Opinião

Ameaças, chantagem, divisão – o ‘canto da sucuri’ na Educação e na Cultura

01/06/2016

A caracterização da situação política brasileira como “golpe” demonstra-se através da análise do processo usado para a tomada do poder, dos métodos de confronto utilizados e seus objetivos reais.

Por Alexandre Weffort, de Portugal para o Resistência

O processo de tomada do poder foi caracterizado pelas manipulações onde o fator evangélico teve papel determinante – e continua a ter, também na sua definição ideológica. Estão já desvendadas as linhas de articulação, como esclarecem as gravações entretanto trazidas ao conhecimento público, realizadas por senadores do PMDB, que impuseram o impeachment como estratégia partidária e também como forma de condicionar o âmbito das investigações judiciais de que eram alvo – investigações que ameaçam a corrupção que marca o seu hábito político.

O processo até agora conhecido (porque há a parte que se esconde ainda na sombra dos silêncios e omissões) indica a natureza do golpe de âmbito parlamentar. Mas este estende-se a outras esferas do poder, onde até o poder judiciário deverá ser questionado nas dualidades de critério evidenciadas, nos tempos de resolução, nas intervenções desadequadas e nas omissões imperdoáveis. Neste caso, a História não absolverá.

Nos métodos utilizados no golpe, além da política escusa, das negociatas e da barganha de influências por interesses econômicos, por uma oligarquia dominante subordinada a interesses transnacionais (que cobiçam o petróleo e as riquezas da Amazônia e que procuram, em termos globais, a subordinação da América Latina), acentua-se o confronto social na luta de massas. A direita revela substancial capacidade de mobilização, em grande medida baseada na manipulação midiática, recorrendo a movimentos ditos “espontâneos” e “apartidários” por ela efetivamente montados e financiados.

Conquistando a direita o poder por meio do seu governo interino, esses traços ficam desmascarados tanto pela inabilidade política dos novos governantes como pela arrogância dos seus agentes de rua (como vimos no caso Mendonça/Frota no ME).

As agendas políticas explicitam-se, mas, confrontado com a sua natureza retrógrada, tratam de escamotear os objetivos. Assim, Mendonça Filho recebe Frota sem ter a coragem de assumir cabalmente o discurso do seu novo amigo (que indica ter conhecido nas manifestações pró-impeachment), dizendo de passagem, como a desculpar-se, que não concorda muito com as ideias do grupo representado pelo ex-ator pornográfico (o movimento da “escola sem partido”), de patrulhamento ideológico do ensino.

Também foi possível observar, no domínio da Cultura, a tentativa de destruição da estrutura de gestão existente – o MinC –, tentame que foi frustrado pela reação pronta e massiva da comunidade artística, com a ocupação popular de instalações culturais em várias cidades, impondo uma mudança de estratégia radical ao governo interino, retirando primeiro a pasta da Cultura ao político inicialmente contemplado (com a Educação e Cultura) e, depois, criando de novo o MinC.

O recuo de Temer, sendo apresentado pelo ministro interino da Cultura como sinal de capacidade de reconhecimento de um erro, representa, na verdade, assumir uma enorme capacidade de errar. Foi demonstração de uma total falta de competência estratégica (de Temer) no âmbito governativo.

Recriado o MinC (forma de dizer: desfeito o ‘erro crasso’) e sendo o seu novo titular promovido de Secretário a Ministro por sorte do processo, vemos agora como se articulam, nas suas especificidades e contradições, as ações políticas legislativas e administrativas, no modo como alternam, no jogo da imagem política, os sinais positivo e negativo (de diálogo e de repressão).

E, aqui – nos métodos utilizados – podemos ver já a natureza retrógrada dos objetivos do golpe: o DEM, Partido do ministro interino da Educação (e, por um dia, também da Cultura), avança com a proposta de uma CPI ao PRONAC. A argumentação crítica, sobre a ‘Lei Rouanet’ e os incentivos à produção artística, vinha sendo destilada a algum tempo no âmbito parlamentar, envenenando a opinião pública e procurando lançar sobre a comunidade artística o anátema da corrupção.

O atual ministro interino da Cultura assume uma postura de tipo diplomático (é, afinal, o seu ofício) e afirma ser contrário à iniciativa dos deputados. Diz o ministro: “Não se pode forçar nada neste momento … o momento agora é de negociação”. E, especificamente sobre a questão, desenvolve um discurso mais inteligente (a contrastar com o seu colega da Educação):

“Há distorções evidentes, mas a Lei Rouanet virou a “Geni” da vez. Não é por aí. Temos de lembrar que ela financia a Orquestra Sinfônica Brasileira, o MAR, no Rio de Janeiro, e uma série de projetos. Não adianta dizer que é tudo uma porcaria, que tem de ser substituída. Isso não existe. É um mecanismo que, aos trancos e barrancos, tem sustentado a cultural nacional.”

É uma forma simpática, mas ardilosa, de agir que o ministro complementa, dizendo:

“Não considero que seja oportuno. Visitarei os deputados federais e o presidente da Câmara dos Deputados. Estamos fazendo um compromisso de dar maior transparência à lei, mas, com a CPI em curso, a pasta ficará em função de responder às demandas. E vai contribuir para a satanização e criminalização do artista. As empresas ficarão também preocupadas de estarem envolvidas. A CPI é válida, mas o momento é inoportuno…”.

Reconheça-se a habilidade ao diplomata. Mas o problema está um pouco mais além das boas palavras. O ministro não considera que seja incorreta a busca de criminalização do artista que o DEM promove com a sua proposta de CPI: diz somente que o momento “é inoportuno”, que “não se pode forçar nada neste momento”, deixando perceber que, na sua ótica, haverá um momento em que forçar será oportuno.

Os planos discursivos contrários complementam-se: não forçar a situação nas instalações culturais ocupadas pelos movimentos de massas – também porque não é oportuno (!), enquanto os algozes políticos no parlamento avançam com a ameaça de criminalização dos artistas que integram o movimento de protesto, atacando por via da CPI ao PRONAC.

A imagem aparentemente positiva, apresentada pelo ministro interino da Cultura, é de fato mais atraente que a do seu colega interino da Educação. Mas, na lógica política global do governo, conjugada com o contexto parlamentar golpista, essa diferença pouco conta. É, aliás, subtilmente enganadora – como o canto da sucuri das crenças indígenas brasileiras.

Acredita o jovem ministro interino da Cultura que poderá contrapor-se eficazmente aos parlamentares da direita que subscreveram a proposta da CPI? Ou será ele apenas o engodo para a desmobilização da luta na Cultura, deixando os artistas à mercê dos 190 anéis da ‘sucuri’ parlamentar?

A habilidade diplomática não substitui a força coletiva. Foi, aliás, a força coletiva que impôs ao governo interino a necessidade desse recurso diplomático.

É, por isso, essencial manter e desenvolver a luta ideológica na defesa de uma cultura democrática, sem ceder às ameaças, às chantagens e às tentativas de divisão, estratégias já identificadas do golpe nos domínios da Educação e da Cultura.

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