Luta pela paz

Socorro Gomes: desafio é ligar as lutas concretas do povo com a causa da paz

18/11/2016
Foto: Mariana Serafini

Leia abaixo a íntegra do discurso de abertura da 4ª Assembleia Nacional do Cebrapaz, pronunciado por Socorro Gomes, nesta quinta-feira (17).

Queridos companheiros,

Queridas companheiras,

É com muita alegria e entusiasmo que saudamos os ativistas da paz que se deslocaram de todas as regiões do Brasil para participar da nossa 4ª Assembleia.

Nestes dias, em que realizaremos também a Assembleia Mundial da Paz e a Conferência Mundial da Paz, a cidade de São Luís receberá pessoas de todos os continentes, representantes de organizações e de povos de mais de 40 países, que lutam diariamente contra a guerra, a favor da justiça social e por um mundo de paz.

Esses companheiros e companheiras nos trarão, de forma vívida, as vozes dos homens e mulheres da Síria martirizada e das crianças da heróica Palestina. Ouviremos o brado do povo saarauí, expulso de sua terra há mais de 50 anos, o apelo pungente, em defesa da paz, que fazem os nossos irmãos colombianos, saberemos mais sobre a gesta do povo cubano em sua luta sem tréguas em defesa da sua independência e autodeterminação tão duramente conquistadas, enfim, teremos um mosaico dos dramas mais comoventes e das esperanças mais acalentadoras que marcam o nosso tempo, o que transformará São Luís, durante estes dias, na Capital Mundial da Paz.

Como forma singela de agradecimento e homenagem a esta linda cidade e ao seu generoso povo, peço para o Maranhão e para São Luís uma salva de palmas.

Não poderíamos deixar também de fazer uma menção especial ao grande amigo da luta pela paz mundial, que tão prontamente concordou em acolher a Assembleia do Cebrapaz e a Assembleia e a Conferência Mundial da Paz, o governador Flávio Dino.

Companheiras e companheiros, o Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz, o nosso Cebrapaz, completará no próximo dia 10 de dezembro 12 anos de existência.

Somos uma entidade ainda jovem, mas já respeitada e com vários serviços prestados à causa pacifista. Temos, no entanto, um largo caminho a percorrer visando fortalecer o Cebrapaz e contribuir para consolidar a bandeira da paz como parte integrante das lutas sociais no Brasil, coisa que infelizmente ainda está distante de acontecer.

Nosso desafio é o de ligar as lutas concretas do povo com a causa da paz, fazendo com que se amplie o número de ativistas desta frente.

Apesar de não ser esta uma tarefa simples, nem fácil, é plenamente factível.

O que acontece no cenário internacional afeta diretamente o dia-a-dia da população e principalmente dos trabalhadores. A fome, a injustiça, a opressão, a violência, atinge todos os povos do mundo em menor ou maior grau e as causas são, em essência, as mesmas.

Fazer com que isso seja do conhecimento geral, e que as pessoas se mobilizem em torno da bandeira da paz mundial, exige um trabalho árduo, paciente e cotidiano de divulgação e esclarecimento.

O mundo enfrenta hoje graves ameaças à paz. A busca por consolidar, a ferro e fogo, a hegemonia geopolítica de uns poucos países ricos sobre o restante da humanidade, tem impacto direto na vida de milhões de pessoas ao redor do globo.

Um fenômeno indiscutível das últimas décadas é o aumento da agressividade do imperialismo.

Iraque, Somália, a antiga Iugoslávia, Afeganistão, Líbia, Síria, Iêmem, são infindáveis os exemplos de agressões que o imperialismo promove contra os povos e nações, seja diretamente, através de invasões e bombardeamento, seja através de mercenários e fundamentalistas pagos e treinados por países imperialistas.

Multiplicam-se as bases militares dos Estados Unidos e da Otan pelo planeta.

O orçamento do complexo industrial militar sobe a cada ano.

Como diz o “Documento Político para debate na 4ª Assembleia”, o capitalismo há muito tempo descobriu que a guerra é um negócio lucrativo.

Estimativas apontam que os gastos com armamentos representam entre 1% a 3% do PIB mundial.

Em 2015, um relatório divulgado pelo Instituto Internacional de Estocolmo de Pesquisas para a Paz (Sipri), registrou gastos na ordem de 1,7 trilhão de dólares com armas, o que representa 2,3% do PIB mundial.

Enquanto isso, dados da ONU apontam que 1 bilhão e 800 milhões de pessoas do nosso planeta passam fome ou estão desnutridas.

Hoje, 17 de novembro, durante este dia em que estamos aqui reunidos, 30 mil crianças ao redor do mundo irão morrer devido as consequências da fome e da desnutrição.

Ainda segundo estudo da ONU, seria preciso um investimento de 267 bilhões de dólares para erradicar a fome no mundo, ou seja, apenas 15,7% do que se gasta com armamentos.

O país que mais investe na indústria bélica é os Estados Unidos da América. Em 2016 o orçamento militar dos Estados Unidos foi de 665 bilhões de dólares.

Dados do próprio Pentágono revelam que este país mantêm 865 bases militares em cerca de 130 países, onde ficam estacionados 350 mil soldados, a um custo anual de 100 bilhões de dólares.

Na América Latina os Estados Unidos e a Otan mantêm bases militares em Curaçau, Guadalupe, Aruba, Belize, Barbados, Martinica, República Dominicana, Porto Rico, Haiti, Guantánamo, México, Honduras, El Salvador, Costa Rica, Panamá, Colômbia, Guiana Francesa, Suriname, Peru, Paraguai, nas Ilhas Malvinas argentinas e no Chile.

Todo este poderio visa garantir o domínio das fontes de energia fóssil e de outros recursos estratégicos, assegurar o controle das rotas marítimas e terrestres e ampliar a área de influência do imperialismo, em última análise, tudo isso esta a serviço das grandes multinacionais e do sistema financeiro internacional.

A guerra portanto é uma arma política, a serviço da dominação dos povos, do solapamento das soberanias nacionais e do aumento da exploração dos trabalhadores a serviço dos lucros exorbitantes de uma parcela cada vez mais rica e minoritária da população mundial.

As consequências são nefastas. Nos últimos anos, as guerras e agressões imperialistas no Oriente Médio e no continente africano fizeram com que mais de 65 milhões de pessoas tivessem que abandonar seus países em busca de refúgio. A maior parte dos refugiados tenta chegar à Europa, onde são vítimas, por um lado, da xenofobia, e por outro da ganância dos empresários que enxergam no desespero de milhares de pessoas uma boa oportunidade para se conseguir mão de obra barata. Mas muitos refugiados sequer chegam ao seu destino, pois morrem no caminho. Só nos primeiros meses deste ano já se registrava 2.500 refugiados mortos, a maioria afogados.

Na Palestina a opressão israelense intensifica-se. Em terras roubadas dos palestinos, Israel amplia assentamentos que reiteradas resoluções da ONU consideram ilegais. O governo sionista perpetra diariamente crimes que continuam impunes, sob o olhar complacente da comunidade internacional e a proteção ativa dos EUA. O Governo Obama renovou, há poucos meses, um acordo militar com Israel, comprometendo-se a fornecer ao Estado sionista ajuda de pelo menos 38 bilhões de dólares para compras de armamentos pelos próximos dez anos.

Ao drama dos refugiados e ao martírio palestino, junta-se a agressão contra a República Árabe da Síria, que resiste e luta contra hordas de mercenários e terroristas treinados e financiados pelos EUA, pela Otan, e pelas monarquias reacionárias árabes. Diversas estimativas apontam para cerca de 250 mil mortes nos cinco anos de conflito que devasta o país. Para a Síria, o imperialismo quer o mesmo destino que reservou ao Iraque e à Líbia, Estados destruídos, campo livre para as transnacionais do petróleo explorarem impunemente as riquezas naturais destas nações.

Todo o horror deste imenso número de mortos e refugiados não encontra a repercussão que merecia tal tragédia. A mídia comercial noticia sem dar destaque e distorcendo os fatos, certamente porque a consciência da imensa maioria da humanidade, caso se desse conta do que ocorre, se revoltaria e lutaria por mudanças urgentes no mundo.

Quando, por razões políticas, o imperialismo não pode recorrer à guerra aberta ou a agressão através de mercenários e terroristas, coloca em ação seu vasto arsenal de métodos de desestabilização de governos soberanos, visando derrocá-los, sempre com a ajuda valiosa de títeres locais.

Na América Latina temos acompanhado, nos últimos anos, diversos casos deste tipo.

Inaugurou-se a fase dos golpes chamados “brandos”, onde através da manipulação e controle de importantes parcelas do Estado e em conluio com a mídia empresarial, afastam-se governos com viés anti-imperialista, substituídos por personagens servis aos interesses hegemônicos dos EUA.

Além de mudar a orientação destes países no que tange à defesa das soberanias nacionais, os governos golpistas e conservadores intensificam a repressão ao movimento popular, recorrendo à violência policial e a manipulação judicial. Assim, em Honduras assassinam Berta Cáceres, na Argentina prendem a deputada do Parlamento do Mercosul, Milagro Sala, no Brasil enquanto a polícia ataca a tiros a Escola Nacional do MST, um juiz permite que sejam usadas técnicas de torturas em estudantes que protestam contra o governo.

Em nosso país, os interesses externos que sustentaram e financiaram o golpe contra a legítima presidenta Dilma Rousseff cobraram logo a fatura, e uma lei aprovada a toque de caixa abre caminho para que o pré-sal seja entregue às multinacionais estrangeiras.

Na Venezuela, no Equador, na Bolívia, em El Salvador, na Nicarágua, onde quer que exista um governo comprometido com a autodeterminação das nações e os direitos dos povos a uma vida pacífica e digna, o imperialismo investe com fúria desmedida.

A Venezuela, especialmente, vive momentos de grandes tensões. O presidente Nicolás Maduro aposta no diálogo, para que as divergências políticas sejam resolvidas de forma pacífica, no quadro do respeito à Constituição venezuelana, contando para isso com o apoio da Unasul, do Vaticano e de importantes personalidades internacionais. Mas a oposição parece cada vez mais decidida a levar a situação ao ponto da conflagração total, chegando a aprovar uma declaração do parlamento, de maioria conservadora, em que clama por uma intervenção externa.

A chancelaria brasileira, rompendo uma antiga tradição da diplomacia do nosso país, de não ingerência em assuntos internos de outras nações, assume explicitamente o lado da oposição golpista venezuelana, hostiliza abertamente o governo deste país amigo e conspira com outros governos conservadores, como os do Paraguai e o da Argentina, para atacar diplomaticamente a Venezuela, jogando lenha na fogueira do conflito interno.

Tudo isso lamentavelmente visa solapar o processo de integração latino-americana e caribenha, que vinha avançando com o fortalecimento do Mercosul e a criação de novos instrumentos multilaterais, como a Celac, a Unasul e a Alba.

Estes instrumentos reduziram sensivelmente a ingerência política dos Estados Unidos na região, país acostumado a tratar a América Latina e o Caribe como seu quintal, e por isso mesmo o processo de integração é alvo preferencial dos governos golpistas e conservadores que recentemente galgaram o poder executivo do Brasil, Argentina e Paraguai.

O isolamento dos Estados Unidos ajudou a isolar também a política estadunidense contra a República de Cuba, forçando o governo americano a fazer o que antes tinha jurado só ser impossível com a derrocada do regime cubano: retomar as relações diplomáticas. Recentemente Cuba alcançou outra vitória com a história votação na Assembleia Geral da ONU, no dia 26 de outubro, que, desta feita não teve nenhum voto contrário à resolução condenando o bloqueio que o país sofre há décadas. Mesmo os Estados Unidos, e seu Estado fantoche, Israel, se abstiveram.

Apesar disso, o bloqueio continua uma realidade. Como bem disse o chanceler cubano, Bruno Rodríguez, logo depois da votação, a abstenção americana foi “um passo positivo”, mas a política do bloqueio continua a ser um fato.

Afirmou Bruno Rodríguez na ocasião: “É necessário, portanto, julgar pelos fatos. O importante e concreto é a desmontagem do bloqueio, mais que os discursos, as declarações de imprensa ou inclusive o voto de uma delegação nesta sala”, disse.

Portanto, o bloqueio persiste causando graves prejuízo a Cuba, afetando o povo e violando as normas de convivência internacional entre as nações.

Cuba continua tendo parte do seu território, Guantánamo, usurpado pelos EUA que lá instalou e mantêm uma base militar. A solidariedade a Cuba continua sendo necessária e fundamental, pois mesmo que o bloqueio acabe por completo, os objetivos do imperialismo quanto a Cuba não mudam, o que mudam são os métodos.

Companheiros e companheiras, estamos vivendo uma forte ofensiva conservadora que coloca em risco também a histórica “Proclamação da América Latina e Caribe como zona de Paz”, feita em janeiro de 2014 por 33 chefes de Estado e de Governo de nações que integram a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac). Na proclamação, os países membros comprometem-se de forma permanente “com a solução pacífica de controvérsias a fim de eliminar para sempre o uso e a ameaça de uso da força em nossa região”.

Defender esta bandeira é fundamental para a paz na América Latina, pois o fundamento da proclamação é a não ingerência e a autodeterminação, conceitos que representam um obstáculo objetivo aos mercadores da guerra.

Neste sentido, queremos saudar o governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Farc, pelo acordo de paz que busca por fim a mais de 50 anos de guerra. Ressaltamos neste caso o papel da República de Cuba. Havana foi a sede dos diálogos pela Paz e o governo de Raúl Castro o principal incentivador para o sucesso das negociações, fato reconhecido tanto pelo governo colombiano quanto pelas Farc. Mesmo com a derrota do acordo, por pequena margem, no referendo realizado recentemente, o governo colombiano e as Farc permanecem decididos a trilhar o caminho da paz. Neste último sábado, Farc e governo colombiano assinaram novo acordo e caminham para concretizá-lo. Sua implementação tem como um dos pressupostos o combate sem tréguas aos paramilitares, verdadeiros esquadrões da morte que fizeram feroz campanha pelo “não” no referendo. Saudamos, do mesmo modo, o início das negociações entre o governo colombiano e o Exército de Libertação Nacional (ELN) que visam, a exemplo do que aconteceu com os diálogos com as Farc, construir um acordo que ponha fim ao conflito com esta força insurgente. Insistir no caminho da paz envolvendo cada vez mais o povo em sua discussão e formatação é o caminho seguro para isolar a extrema-direita colombiana, assassina e criminosa.

Companheiros e companheiras, como vimos, vivemos um período de  profunda instabilidade que traz perigos reais. Diante da crise econômica e do papel que assumem, na cena internacional, países como Rússia e China, que objetivamente colocam o mundo no caminho da multipolaridade, os EUA e seus aliados reagem aumentando as ameaças e chantagens.

Recrudescem fenômenos como o neofascismo e o neonazismo, e uma onda conservadora e belicista aprova propostas antipopulares e leva ao poder, inclusive pelo voto, representantes do que existe de mais atrasado e agressivo, muitas vezes de forma surpreendente. Quem previu, por exemplo, a vitória do não, no plebiscito sobre o acordo de paz na Colômbia?

A eleição de Donald Trump nos Estados Unidos é também característica dos tempos atuais. Milionário, egocêntrico, reacionário e xenófobo, reafirmou, depois de eleito, que pretende expulsar imediatamente dos Estados Unidos de dois a três milhões de imigrantes. Também prometeu instalar em Jerusalém a embaixada americana, atacando diretamente a ideia do Estado Palestino. Tanto assim que o ministro da Educação israelense, Naftali Bennett, afirmou que a ideia de criar um Estado palestino está superada, depois da vitória de Donald Trump nas eleições americanas, segundo ele “a era de um Estado palestino ficou para trás”.

Como dissemos no início, tudo o que acontece na conjunta internacional afeta diretamente nossas vidas.

A militância na solidariedade internacional e na luta pela paz é uma arma poderosa de mobilização. A pessoa que passa a militar neste campo e se dedica sinceramente à defesa da paz, acaba sendo levada a se confrontar com conceitos que hoje são distantes da esmagadora maioria da população. Quem controla a indústria armamentista? Quem lucra com a guerra? Quem defende de forma consequente a paz? Ao se deparar com estas questões, o nível de consciência política se expande e se chega a inevitável conclusão de que não existe paz sem justiça social e autodeterminação dos povos.

Neste documento político para debate na 4ª Assembleia, vocês têm um sintético plano de lutas e fortalecimento do nosso movimento.

Precisamos dar um salto na atuação de nossa entidade. A defesa da paz é uma bandeira ampla, necessária e capaz de aglutinar pessoas de várias ideologias em um movimento poderoso que derrote os senhores da guerra.

Esta é a principal missão do Cebrapaz. Somos uma entidade plural, patriótica e anti-imperialista, que coloca a bandeira da paz no centro de sua atuação, e que deve falar cada vez mais para o povo, atraindo para o ativismo pacifista, pessoas que de coração desejem contribuir para a causa.

Como dizia o grande poeta baiano – e aqui aproveito para saudar a maior delegação desta assembleia, a delegação da Bahia – mas como dizia Castro Alves: “Nem templos feitos de ossos / Nem gládios a cavar fossos / São degraus do progredir (…) / No pugilato tremendo / Quem sempre vence é o porvir”.

O porvir é nosso, companheiros, o imperialismo pode e será derrotado e construiremos juntos um mundo de paz!

Viva o Cebrapaz! Obrigada.

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