Entrevista

Socorro Gomes: Trump é um celerado dirigindo um Estado fora da lei

11/04/2017

Em entrevista concedida nesta segunda-feira (9) ao jornalista Humberto Alencar, do Portal Vermelho, a presidenta do Conselho Mundial da Paz (CMP), Socorro Gomes, fala sobre a recente agressão dos Estados Unidos à Síria, em 7 de abril, quando os estadunidenses atacaram uma base aérea no sudeste de Homs, com 59 mísseis Tomahawk, a pretexto de “punir” o país árabe por suposto uso de gás sarin contra civis no dia 4 de abril.

O presidente dos EUA, Donald Trump, autorizou pessoalmente a agressão contra a Síria. Trump, com isso, tenta se distanciar das críticas que vinha recebendo ao anunciar mudanças no Obamacare, o plano de saúde deixado por seu antecessor, Barack Obama, e também das acusações estapafúrdias de que a Rússia teria sido sua aliada na eleição, praticando hacking a seu favor?

SG: Fazendo uma analogia simples, Trump é um celerado dirigindo um Estado fora da lei. Ele é destemperado e tinha uma questão com o Obamacare e a investigação sobre a suposta influência russa na eleição, o que teoricamente causava sua impopularidade. No entanto, os EUA, independentemente de ser republicano ou democrata, tem já uma política externa definida, já tem determinado o que fazer no Oriente Médio, que é reconfigurar a região para que ela satisfaça seus planos. Nesse contexto, Síria e Irã são países que se configuram como um grande obstáculo.

SG: A Síria é atacada há 6 anos. Sabe-se que os EUA treinaram os terroristas, há já muito tempo. Membros da Al-Qaida, que atualmente, na Síria, utiliza outro nome, Al-Sham, assim como os membros do Estado Islâmico, não só foram fortalecidos e ajudados pelos EUA, foram treinados militarmente por eles, por meio de suas agências de inteligência e de seus militares.

Sobre o ataque com gás em 4 de abril, existem pretextos paralelos na história recente de agressões dos EUA contra outros povos. Os EUA tinham evitado agredir militarmente a Síria, em outras ocasiões, mas existe uma semelhança com o roteiro de agressões desenvolvido em outros países?

SG: Em 2014 as armas químicas que a Síria possuía foram destruídas, sob a supervisão da ONU. É importante ressaltar que estas armas foram destruídas em embarcações dos próprios Estados Unidos, em seguida à Rússia ter iniciado sua participação no processo que envolve o conflito na Síria, o que evitou naquele momento uma agressão por parte dos EUA. O pretexto, naquela época, foi um ataque com gás na região de Ghouta, depois provado não ter sido efetuado pelo exército árabe sírio.

O recente atentado, pelo que é veiculado na mídia, pode ter sido realizado com armas químicas trazidas de fora do país pelos terroristas que estão na Síria para derrubar Bashar al-Assad. O secretário-geral da ONU, António Guterres, declarou que o crime do dia 4 de abril deve ser investigado, para que se tomem providências posteriores.

É interessante lembrar o que aconteceu na Iugoslávia. Em 1999 puseram a culpa no país e no seu dirigente, Slobodan Milosevic, de agredir os albaneses na região de Kossovo, de praticar “limpeza étnica”. Milosevic foi preso e, durante seu julgamento, em Haia, veio a falecer. Recentemente o Tribunal Penal Internacional declarou que ele era inocente dos crimes que a ele teriam sido imputados. Ou seja, usaram uma mentira para agredir a então Iugoslávia.

Com o Iraque houve algo parecido. Em 2003, o então secretário de Estado dos EUA, Colin Powell, vai ao Conselho de Segurança da ONU para provar que Saddam Hussein ameaçava o mundo com suas armas de destruição em massa. O Iraque foi invadido e as tais armas jamais foram encontradas.

Uma nova mentira também foi criada para justificar a agressão à Líbia. Kadafi foi retirado do poder e depois assassinado porque, segundo os EUA e seus satélites, estava massacrando seu povo após manifestações em Bengazi.

O mesmo roteiro foi usado pouco tempo depois para se iniciar uma nova desestabilização no Oriente Médio, contra a Síria. Bashar al-Assad também foi acusado do mesmo crime e, depois que a Líbia caiu, os terroristas – apoiados por Arábia Saudita, Catar e Turquia – foram deslocados para o novo teatro de operações na Síria.

Ocorre que com a promessa de investir em armas, Trump possui vontade de mostrar força. Ele, e o famoso establishment, não abre mão de retirar Assad da chefia de governo da Síria.

Eles querem um domínio de largo espectro e, por isso, variam a tática. Neste momento, Trump quer melhorar a imagem interna, mas ele não se afasta, de modo algum da natureza opressora, guerreira e hegemônica do estado americano. Ele é e faz parte dessa natureza. Ao mesmo tempo, para o exterior, ele pretende demonstrar força, ameaçando nações como a Rússia, a China, a Coreia Popular e o Irã.

Essa agressão recente contra a Síria vai contra as leis e os princípios da ONU. Para existir, ela deveria ter sido autorizada pelo Conselho de Segurança, que sequer foi informado da operação. Quanto ao atentado com o uso do gás sarin, não houve nenhuma investigação, o que seria necessário para autorizar a agressão.

Houve um ataque covarde a uma nação soberana filiada às Nações Unidas. E isso será um dos motes que o Conselho Mundial da Paz vai utilizar nas manifestações que realizará, em maio, contra a Otan, durante convenção do pacto militar em Bruxelas.

Durante a campanha presidencial, Trump afirmou que iria reestudar os gastos militares, apontando para o aumento das despesas na área. Essa agressão é parte deste seu “reestudo”?

SG: Trump dizia que iria aumentar os gastos militares e a intenção é clara, vai dobrar os gastos porque não quer paz em lugar algum. É evidente que se preparava para a guerra. Isso está de acordo com os desígnios da política externa dos Estados Unidos. Não há novidade nisso.

A agressão beneficia os terroristas?

Se avaliarmos a operação bélica em si, não. Não, não foi decisiva. Pelas informações dadas pela Síria, menos da metade dos mísseis atingiu o alvo. Mas é terrível que, para que os EUA tivessem de lançar estes mísseis, fosse usado gás sarin, uma arma química contra civis, com o intuito de indignar a opinião pública, de colocar Assad contra a parede, mais uma vez, justo no momento em que a Síria estava infligindo uma grave derrota ao terrorismo.

É preciso que se faça uma investigação exaustiva do que ocorreu no dia 4 de abril, na região de Idlib. Deve ser acompanhada pela ONU e pelos envolvidos. É preciso garantir que o direito internacional determine o curso desse conflito, e que se defenda o princípio da autonomia dos povos. Somente o povo sírio é quem deve decidir quem governa o país. Não pode haver alguém, como a representante dos EUA no Conselho de Segurança, que diga que Assad precisa ser derrubado. Isso cabe apenas ao povo daquele país decidir, não aos EUA.

Os EUA têm mostrado ser um país decadente em todos os sentidos. Pode ser ainda forte pelo poder bélico e econômico, mas não tem nenhum compromisso com os direitos humanos nem com a paz. Quando usam essas bandeiras, o fazem para aviltar as outras nações, fazem de forma cínica.

Eles jamais tiveram qualquer preocupação com as mulheres e as crianças atingidas pelo fogo das armas. Prova disso são as dezenas de agressões que patrocinaram ao longo do século 20, como contra a Coreia, nos anos 1950, como contra o Vietnã, nos anos 1960-1970 e, mais recentemente, no Afeganistão, na Iugoslávia, no Iraque, na Líbia e na Síria.

Seus governantes mantêm e mantiveram distância abissal do que chamamos de direitos humanos. Pensam apenas em seu poder, no poder das oligarquias financeiras e das armas. Apesar disso, essa dominação não será eterna, embora os povos ainda sofram. É preciso denunciar as agressões e pressionar para que a ONU tome providências, de fato. É esse compromisso que o Conselho Mundial da Paz assume. Somos amplamente solidários aos povos agredidos.

Fonte: Portal Vermelho

 

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