Opinião

O lado escuro dos Capacetes Brancos

11/05/2017

Com o aval de ter motivado um documentário, que foi premiado na última edição do Oscar, Os Capacetes Brancos da Síria, autodenominados agora de Defesa Civil daquele país, estão no lugar certo onde querem que estejam seus promotores: ser o rosto de uma suposta força “independente” do governo, sem que apareçam as mãos daqueles atores que estão interessados em desmembrar essa nação árabe.

Por István Ojeda Bello

Não se trata de atacar os cineastas ou seus avaliadores, os quais poderiam estar tão desinformados como o resto da opinião pública, mas se estaria repetindo a estratégia recorrente dos centros de poder global, que na tentativa de destruir seus inimigos, fazem-no, também, a partir de tirar a legitimidade de suas instituições.

Estamos satisfeitos de que nossos sacrifícios tenham sido vistos e o sofrimento do nosso povo tenha sido capaz de atingir muitas pessoas ao redor do mundo”, disse com voz trêmula Abdel Rahman Hassan, um dos representantes dos Capacetes Brancos quando soube do prêmio ao curta de 40 minutos, dirigido por Orlando von Einsiedel e apresentado pela cadeia de materiais audiovisuais pela Internet, Netflix.

Ajudar aqueles em necessidade é uma causa justa. No entanto, existem alguns dados que lançam dúvidas sobre as verdadeiras intenções daqueles que criaram ou apoiaram os Capacetes Brancos na Síria, ainda mais quando se sabe que o conflito armado está sendo resolvido com intensidade semelhante tanto no teatro de operações militares quanto no espaço da mídia.

Sem nenhum tipo de ligação com uma instituição homônima adstrita ao Ministério das Relações Exteriores da Argentina, que fornece assistência humanitária em dezenas de países, estes novos Capacetes Brancos foram fundados, em 2013, na Turquia, por James Le Mesurier, um ex-oficial do exército britânico que, depois de servir na Irlanda do Norte, Kosovo e na Bósnia, passou a trabalhar em organizações humanitárias das Nações Unidas, da União Europeia e do Ministério das Relações Exteriores de seu país. Depois, optou pelo setor privado, colocando-se às ordens de várias empresas de segurança nos Estados Unidos e no Golfo Pérsico, algumas delas com fortes ligações com a antiga Blackwater, indicada como responsável por todos os tipos de torturas e assassinatos no Iraque, após a ocupação das tropas dos EUA, em 2003.

Várias fontes apontam para a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) como o principal financiador dos Capacetes Brancos sírios, com contribuições de pelo menos US$ 23 milhões, ao qual se acrescentam contribuições adicionais provenientes do Reino Unido e da Dinamarca. Tudo isso não teria nada de errado se o desempenho dos beneficiários in loco não fosse contraditório com seu discurso.

Eles dizem serem imparciais, mas até agora só foram vistos agindo em áreas controladas por grupos como a Frente Al-Nusra, ligada à Al Qaeda. Na verdade, eles parecem mais preocupados em mostrar as baixas civis atribuídas ao Exército Árabe da Síria que os óbvios impactos devastadores, provocados em ambos os lados por uma guerra com duração de mais de seis anos.

Outros analistas questionam, e com razão, a verdade de suas ações, pois detectaram sinais claros de montagens nos supostos vídeos difundidos acerca das suas supostas ações de salvamento. A organização Médicos Suecos pelos Direitos Humanos (Swedhr) advertiu que eram falsos os procedimentos observados em um audiovisual tornado público pelos Capacetes Brancos em que, aparentemente, lutavam pela vida de uma criança, após ataques químicos atribuídos, sem provas, às autoridades de Damasco.

A seringa utilizada para a injeção no coração e que foi mostrada no corpo da criança morta estava vazia ou seu conteúdo nunca foi injetado” concluiu o estudo encomendado pelos peritos europeus. Depois de tornar público seu relatório, os diretores da Swedhr denunciaram que foram ameaçados.

Embora tencionem ser o rosto da Defesa Civil no Iraque, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), pela boca de Marianne Gasser, chefa de sua delegação na Síria, disse recentemente: “Nós não temos nenhum contato com os Capacetes Brancos, não lhes damos apoio”. Duas instituições, como a Cruz Vermelha e a Lua Vermelha dizem que provavelmente teria sido a infraestrutura da Defesa Civil do governo existente na cidade de Aleppo, ao ser ocupada por grupos terroristas, a que serviu como base logística inicial para estes capacetes.

Seu currículo pacifista foi posto em causa novamente quando o Departamento de Estado dos EUA não pode dar uma resposta convincente, quando se soube sua negação do visto, ao supor uma ameaça para a segurança do país, a Faoruq Habiela, face visível deste grupo, embora, como dissemos, Washington é seu principal financiador.

Talvez a Academia das Artes e as Ciências Cinematográficas dos EUA tentasse perturbar a administração Trump, honrando aqueles que não puderam comparecer à cerimônia, por causa de ordens executivas presidenciais que vetaram a entrada ao país de cidadãos sírios. No entanto, rindo ou não, fizeram um favor explícito aos inimigos das autoridades estabelecidas em Damasco.

Os que promovem a mudança de regime na Síria operam com forte ênfase no campo dos significados e das conotações, apresentando agora ao mundo uma organização autoproclamada “imparcial” que apela aos sentimentos mais universais, como a compaixão. Eles, premeditadamente, escondem seus objetivos e, ao mesmo tempo, infringem um dano adicional aos interessados em ajudar o povo sírio, além de suas inclinações políticas. Inclusive, deram argumentos àqueles que pretendem derrubar governos e, incidentalmente, poluem o conceito do que é alternativo, que não significa necessariamente ser anti-Estado.

Fonte: Granma

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