Opinião

República Popular Democrática da Coreia: Estado sitiado

05/04/2016

A península coreana, em sua longa história, sempre teve seu destino marcado pelo intervencionismo e por invasões.

A luta por uma Coreia soberana sofreu seus maiores reveses no século XX, onde as turbulências deste conturbado período marcaram profundamente a história da região.

Gaio Doria, para o Resistência*

O governo colonial japonês (1910-1945), em sua escalada imperialista, utilizou a Coreia como base para suprir a demanda japonesa de alimentos, commodities e trabalho e, em contrapartida, exportar/impor produtos de fabricação japonesa ao mercado coreano. Devido a sua localização estratégica, também serviu como base militar para as agressões japonesas no continente asiático. Apesar de muitos historiadores lembrarem que a Coreia foi industrializada neste período, este progresso não veio sem custo. Sustentar a expansão do imperialismo japonês custou caro ao povo coreano.

As escravas sexuais e o trabalho forçado de milhões de coreanos são alguns exemplos dos crimes perpetrados pelos japoneses durante o período de dominação. A exploração foi tão brutal que chegou a obrigar os coreanos a abandonar sua língua e religião. O ensino e uso obrigatório do japonês  foram introduzidos em conjunto com a prática de adotar nomes japoneses, numa clara tentativa de liquidar a nação coreana da face da terra.

Mesmo após a assinatura da rendição japonesa, os coreanos não se viram livres do intervencionismo. Seu país foi divido em dois – no paralelo 38 – pelas superpotências da época. Não demorou para que esta divisão se transformasse em um dos maiores conflitos do século XX. A Guerra da Coreia (1950-53), como ficou conhecida, terminou em um armistício que perdura até os dias atuais. Com base no estado de guerra e a suposta periculosidade da RPDC, os EUA justificam a manutenção da sua presença militar na península.

Não podemos cair na armadilha de resumir o debate sobre a questão coreana em quem exatamente iniciou o conflito de 1950. Pouco importa do ponto de vista político, há documentos que comprovavam que ambos os lados planejavam unificar o país via ação armada. O ponto crucial desta discussão é perceber e reconhecer que o povo coreano permanece dividido, com sua parte sul ocupada e dominada por uma potência estrangeira.

Qualquer análise honesta sobre a península coreana  deve levar em consideração o exposto acima. Posto isto, passemos a uma breve análise da situação atual da RPDC.

Desde o colapso do socialismo real, a RPDC tem sofrido constantemente o maior bloqueio econômico e as maiores provocações da história dos Estados modernos. Arriscamos argumentar que não há caso semelhante na história, nenhuma nação soberana foi submetida a tamanha pressão e agressão como a RPDC. As razões são várias, mas todas se concentram na natureza estratégica da região e no fato dos EUA terem ali, “perdido” sua primeira guerra após sua ascensão como potência.

Mesmo com todas as adversidades enfrentadas, a RPDC não só foi capaz de prover um padrão de vida mínimo aos seus cidadãos, mas também de produzir satélites e dominar os segredos da energia nuclear, as duas tecnologias mais estratégicas e mais bem guardadas pelos países capitalistas avançados.  E justamente por isto, incomoda tanto.

Os que tiverem oportunidade de visitar a Coreia Popular verão com seus próprios olhos a realidade concreta do país, observarão como seus habitantes tem uma vida modesta, porém confortável; como a indústria leve é bem desenvolvida e seus habitantes têm acesso a um consumo de bens  mínimos que muitas pessoas em países “livres e capitalistas” nem sequer sonham em ter.

O visitante intelectualmente honesto vai perceber e reconhecer que o país, mesmo sofrendo as pressões mais duras impostas a um Estado moderno, possui uma elevada capacidade industrial.  Trata-se de um feito digno do mais profundo respeito. Há muitos países “livres e capitalistas” que não conseguem chegar perto do nível industrial da RPDC.

Arriscamos dizer que nenhum país fez tanto, com tão pouco. Mas por que incomoda tanto? A resposta é óbvia:  o domínio da tecnologia de satélites e nuclear.

A importância da tecnologia de satélites no mundo atual é extrema, uma vez que a maioria dos meios de comunicação utilizam os satélites como meio de propagação de suas ondas. O GPS, rádio, previsão do tempo, observação do terreno são alguns dos muitos exemplos da aplicabilidade desta tecnologia. É algo tão importante que, para as grandes potências, um país que domina a tecnologia de lançamento de satélites é um país já “desenvolvido”.

A tecnologia nuclear, por sua vez, dispensa apresentações. A posse de armas de destruição em massa funciona – como historicamente comprovado – como uma arma de dissuasão. Os países que almejam possuir este armamento, o fazem para se proteger do único país que até hoje utilizou a arma, o país que já ameaçou diversos países com o uso da mesma, o país mais agressivo do mundo que desde sua fundação já invadiu militarmente dezenas de nações soberanas, os Estados Unidos da América.

O argumento utilizado de que a RPDC é um país violento e provocador não se sustenta na História. Cabe ressaltar que a Guerra da Coreia foi uma guerra civil que terminou internacionalizada pela conjuntura da época.

Os rotuladores da RPDC são o conjunto de países mais violentos e provocadores da história recente. Estes, se escondem atrás do rótulo de “comunidade internacional” para tocar sua agenda de interesses específicos disfarçados como interesses gerais.

Não por acaso são responsáveis por grande parte das desgraças humanas do século XX e XXI. Citemos, como exemplo recente,  as guerras no oriente médio e a consequente crise imigratória.

O absolutamente intolerável é um país que se declara socialista, anti-imperialista e soberano dominar tecnologias de ponta. Os verdadeiros agressores e provocadores do mundo nunca irão aceitar conviver com  a quebra do monopólio  das tecnologias capazes  de revolucionar as forças produtivas, de espionar e de destruir. A derrota imposta pela URSS e a China durante a Guerra Fria do século XX já serviram de dura lição para impedir que no futuro a história não se repita.

É por isso que a “paciência estratégica” acabou e as piores sanções da história estão sendo impostas a este país soberano. É por isso que o nível das provocações aumentaram e agora os exercícios militares dos EUA-Coréia do Sul ensaiam vividamente operações de “cortar a cabeça” ou “eliminar cirurgicamente” a liderança.

Não obstante, o eixo midiático acadêmico euro-estadunidense não economiza adjetivos pejorativos para categorizar a RPDC: Estado ermitão (hermit state),  reino ermitão (hermit kingdom), Estado fora da lei (rogue state), entre outros.

Contudo, o estudo honesto da história e da realidade da Coreia Popular revela que a condição de isolamento nunca foi um fator voluntário, mas uma imposição derivada da intransigência da “comunidade internacional” em aceitar qualquer modelo de desenvolvimento diferente dos padrões estabelecidos. O pragmatismo no qual a RPDC estabelece relações diplomáticas e aceita ajuda humanitária é testemunho da vontade deste país de se integrar com o resto do mundo.

Evidente que existem problemas dentro do país, mas estes perpassam bem longe da enxurrada de mentiras inventadas pelo ocidente. Problemas exógenos e endógenos à parte, de todas as formas, para os observadores imparciais, mesmo discordando de diversas características da realidade norte coreana,  a RPDC é uma prova viva de que é possível um mundo desenvolvido não capitalista e não americanizado.

Enquanto muitos demais países se curvam perante os poderosos interesses da “comunidade internacional” que tem como conduta base chutar a escada do desenvolvimento para os países pobres, a República Popular Democrática da Coréia mantém com uma intransigência heroica um projeto nacional anti-imperialista e independente.

Ninguém é obrigado a concordar com tudo que se passa na Coreia, mas só há um adjetivo para rotular corretamente a República Popular Democrática da Coréia: Estado sitiado (besieged state); um Estado cercado pelas forças mais agressivas e dominadoras da História contemporânea.

 * Gaio Doria é doutorando em Filosofia Marxista na China e visitou a República Popular Democrática da Coreia em fevereiro

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