Imperialismo

Por que os EUA querem controlar a todo custo a base de Alcântara

14/08/2018

O secretário de Defesa dos Estados Unidos, James Mattis, escolheu o Brasil como o destino inicial de seu primeiro giro pela América do Sul. Entre os temas de sua agenda se encontra a participação de seu país na base aeroespacial de Alcântara, de grande valor estratégico. Conheça as intenções ocultas do Pentágono por trás desta suposta cooperação.

A base de Alcântara, onde opera a Agência Espacial Brasileira, é a única infraestrutura de lançamento de foguetes sob controle de um país soberano da América do Sul. A outra é a de Kourou, na Guiana Francesa, de vital importância para a Agência Espacial Europeia.

Ambas se situam nas proximidades da linha do Equador, o que permite aumentar a efetividade dos lançamentos e economizar combustível. Casualmente ou não, a presença de Mattis no Brasil ocorre horas antes do anúncio do presidente Donald Trump sobre a criação da Força Espacial, um novo ramo da Defesa dos Estados Unidos que começará a operar em 2020, supostamente para proteger-se de ameaças da Rússia e da China.

“Escolhemos o Brasil, não porque devido a um feliz acidente geográfico se encontra na linha do Equador mas porque queremos trabalhar com os brasileiros, nosso vizinho hemisférico com o qual compartilhamos valores políticos, além de sua impressionante orientação tecnológica”, disse, de acordo com a agência AP, o titular do Pentágono em entrevista coletiva depois de sua reunião com seu par brasileiro.

Não é a primeira vez que Washington finca suas garras sobre este ponto do estado do Maranhão, dois graus ao sul do paralelo 0º, como recordou em diálogo com Sputnik José Reinaldo Carvalho, diretor do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz) e editor do portal Resistencia.cc.

“Durante o período do governo antinacional do ex- presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), a base de Alcântara ficou à disposição dos EUA, situação que foi revertida depois nos períodos de governos progresistas no país, primeiro sob a liderança de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011) e depois con Dilma Rousseff (2011-2016)”, disse.

À luz deste precedente, não surpreende que o Pentágono insista com estes planos de caráter “neocolonial e neoimperial”, disse José Reinaldo Carvalho. Ante as aspirações dos EUA de “dominar” a América Latina e o mundo nos campos comercial e militar, “os patriotas brasileiros têm que rechaçar ” o controle estadunidense da base de Alcántara “em nome dos interesses nacionais”, enfatizou.

Em Alcântara se joga muito mais que uma base aeroespacial, como deixa claro em um artigo publicado no sítio Brasil de Fato o diplomata Samuel Pinheiro Guimarães Neto, ex-ministro de Assuntos Estratégicos do Brasil (2009-2010) e antigo alto representante do Mercosul (2011-2012).

“O objetivo principal norte-americano é ter uma base militar no território brasileiro na qual exerçam sua soberania, fora do alcance das leis e da vigilância das autoridades brasileiras, inclusive militares, e onde possam desenvolver todo tipo de atividade militar”, afirma Samuel Piunheiro Guimarães Neto, também secretário geral das Relações Exteriores de 2003 a 2009.

O diplomata sublinha que sob o controle do Pentágono existem cerca de “700 bases militares terrestres”, em muitas das quais há “armas nucleares e sistemas de espionagem”. Além disso, o deslocamento de navios e submarinos pelo planeta aumenta a quantidade de locais a serviço de Washington.

Do ponto de vista dos lançamentos espaciais, os EUA têm “bases de lançamento de foguetes em seu território nacional”, com equipamentos “sofisticados”. Por isso, segundo Samuel Pinheiro Guimarães, não necessita das instalações “em Alcântara para o lançamento de seus foguetes”.

“A localização de Alcântara, no Nordeste brasileiro, em frente à África Ocidental, é ideal para os Estados Unidos desde o ângulo de suas operações político-militares na América do Sul e na África, assim como de sua estratégia mundial de confrontação com a Rússia e a China”, aponta o diplomata.

Um dos objetivos de um controle estadunidense de Alcântara seria também “impedir que o Brasil tenha uma base competitiva de lançamento de foguetes” e operar à margem do escrutínio das autoridades locais. Para o diplomata, a utilização de Alcântara por parte dos EUA “configura o caso mais flagrante de cessão de soberania da história do Brasil”.

Se isto ocorrer, o governo de Michel Temer segue em sua linha de “atender todas as reivindicações históricas” dos EUA ao Brasil não só em política externa, mas também na aplicação de medidas neoliberais no interior do país e a privatização de recursos estratégicos para o país, como a estatal energética Petrobrás.

“Se os Estados Unidos conseguirem instalar-se em Alcântara, dali não sairão, pois poderão ‘controlar’ o Brasil, ‘alinhando’ de fato e definitivamente sua política externa e fechando qualquer possibilidade de exercício de uma política externa independente”, conclui Samuel Pinheiro Guimarães Neto.

Segundo o portal AmerSur, dentro da política de desenvolvimento aeroespacial do Brasil, o governo de Lula (2003-2011) freou os acordos de cooperação em Alcântara com os EUA e assinou acordos em 2003 com a Ucrânia que incluíam transferência de tecnologia. Contudo, Kiev os rescindiu quando se consolidou ali em 2014 “um governo pró-EUA”.

Outro assunto é a proximidade relativa do Maranhão com a Venezuela. Uma presença militar sob o controle do Pentágono poderia ser, segundo José Reinaldo Carvalho, um elemento a mais para “impedir que as forças democráticas e populares possam exercer seu poder em diferentes países latinoamericanos”. Caracas “ousou contrariar os interesses estadunidenses” e foi ameaçada com “intervenções” militares.

Mas, como apontou José Reinaldo Carvalho, a “cobiça” dos EUA para com o Brasil não se esgota em Alcântara. O dirigente do Cebrapaz mencionou a questão da Amazônia, cenário em 2017 de operações militares conjuntas entre Brasil, Peru, Colômbia e EUA. Foram as primeiras deste tipo na história, na região amazônica, “rica em recursos, biodiversidade e água”, cujo controle é “parte da ofensiva” de Washington.

“Penso que as forças armadas brasileiras, o exército brasileiro e os patriotas brasileiros não deveriam permitir que nosso país fique tão vulnerável a esta ofensiva estadunidense”, concluiu José Reinaldo Carvalho.

Resistência, com Sputnik

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