Opinião

O poder político das armas

06/10/2018

Por Manlio Dinucci (*)

Mercados e União Europeia em alarme, oposição no ataque, apelo do presidente da República à Constituição, porque a manobra financeira anunciada pelo governo comportaria um défice de cerca de 27 bilhões de euros.

Contudo, é absoluto o silêncio, tanto no governo como na oposição, sobre o fato de que a Itália gasta por ano uma soma parecida com objetivos militares. A despesa militar de 2018 é de cerca de 25 bilhões de euros, aos quais se somam outras rubricas de caráter militar, elevando-a a mais de 27 bilhões de euros. São mais de 70 milhões de euros por dia, em aumento, porque a Itália se comprometeu na Otan a elevar o gasto militar a cerca de 100 milhões diários.

Por que ninguém põe em discussão o crescente desembolso do dinheiro público para as armas, as forças armadas e as intervenções militares? Porque isto significaria opor-se aos Estados Unidos, o “aliado privilegiado” (ou seja, dominante), que exige um contínuo aumento da despesa militar.

O gasto militar estadunidense para o ano fiscal de 2019 (começado em 1° de outubro de 2018) supera os 700 bilhões de dólares, aos quais se somam outras rubricas de caráter militar, incluindo quase 200 bilhões para os militares da reserva. O gasto militar total dos Estados Unidos é, assim, de mais de um trilhão de dólares por ano, ou seja um quarto da despesa federal.

Um crescente investimento na guerra, que permite aos Estados Unidos (segundo a motivação oficial do Pentágono) “permanecer como a principal potência militar do mundo, assegurar que a relação de forças mantenha-se a nosso favor e fazer avançar uma ordem internacional que favoreça ao máximo a nossa prosperidade”.

Porém, a despesa militar provocará no orçamento federal, no ano fiscal de 2019, um défice de quase um trilhão. Isto fará aumentar ulteriormente a dívida do governo federal dos EUA, atingindo cerca de 21,5 trilhões de dólares.

Isto se reflete no plano interno em cortes no gasto social e, no exterior, na impressão de dólar, usado como a principal moeda de reserva mundial de divisas e referência para a cotação das matérias primas.

Enquanto isso, alguns ganham com as crescentes despesas militares. São os gigantes da indústria bélica. Entre os dez maiores produtores mundiais de armamentos, seis são estadunidenses: Lockheed Martin, Boeing, Raytheon Company, Northrop Grumman, General Dynamics, L3 Technologies. Em seguida, vêm a britânica BAE Systems, a franco-holandesa Airbus, a italiana Leonardo (ex-Finmeccanica) em nono lugar e a francesa Thales.

Não são apenas gigantescas empresas produtoras de armamentos. Essas empresas formam o complexo militar-industrial, estreitamente integrado com instituições e partidos, em um enorme e profundo entrelaçamento de interesses. Isto cria um verdadeiro establishment das armas, cujos lucros e poder crescem na medida em que aumentam as tensões e guerras.

A empresa Leonardo, que obtém 85% da sua receita da venda de armas, está integrada no complexo militar-industrial estadunidense: fornece produtos e serviços não só às forças armadas e às empresas do Pentágono, mas também às agências de inteligência, enquanto na Itália gere a planta de Cameri dos caças F-35 da Lockheed Martin.

Em setembro a Leonardo foi escolhida pelo Pentágono, com a Boeing como primeira contratada, para fornecer à Força Aérea dos EUA o helicóptero de ataque AW139.

Em agosto, a Fincantieri (controlada pela sociedade financeira do Ministério da Economia e das Finanças) entregou à Marinha dos EUA, com a Lockheed Martin, mais dois navios de combate no litoral.

Tudo isto deve ser levado em conta quando se pergunta por que, nos órgãos parlamentares e institucionais italianos, há um esmagador consenso multipartidário sobre não cortar mas, pelo contrário, aumentar a despesa militar.

(*) Jornalista e geógrafo. Artigo publicado originalmente em Il Manifesto. Tradução de José Reinaldo Carvalho para Resistência

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