sociopolítica da sociedade cubana, imprescindível precisamente para corrigir nossas carências.

Considerar o Estado e o governo revolucionário entes dos quais há que diferenciar-se por definição, é uma atitude que longe de coesionar, divide. A relação da sociedade civil com o Estado, se se considera algo que deve ser “alternativo”, implica que algumas vezes o assunto é “do Estado”, outras “da Sociedad Civil”, nunca de ambos. De modo algum isso implica, nem pode implicar, que seja necessário ver as coisas do mesmo modo, atuar do mesmo modo, pensar do mesmo modo; a diferença e a dissidência são naturais em qualquer sociedade humana, mas não se deve simplesmente desunir-se a priori.

O Partido Comunista de Cuba generalizou um debate nacional que o inclui não só como sujeito, mas também como objeto, como tema a discutir. Essa discussão, para que seja construtiva, deve partir de pressupostos verazes. Neste chamado à análise de nossa realidade não se apresentou outra condição do que a de maior liberdade de opinião e de palavra, o elementar decoro e a honestidade. Ao não pôr nenhuma condição, tampouco pede incondicionalidade. Discutir sobre incondicionalidade seria um falso problema, um desvio dos conteúdos verdadeiramente substantivos que a sociedade cubana deve enfrentar e resolver em benefício de todos.

A tarefa de conquistar toda a democracia possível exige de todos uma mudança de mentalidade. Nem todos os cidadãos, militantes ou não, dirigentes políticos ou não, quadros administrativos ou trabalhadores em geral, desenvolveram as qualidades de tolerância, reconhecimento da opinião diferente ou contrária, reconhecimento dos direitos. Ainda é necessária muita crítica e autocrítica em nossa sociedade. As ideias continuam jogando seu papel junto com os acontecimentos, a batalha por uma melhor economia para um país melhor marcha ao lado da batalha ideológica.

Neste debate se está pondo à prova novamente o reconhecimento do partido na sociedade cubana e sua capacidade autocrítica. A sociedade cubana espera não só o reconhecimento de erros e deficiências, mas junto com isso e na sequência respostas revolucionárias, eficientes para superá-los.

O momento atual, no qual nos batemos uma vez mais por nossa soberania e independência nacional, no qual está em marcha uma guerra de símbolos e o fantasma do retrocesso social e político bate às nossas portas pelas mãos do mesmo imperialismo do qual a revolução de janeiro de 1959 nos libertou, é necessária e urgente uma ação revolucionária que ponha nossa comunicação social, junto com o povo trabalhador, nossa intelectualidade, em particular o jornalismo revolucionário, patriótico, anti-imperialista, contra-hegemônico, socialista, na vanguarda da batalha de ideias. Não há espaço nem tempo para permitir-nos a lentidão nem para pôr em dúvida o imperativo de uma mudança de fundo, com ordem e inteligência, no terreno da comunicação social.

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