Imperialismo

Trump na Arábia Saudita: negócios, terrorismo e obsessão contra o Irã

21/05/2017

Que a primeira viagem ao exterior de Donald Trump tenha sido à Arábia Saudita contém muitos simbolismos, mas nenhuma dúvida sobre suas calculadas motivações, nas quais o Irã serve de chamariz para fazer negócios e recompor laços com os muçulmanos.

Por Ulises Canales (*), na Prensa Latina

O presidente dos Estados Unidos chegou no sábado (20) a Riad com um portfólio carregado de sedutoras ofertas de acordos para investimentos, comércio e coordenação política para além das fronteiras sauditas, pois manteve três cúpulas com agendas muito semelhantes em sua essência.

Além dos números astronômicos no que se refere a transações e acordos, Trump e o rei Salman bin Abdulaziz se arvoraram a líderes de uma cruzada contra o terrorismo e contra Teerã, tanto a instâncias do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) Pérsico como do mundo árabe-islâmico.

Segundo declararam o secretário de Estado norte-americano, Rex Tillerson, e o ministro saudita de Relações Exteriores, Adel Al-Jubeir, uma prioridade da visita foi trabalhar em conjunto para robustecer as defesas do Golfo a fim de frear a suposta influência regional do país persa.

Depois da cúpula Arábia Saudita-EUA, Tillerson pronunciou a primeira reação oficial norte-americana à reeleição presidencial de Hassan Rouhani, pedindo a este que aproveite a oportunidade “para pôr fim ao papel do Irã como apoiador de forças desestabilizadoras existentes nesta região”.

Diretamente, instou Rouhani a “deter o todo apoio e financiamento aos grupos terroristas”, acusação que se refere às sólidas relações de Teerã com o  Movimento de Resistência libanês Hezbolá, que  Washington e Riad catalogam como tal, e a cessar os testes de mísseis balísticos.

Desde a capital de um dos países árabes que aplica a doutrina wahabita, uma das mais conservadoras do Islã sunita, Tillerson exigiu ao   presidente persa que “restaure os direitos dos iranianos à liberdade de expressão e de organização para que vivam a vida que merecem”.

“Se Rouhani deseja mudar a relação do Irã com o resto do mundo, essas são as coisas que poderia fazer”, afirmou em caráter de ultimato o chefe da diplomacia estadunidense, ao que sua contraparte saudita acrescentou que “o julgamento sobre o Irã é pelas suas ações e não pelo que diz”.

Al-Jubeir culpou abertamente a República islâmica de “plantar células terroristas no reino, prover armas e meios de destruição a milícias como o Hezbolá e os houthis iemenitas, e interferir nos assuntos de países árabes como Iraque, Síria, Líbano e Iêmen”.

Inclusive, vinculou o Estado persa com um suposto apoio à Al-Qaeda e ao Talebã, e o acusou de executar muitas operações terroristas no Bahrein, alegações que foram refutadas pelo governo iraniano.

Assim, em plena euforia pela assinatura da denominada Declaração Conjunta de Visão Estratégica, muitos dos acordos e memorandos de oportunidades de investimentos têm por trás de si -aberta ou disfarçadamente – a finalidade de se contrapor ao Irã em matéria econômica, militar e diplomática.

O rei saudita e Trump subscreveram acordos de mais de 280 bilhões de dólares, com especial ênfase para os 110 bilhões em acordos para a venda de armas e equipamento militar ao reino, a fim “respaldar suas necessidades defensivas” em face da suposta ameaça persa.

Com essa soma, os ministérios da Defesa saudita e norte-americano preveem modernizar e reformar as capacidades defensivas do país árabe, o que se traduz em mais estímulo às ações bélicas contra os rebeldes houthis do Iêmen, apesar de dois anos de guerra devastadora e letal.

Riad e Washington assinaram igualmente um acordo de associação para fabricar na Arábia Saudita helicópteros Black Hock, e mais quatro acordos no campo das indústrias militares com as corporações estadunidenses Lockheed Martin, Raytheon, General Dynamics e Boeing.

Os dois países assinaram um memorando de entendimento sobre tecnologia e acordos para a geração elétrica, a manufatura de produtos de alto valor, tecnologia e infraestrutura, o estabelecimento de uma usina de etileno nos Estados Unidos e outros de serviços de petróleo e gás, com a  Aramco.

Igualmente, as duas partes anunciaram acordos sobre mineração e desenolvimento de capacidades humanas, investimento em saúde para construir e operar vários hospitais, transporte aéreo para compra de aviões, investimento imobiliário e digitalização e edificação de um centro de armazenamento de informação.

Nesse contexto, o rei saudita assegurou a Trump que sua visita fortaleceu a “cooperação estratégica”, enquanto o príncipe herdeiro Mohammed bin Nayef elogiou a “cooperação construtiva” na luta antiterrorista, e o chanceler falou do “início da construção de uma nova era nas relações”.

De acordo com Al-Jubeir, esse novo começo também seria proveitoso para as relações de Washington com o mundo árabe e islâmico, algo que é urgente para Trump a fim de dissipar animosidades e desconfianças que ele próprio suscitou com medidas executivas percebidas como hostis por países de maioria muçulmana.

Os acordos bilaterais assinados pelo presidente e pelo rei se tornarão “uma forte associação estratégica” para combater o extremismo e o terrorismo, incrementar as capacidades militares e a cooperação defensiva comum, além de incidir em áreas chave como comércio, investimento e educação.

Mas os céticos se limitam a apagar nefastas lembranças e fazer paralelismos com ações que só mudaram de cenário: o discurso “A new beginning” (“novo começo”) pronunciado por Barack Obama na Universidade do Cairo, em 4 de junho de 2009, apenas quatro meses depois de sua posse na Casa Branca.

(*) Jornalista, correspondente da Prensa Latina no Oriente Médio; tradução da redação do Resistência

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