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Tribunal de Haia inocenta Milosevic

12/08/2016
O ex-presidente Iugoslavo foi alvo, em 2001, de extradição forçada / Foto de Laura Joseph - Quotesgram.com

Slobodan Milosevic, ex-presidente da antiga Jugoslávia, foi inocentado de responsabilidades pelos crimes de genocídio de que foi acusado, pelo Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia (TPII), com sede em Haia. As considerações constam num relatório de 2.590 páginas, sobre Radovan Karadžić, ex-político sérvio, condenado a 40 anos de prisão em Março deste ano por causa do sucedido em Srebrenica.

O nome de Milosevic (1941-2006) aparece várias vezes ao longo do texto, cuja divulgação não mereceu qualquer declaração ou conferência de imprensa por parte do Tribunal, segundo o jornalista da RT, Neil Clark. Foi graças ao jornalista Andy Wilcoxson que este relatório passou a ser conhecido.

A acusação de genocídio e de crimes contra a humanidade na guerra da Bósnia, que ocorreu entre 1992 e 1995, inseriu-se numa forte campanha contra a República Federal da Iugoslávia. São exemplos desta campanha, entre outros, os bombardeamentos da Otan naquele país e a extradição forçada de Milosevic, em 2001, contra a vontade do então presidente Kostunica e a decisão do Tribunal Constitucional iugoslavo.

O TPII é um tribunal criado pelas Nações Unidas, em 1993, num contexto de forte campanha contra os líderes sérvios. Assumindo que a imparcialidade é um fator de suma importância, este Tribunal não julga, a título de exemplo, os bombardeamentos da Otan. Refira-se que os EUA não aceitam ser julgados por tribunais internacionais, pelo que não são formalmente acusados de crimes de guerra.

Os sites da RT, Telesur e Counter Punch citam passagens do relatório que comprovam que a relação entre Milosevic e Karadžić se começara a deteriorar em 1992, e que o primeiro criticava o segundo sobre a sua atuação na guerra.

O conteúdo do relatório

Numa conversa interceptada entre Milosevic e Karadžić, a 24 de Outubro de 1991 (parágrafo 2.687, página 1036), pode ler-se que o ex-presidente “expressou as suas reservas sobre a forma como a Assembleia de Bósnios Sérvios poderia excluir os Muçulmanos que eram ‘pela Jugoslávia’”.

Na nota de rodapé 11.027, página 1303, afirma-se: “A Câmara nota que a relação entre Milosevic e o acusado (Karadžić) se deteriorou no início de 1992; em 1994, eles deixaram de concordar sobre a rumo a ser empreendido. Além disso, com início em Março de 1992, houve aparente discórdia entre o acusado e Milosevic em encontros com representantes internacionais, durante os quais Milosevic e outros líderes sérvios acusaram abertamente os líderes sérvios bósnios de cometerem ‘crimes contra a humanidade’ e ‘limpeza étnica’ e travarem a guerra para os seus próprios fins.”

Numa outra passagem (parágrafo 3.295, página 1244), lemos que “Milosevic tentou dialogar com os Bósnios Sérvios, dizendo-lhes que compreendia as suas preocupações, mas que era mais importante acabar com a guerra e que eles alcançariam todos os objetivos que lhes foram negados pelo plano quando as conversações de paz fossem retomadas”.

No parágrafo 3.288, página 1241, lê-se: “Num encontro em Belgrado, a 15 de Março de 1994, com a presença de Jovića Stanišić, Martić, Mladić, e o Acusado, Slobodan Milosevic declarou que “todos os membros de outras nações e etnias devem ser protegidos” e que “o interesse nacional dos Sérvios não é a discriminação.”

Há duas décadas a Otan trazia do céu a liberdade… à bomba

A 29 de fevereiro de 1992, na Bósnia (parte integrante da Iugoslávia), após forte pressão dos países da Otan, realiza-se um referendo sobre a constituição de um Estado independente, apesar de se saber que um terço da população da região – os Sérvios – não apoia este modelo de Estado. Estavam criadas as condições para a ascensão de tensões étnicas que conduziriam a uma longa guerra civil.

Em meados de Abril de 1994, inicia-se a ocupação militar da Bósnia pela Otan no quadro da chamada “parceria para a paz”. No ano seguinte, em Agosto, e com o pretexto de a artilharia sérvia ter morto 41 pessoas, a Otan avança com a maior ofensiva até ali desencadeada nos Balcãs. Mais de 60 aviões de guerra atacam posições sérvias na região de Sarajevo.

Em Maio de 1995, o Exército croata, de colaboração com a ONU, ocupa uma das quatro regiões da Croácia habitadas por Sérvios. Nesse mesmo mês, aviões da Otan atacam posições sérvias em Pale e abrem caminho para a limpeza étnica da Kraína. Centenas de milhares de civis sérvios têm de fugir ao massacre e abandonar as suas terras e haveres.

A 21 de Marco de 1999, com o pretexto de evitar uma “catástrofe humanitária” no Kosovo, a aviação da Otan ataca a Iugoslávia. O ataque da Otan provoca milhares de vítimas, inclusive entre a população civil. Durante 78 dias, Belgrado e outras cidades da Sérvia são bombardeadas, enquanto fábricas, pontes e auto-estradas são destruídas. A infra-estrutura econômica da Iugoslávia é completamente arruinada e o Kosovo é transformado num protetorado da Otan, apesar de a Resolução 1244 da ONU (1999) considerar aquele território como parte integrante da Sérvia.

A Otan constata estarem reunidas as condições para derrubar o presidente Milosevic, que tinha vindo a resistir à agressão imperialista, e vê chegada a hora de levar ao poder as forças colaboracionistas controladas pela Alemanha e pelos EUA.

O bombardeamento e a invasão da Iugoslávia por uma coligação de estados (Otan) sem que nenhum deles tenha sido agredido pela República Federal da Iugoslávia, assim como o financiamento externo de figuras políticas constituíram graves violações do direito internacional. A Resolução 45/168 da Assembleia Geral da ONU proíbe a qualquer Estado “o financiamento de partidos ou grupos políticos e todo o tipo de atividade que possam desfigurar o processo eleitoral”.

Com a liquidação da Iugoslávia (com as respectivas e sistemáticas secessões promovidas pelos EUA, a Otan e a União Europeia), a concretização do principal objetivo da agressão era agora mais fácil de atingir: impor o domínio imperialista nos Balcãs. A restauração capitalista naquela região tem vindo a provocar a miséria crescente dos povos da ex-Iugoslávia. A lei das privatizações de Maio de 2001 deu o golpe final na economia sérvia e inaugurou a sua venda ao desbarato.

O principal centro de produção metalúrgico, a fábrica SARTID em Smeredo, incluindo as intalações do porto do Danúbio, foram entregues ao grupo norte-americano US Steel por apenas 23 milhões de dólares. Os impérios do tabaco Philipe Morris e British American Tobaco apoderam-se das maiores fábricas de cigarros em Nis e Vranje. Os quatro maiores bancos sérvios (Beobanka, Iugobanka, Investbanka e Beograska Banka) foram encerrados e substituídos por bancos privados, onde predomina o banco austríaco Raiffeinsenzentralbank ligado à Alemanha.

Consumado o golpe, estava aberto o caminho para a condenação moral, política e finalmente judicial dos vencidos pelos vencedores.

Fonte: AbrilAbril

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