Opinião

A geopolítica do “golpe democrático” no Brasil

07/04/2016

Parcelas expressivas da classe média brasileira parecem estar conectadas ao movimento que o cientista político Francis Fukuyama descreveu como “revolução global da classe média”.

Por Fernando Marcelino*

Segundo esta visão, a revolta seria uma reação à falência dos governos em satisfazer às crescentes demandas de grupos cada vez maiores de pessoas com poder aquisitivo crescente. Cansou de pagar impostos pelos serviços públicos de educação, saúde, transporte e segurança — e de além deles, pagar a escola dos filhos, o plano de saúde, o carro e o segurança do condomínio ou da rua (Fukuyama, 2013).

A “revolta da classe média” não produz golpes de Estado parecidos com aqueles da década de 60 e 70, pois não buscam implementar uma ditadura militar estrito senso. A novidade destas revoltas é criar “golpes de Estado democráticos” que, por mais que tenha um conteúdo golpista, são envoltos pelo véu retórico da democracia liberal. Estes golpes são denominados de “revoluções coloridas”, fazem parte da “Doutrina Obama-Clinton” de política externa norte-americana .

Para serem vitoriosas as “revoluções pacíficas” desencadeiam ações que visavam debilitar e desorganizar os pilares do poder estatal, neutralizar as forças de segurança e criar a sensação de caos e instabilidade. Seu objetivo não é destruir as forças armadas e a polícia, mas convertê-los ou tornar mais complicado que se engajem na repressão durante protestos aparentemente despolitizados, daqueles que se mostram inconformados com um determinado governo e recebem imediato respaldo da imprensa autodenominada livre e independente. Com uma campanha midiática, planificada e constante, os manifestantes são apresentados como expressão de novos tipos de movimentos sociais e com inéditas formas de protesto que não buscam a queda violenta do governo, mas sua substituição aparentemente pacífica pela via eleitoral ou via impeachment, mostrando-os como pluralistas, pacíficos e respeitosos aos métodos democráticos, enquanto coloca como ditatorial e autoritário o governo que se pretende substituir.

Quando tais “golpes democráticos” dão certo, os novos governantes rapidamente mostram sua verdadeira face antidemocrática e antipopular, incorrendo em piores níveis de corrupção, aplicando dogmas neoliberais e abrindo as portas de seus países para as multinacionais de países imperialistas. Estas “revoluções coloridas” foram exitosas na Revolução do Bulldozer de 2000 na Sérvia, na Revolução Rosa na Geórgia em 2003, na Revolução Laranja na Ucrânia em 2004, na Revolução das Tulipas no Quirguistão em 2005. Mais recentemente, a “Primavera Árabe” derrubou primeiro Mubarak e depois Mursi. Novamente na Ucrânia diversas “revoltas populares” levaram a reacenção do fascismo e de ideologias nazistas como método de governo. Existe um ressurgimento em grande escala do nazismo, mas que quase todos no Ocidente têm adotado uma postura que pode ser interpretada como apoio aos nazistas ucranianos. Marchas com jovens, crianças e idosos cantando e fazendo a saudação nazista. Mulheres alegres carregando fotos de líderes nazistas. Civis sendo agredidos gratuitamente nas ruas. Pessoas rindo ao assistir russos sendo queimados vivos. Morte ao inimigo vermelho é um dos lemas.  Essa é a Ucrânia que a mídia não mostra. Esse é o governo nazista que Estados Unidos e União Europeia apoiam. A imprensa ocidental pode apresentá-los hoje como lutadores pela democracia em face da “invasão russa”, no entanto, seus métodos, ideologia e as ações são uma continuação das mesmas práticas nazistas em 1933-1939. Na “revolta do povo líbio”, o resultado foi um golpe de Estado que resultou na morte de Gadaffi.

As revoluções coloridas também já foram mal sucedidas. Apesar de serem derrotadas, elas forçaram os governos a reprimir “manifestações pacíficas” que visam derrubar o governo, o que também gera consequências negativas, como ocorreu na Biolorrúsia, na Revolução Verde no Irã, na Moldávia e na “Revolução do Guarda-Chuva” em Hong Kong de 2014 contra o “governo opressor” da China.

Honduras deu início a este novo ciclo na América Latina em 2009. O presidente Manuel Zelaya foi deposto assumindo governos ligados ao Estados Unidos. Em 2002 foi sustado um golpe deste tipo contra Hugo Chavez, em 2008 na Bolívia e em 2010 no Equador. Em 2012, Fernando Lugo foi derrubado no Paraguai. Ele havia entrado para a história do país em 2008, quando derrotou o Partido Colorado, que controlava a vida dos paraguaios por 61 anos. Depois de diversas tentativas de derrubar o presidente, em 2012 a oposição conseguiu realizar um golpe pela via de um impeachment, organizada a toda velocidade pelo Congresso, sob a acusação de mau desempenho de suas funções pela morte de 17 pessoas em uma operação de reintegração de posse em uma fazenda do nordeste do país, perto da fronteira com o Brasil.

Na Venezuela, desde a vitória de Maduro em 2013, o país vive com permanentes tentativas de desestabilização institucional, inclusive com ameaças dos Estados Unidos e o uso de fascismo e terrorismo, locaute e sabotagem de abastecimento para deslegitimar o governo.

No Brasil, apesar do governo federal e outras instituições difundirem a ideia que o país tornou-se uma nação “de classe média”, é exatamente a classe média (mais tradicional) que declarou guerra ao governo federal, inclusive com manifestações contra a “ditadura e a corrupção petista”. Setores expressivos da classe média foram às ruas nas manifestações de junho de 2013, fizeram panelaços, participaram de atos pelo impeachment de Dilma e em apoio a Operação Lava Jato e seu herói Sérgio Moro. Em diversas manifestações mostram que estão inconformadas com diferentes aspectos da realidade nacional e que apoiam derrubar o governo liderado pelo PT a qualquer custo.

A grande novidade no Brasil atual é que a classe média começou a ser mobilizar a partir das “jornadas de junho” de 2013, que deixou claro que o Brasil estava preparado para a sua “Primavera”, a exemplo das que ocorreram nos países árabes e do leste europeu. Como pontua Luís Nassif:

No plano social, a Lava Jato conseguiu despertar a comoção popular, o afloramento de uma ideologia da classe média, ultraconservadora e intolerante, muito longe da vitalidade juvenil do MPL. Nas redes sociais e movimentações de rua surgem, da noite para o dia, movimentos como o “Movimento Brasil Livre” e “Estudantes Pela Liberdade”. Constatou-se, com o tempo, que eram financiados pelo Charles Kock Institute, ONG de dois irmãos, Charles e David, herdeiros donos de uma das maiores fortunas dos Estados Unidos. Os Kock ficaram conhecidos por financiar ONGs de ultradireita visando interferir na política norte-americana. E tem obviamente ambições de ampliar seu império petrolífero explorando outras bacias fora dos EUA.

Os Estados Unidos têm uma presença capilar no território brasileiro, como a National Endowment for Democracy, USAID e ONG’s financiadas por diversos fundos. Kim Kataguiri, organizador do Movimento Brasil Livre, teve a carreira formada pelo financiamento da Students for Liberty, uma fundação dos EUA que se dedica a “promoção de valores da liberdade entre os jovens” em todo o planeta. Hoje ele é colunista da Folha de São Paulo. Caso semelhante a de Oscar Torrealba, opositor de Nicolás Maduro, fundador da JAVU (Juventud Activa Venezuela Unida), organização financiada pelo mesmo fundo, colunista no El Universal. Washington há muito tempo está a criar ONGs com o fito de promover demonstrações empreendidas, com recursos canalizados através da USAID, National Endowment for Democracy (NED) e CIA; Open Society Foundation (OSF), do bilionário George Soros, Freedom House, International Republican Institute (IRI), sob a direção do senador John McCain, etc.

Para os Estados Unidos sob a doutrina Obama-Clinton, em conjunto com setores da burguesia e da classe média, o que está jogo nesta “revolução colorida tupiniquim” são os 1) salários, empregos e políticas de distribuição de renda, ampliação dos serviços públicos e políticas sociais. A atual disputa é para aumentar o desemprego visando manter ou até baixar os salários atuais, paralisar os gastos públicos; 2) lucros abusivos dos banqueiros, industriais e empresários do agronegócio que vivem de juros, o que lhes garante R$500 bilhões anuais de juros da dívida pública; 3) Riquezas nacionais, a começar pelo petróleo do Pré-Sal (estimado em 80 trilhões de dólares), outros minérios, terras, biodiversidade da Amazônia e Mata Atlântica; 4) Projetos Estratégicos de Defesa Nacional que incomodam os Estados Unidos como o Programa de Desenvolvimento de Submarinos (PROSUB) da Marinha, o Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (SISFRON), do Exército Brasileiro, o FX-2 correspondente à aquisição de aviões de combate Gripen NG para a  Força Aérea Brasileira, desenvolvimento do satélite geoestacionário, avanços tecnológicos no lançamento de foguetes e produção de drones; 5) Ingresso do Brasil aos Brics junto com China e Rússia, Banco dos Brics, moeda dos Brics. Um golpe no Brasil faz parte de uma estratégia dos Estados Unidos, pretendem assim derrotar os outros governos progressistas da América Latina, saquear nossas riquezas e autonomia nacional e repactuar toda a América Latina para uma estratégia de contenção da China e da Rússia. Assim como em 1964, trata-se da posição geopolítica do Brasil para o mundo. Ou seja, se o Brasil vai voltar a ter uma posição totalmente subalterna aos Estados Unidos e a Europa ou ampliará sua projeção podendo se tornar um vetor na construção de uma ordem mundial multipolar e multiregional, liderado pelos BRICS. São estes fatores geopolíticos que estão em jogo hoje.

Fukuyama, Francis. Middle Class Revolution. Disponível em: http://www.wsj.com/articles/SB10001424127887323873904578571472700348086

Nassif, Luis. Lava Jato: tudo começou em 2013. Disponível em http://jornalggn.com.br/noticia/lava-jato-tudo-comecou-em-junho-de-2013

*Coordenador do MTST no Paraná

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