Opinião

O conceito leninista de “esquerdismo” e seu uso deturpado

31/01/2017

Virou moda na política acusar de “esquerdistas” quem tem posições contrárias. Além da intolerância com o pensamento divergente, – “a liberdade é sempre a liberdade de quem pensa de modo diferente”, já dizia Rosa Luxemburgo[1] em 1918 – demonstra desconhecimento, distorção ou banalização do conceito leninista de “esquerdismo”.

Por Penélope Toledo*

Contexto político-histórico-social diferente do Brasil de 2016 e 2017

O conceito é desenvolvido por Lênin no livro “Esquerdismo: doença infantil do comunismo”[2], escrito em 1920, período pós-revolucionário e de construção da Terceira Internacional Comunista. Esta tinha como tônicas a consolidação das ideias da Revolução Russa de 1917 e a defesa do marxismo revolucionário frente às deformações oportunistas e revisionistas que marcaram a Segunda Internacional e a Segunda Internacional e Meia.

Portanto, um contexto político-histórico-social completamente diferente do Brasil de 2016, que vive um momento de golpe de Estado burguês – e declaradamente anticomunista – e de esvaziamento das lutas de massas.

Crítica ao boicote à atuação nos sindicatos reacionários e no parlamento burguês

As duras críticas de Lênin se dirigem às/aos comunistas “de esquerda” russas/os, estadunidenses e, principalmente, europeias/eus, que propunham o boicote à atuação nos sindicatos reacionários e no parlamento burguês. Ele critica tais tendências esquerdistas, que em alguns casos chegavam a flertar com o anarcossindicalismo, em países como Inglaterra, França, Alemanha e Holanda da primeira metade do século 20.

Sobre os sindicatos reacionários, Lênin explica que não atuar neles é abandonar as massas à influência da burguesia e que “a tarefa dos comunistas consiste em saber convencer (grifos do autor) os elementos atrasados, saber atuar entre eles, e não em isolar-se”. Diz, também, que esta ação deve transformar a greve econômica em greve política e a greve política em insurreição.

Lênin defende a atuação no parlamento burguês, porque as massas o reconhecem e o partido da classe tem que ser conduzido como o partido da massa, em vez de viver à sua margem. Além disto, permite que se use as tribunas parlamentares para popularizar as palavras de ordem revolucionárias entre o povo e demonstrar-lhe por que o parlamento tem que ser dissolvido.

Lênin usa como exemplo os bolcheviques, que participaram da Assembleia Constituinte em setembro-novembro de 1917, mesmo com a Revolução.

Como a polêmica sobre atuar em sindicatos e no parlamento burguês no Brasil de 2016 é superada, as críticas leninistas não se aplicam. Nossas/os comunistas estão nos sindicatos e dirigem a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), e têm representantes no Senado, Câmara dos Deputados, Assembleia Legislativa e Câmaras dos Vereadores. Atuam até no Poder Executivo dos estados e municípios.

E vale ressaltar que Lênin fala sobre participar dos sindicatos e usar as tribunas parlamentares de modo comunista, “assentada na estreita vinculação a uma estratégia revolucionária de tomada de poder”, como explica Ronaldo Coutinho na introdução do livro.

As ideias de Lênin não são “receitas aplicáveis a qualquer caso”

Além da diferença dos contextos político-histórico-social e da crítica referir-se à atuação nos sindicatos reacionários e no parlamento burguês, as ideias de Lênin não são “receitas aplicáveis a qualquer caso”, conforme adverte Lukács[3]. “Suas ‘verdades’ brotam da análise concreta da situação concreta com ajuda da concepção dialética da história”.

Alguns conceitos evidentemente são universais, mas há que se aplicar o que tem de universalmente aplicável, levando em conta a situação objetiva e a unificando ao conhecimento da tendência geral, isto é, teoria e prática.

Portanto, qualquer comparação com o Brasil de 2016 e 2017 tem que necessariamente ser feita à luz de um golpe de Estado burguês e da compreensão de que por isto, trata-se de um momento político extraordinário e não corriqueiro.

Os bolcheviques, por exemplo, em 1905, boicotaram a Duma consultiva convocada pelo czar e com isto conseguiram impedir a sua convocação, sendo esta liquidada pela revolução de outubro do mesmo ano.

A necessidade do estudo teórico e da formação político-ideológica

Para quem já leu a obra, vale a pena revisitá-la, pois é importante este reencontro permanente com as ideias e conceitos leninistas. Para quem não leu, é uma leitura indispensável às/aos comunistas, pois formam a sua base ideológica e salvo as particularidades contextuais, são ideias muito atuais.

Há de se reforçar a necessidade do estudo teórico e da formação político-ideológica. Marx passou a sua vida inteira estudando a economia inglesa, a filosofia alemã e o socialismo utópico francês, que formam a base de seu pensamento político.

Lênin também falou sobre isto: “Sem teoria revolucionária, não há movimento revolucionário. Nunca será demasiado insistir nessa ideia”[4].

[1] LUXEMBURGO, Rosa. p. 205-206. “A Revolução Russa” in LOUREIRO, Isabel Rosa Luxemburgo, textos escolhidos, vol. 2. São Paulo: UNESP, 2011.

[2] LENIN, Vladimir Ilitch. Esquerdismo: doença infantil do comunismo. 1 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2014. 176 p.

[3] LUCKÁS, György. p. 97. Lenin: um estudo sobre a unidade de seu pensamento. São Paulo: Boitempo, 2012. 

[4] LENIN, Vladimir Ilitch. P. 81. Que Fazer? São Paulo: Expressão Popular, 2010.

* Jornalista, militante do PCdoB no Rio de Janeiro

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