Opinião

Manlio Dinucci: As cadeias do “ancoradouro” dos Estados Unidos na Itália

24/04/2017

Jornais e telejornais deram pouco destaque ao encontro entre o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump e o primeiro-ministro italiano, Paolo Gentiloni. Mas foi um encontro muito mais que formal.

Por Manlio Dinucci (*)

Para Gentiloni se tratava de dissipar as sombras sobre o posicionamento do seu governo para com o  novo presidente dos Estados Unidos, deixadas pelo apoio aberto do governo Renzi (no qual Gentiloni era ministro das Relações Exteriores) a Obama e a [Hillary] Clinton contra Trump nas eleições presidenciais.

Gentiloni se saiu muito bem, reafirmando, independentemente de quem esteja na Casa Branca,  o “ancoradouro histórico” da Itália aos Etados Unidos, “pilastra da nossa política externa”.

O presidente Trump fez mérito à Itália, recordando que “mais de 30 mil militares americanos e seus familiares estão acantonados através de todo o vosso país” e que a Itália, depois dos EUA , “é o segundo maior fornecedor de tropas nos conflitos no Iraque e no Afeganistão”.

A contribuição italiana é na realidade maior do que a reconhecida por Trump. É o que demonstra a crescente quantidade de armas enviadas ao Oriente Médio da base dos EUA/Otan na Itália, oficialmente para a guerra ao terrorismo.

Tais expedições são rastreáveis seguindo o percurso de determinados navios: por exemplo, o cargueiro “Excellent” (ostentando a bandeira de Malta, mas com tripulação italiana), contratado pelo Ministério da Defesa, partiu em 19 de abril de Piombino depois de ter embarcado uma grande quantidade de blindados Lince e armas; fez escala dois dias depois em Augusta, ponto estratégico para reabastecimento de combustíveis e munição, dirigindo-se então através do Canal de Suez ao porto de Gedda na Arábia Saudita.

Aqui já tinha chegado em 9 de abril o navio estadunidense “Liberty Passion” proveniente de Livorno, abrindo um regular serviço mensal para o  transporte de armas da base dos EUA de Camp Darby ao Oriente Médio para as guerras na Síria, no Iraque e no Iêmen.

Na coletiva de imprensa com Trump, Gentiloni disse que “a Itália não está envolvida nas operações militares na Síria, exceto por aspectos marginais”. Que o papel da Itália seja nada mais que marginal, o demonstra o ataque com mísseis ordenado pelo presidente Trump contra a base síria de Shayrat: a operação bélica foi efetuada por dois navios da Sexta Frota com base em Gaeta, sob o comando da força  naval dos EUA na Europa com quartel general em Nápoles-Capodichino, e foi apoiada pelas bases dos EUA de Sigonella e Niscemi na Sicília, flanqueada pela de Augusta.

Trump também agradeceu a Gentiloni pela “liderança na estabilização da Líbia” onde, como detalhou, os EUA não têm a intenção de intervir, estando empenhados em tantas frentes. Em outras palavras, confirmou que a Itália tem o encargo, na Aliança sob comando dos EUA, de pôr os pés na areia movediça líbia, provocadas pela guerra da Otan de 2011.

Gentiloni disse estar “orgulhoso da contribuição que damos, nós, italianos, à segurança da Aliança em tantas áreas do mundo”. Inclusive a região báltica para onde a Itália envia forças militares com finalidades anti-Rússia, mesmo considerando “util o  diálogo com a Rússia, sem renunciar à nossa força e aos nossos valores”.

Gentiloni também se disse “orgulhoso da contribuição financeira da Itália à segurança da Aliança”, garantindo que, “não obstante certos limites do equilíbrio a Itália respeitará o compromisso assumido”, insistentemente recordado por Trump: elevar a despesa militar a 2% do PIB, ou seja, de 63 milhões de euros por dia conforme declarou Pinotti (além de outras despesas militares fora do orçamento) a 100 milhões de euros por dia. Nós , italianos, mantemos sempre os compromissos assumidos”, disse Gentiloni a Trump com uma ponta de orgulho nacional.

(*) Manlio Diunucci é jornalista e geógrafo; publicado em Il Manifesto; tradução de José Reinaldo Carvalho para Resistência

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