China

Avaliando corretamente o modelo soviético de socialismo e a prática do socialismo anterior à Reforma na China

15/03/2021

Por Zhou Xincheng (*)

As reformas não podem ser vistas como uma “dessovietização” ou “desmaoização” 

Primeira Parte 

Quando debatemos sobre a questão das reformas em nosso país, frequentemente podemos ver dois tipos de opinião: a prática anterior do socialismo foi errada, devemos negá-la, e as reformas em nosso país devem corrigir esses erros. Por exemplo, algumas pessoas dizem que no modelo socialista soviético existiam os “três grandes monopólios”: a posição dirigente ocupada pelo partido comunista é um monopólio do poder por parte do partido, produzindo uma alienação entre as pessoas, o poder político e a economia; a posição dominante ocupada pela propriedade pública dos meios de produção seria um monopólio econômico, que produz uma alienação entre as pessoas, a propriedade e os meios de produção; o caráter orientador do marxismo no âmbito da ideologia seria um monopólio espiritual, produzindo uma alienação entre as pessoas e a cultura. 

Esses “três monopólios” acarretaram nas “três alienações”, fazendo com que o modelo soviético caísse em um “erro histórico” e se desviasse do caminho correto do desenvolvimento cultural da humanidade. Algumas pessoas enumeram toda sorte de erros do modelo soviético (alguns deles de fato existiam, outros eram inevitáveis naquelas circunstâncias históricos, porém alguns são completamente inventados), porém, nunca mencionam os diversos sucessos obtidos. Eles chegam a seguinte conclusão: o modelo soviético deve ser negado, e além disso, “quanto mais ele for negado melhor”. 

Depois da fundação da República, nós aprendemos com a União Soviética, e reproduzimos uma série de erros, portanto, as reformas em nosso país são uma “dessovietização”. Eles opõem o socialismo com características chinesas ao modelo socialista soviético, considerando que o socialismo com características chinesas foi estabelecido sob as bases das completa negação do socialismo soviético.

Algumas pessoas ainda negam completamente a prática do socialismo em nosso país no período anterior ao início da Reforma e Abertura. Por exemplo, anteriormente, uma pessoa que ocupava um cargo dirigente em um departamento de pesquisa da Associação Nacional de Ciências Sociais, abertamente declarou que o socialismo construído por Mao Tsé-tung era o socialismo feudal exposto no “Manifesto Comunista”. Sua marca característica seria a propriedade pública e a economia planificada. A “Grande Revolução Cultural” representou a falência completa desse socialismo no âmbito da política, economia e cultura. As reformas visam expor e criticar esse tipo de erro, abandonar o velho modelo e  realizar a “desmaoização”, estabelecendo um “socialismo completamente novo” diferente do modelo anterior. Nós não vamos aqui analisar as falácias e os absurdos de suas opiniões (por exemplo, tomar a propriedade pública e a economia planificada como economia feudal, o que demonstra que ele não possui o básico de entendimento e apenas fala de maneira irresponsável), mas apenas gostaria de apontar: ele opõe o socialismo com características chinesas e a prática do socialismo anterior reforma e abertura, considerando que o socialismo com características chinesas foi estabelecido sob a base da negação completa do modelo socialista anterior às reformas. 

A opinião de que as reformas seriam uma “dessovietização” e uma “desmaoização” foi extremamente popular nos círculos acadêmicos em nosso país. À primeira vista ela parece ser correta: tanto o modelo socialista soviético, quanto a prática anterior a reforma e abertura de fato possuíam uma série de problemas, e as reformas em nosso país visam corrigir esses problemas. Porém, as coisas não são tão simples. Essa tese envolve alguns problemas, que incluem: como avaliar o modelo socialista soviético e a prática do socialismo em nosso país anterior a reforma e abertura? Qual a relação entre o socialismo com características chinesas, o modelo socialista soviético e a prática do socialismo antes da Reforma e Abertura? Qual é a essência da “dessovietização” e “desmaoização”? 

Antes de respondermos a essas questões, primeiramente citemos um trecho de um discurso do camarada Xi Jinping. Em 5 de janeiro de 2013, em um seminário de estudo e implementação do espírito do 18º Congresso Nacional do Partido Comunista da China, para novos membros e membros alternados do Comitê Central, ele afirmou: “O socialismo com características chinesas é socialismo e não qualquer outro “ismo”; os princípios básicos do socialismo científico não podem ser perdidos, caso contrário, não estamos falando de socialismo.” Ele destacou que o pensamento socialista, desde o seu surgimento, até os dias atuais, possui seis fases: 

“O surgimento e desenvolvimento do socialismo utópico; o estabelecimento do sistema teórico do socialismo científico com Marx e Engels; a liderança de Lenin na Revolução de Outubro e o início da construção prática do socialismo; a formação progressiva do modelo soviético; a exploração e a prática do socialismo pelo nosso Partido após a fundação da Nova China; a proposta de nosso Partido em iniciar a política de Reforma e Abertura, começando e desenvolvendo o socialismo com características chinesas”. 

Usando este trecho para discutirmos o problema, podemos chegar as seguintes conclusões: 1º) Tanto o modelo soviético de socialismo, como a prática socialista anterior às reformas, ou ainda o socialismo com características chinesas, todos são socialismo e aderem aos princípios básicos do socialismo científico; no que diz respeito a sua natureza básica, o socialismo com características chinesas e o modelo socialista soviético, bem como a prática do socialismo anterior às reformas na China, são iguais, derivam de uma fonte comum. 

Neste nível, não pode haver “dessovietização” ou “desmaoização”, porque ao se abandonar os princípios básicos do socialismo científico, não existe socialismo; 2º) Tanto o modelo soviético de socialismo, a prática anterior às reformas do socialismo na China e o socialismo com características chinesas, todos eles são etapas do desenvolvimento histórico do socialismo científico, que combinam diferentes circunstâncias nacionais e as condições concretas daquela época, tomando os princípios básicos do socialismo e colocando-os em prática. Eles mostram suas características na forma concreta de se realizar os princípios básicos do socialismo científico. Embora nos processos de exploração é possível obter experiências exitosas, há também erros, de modo que as experiências e lições de cada etapa, todas elas são experiências valiosas para as gerações posteriores. Nós, em relação à exploração das gerações precedentes, devemos herdar as experiências exitosas, descartar os erros e as coisas que não são apropriadas, e de acordo com a nova situação formularmos novas teorias e medidas. Dar uma resposta precipitada e simplesmente negar a prática precedente do socialismo não é uma atitude marxista séria. 

O espírito do discurso do camarada Xi Jinping deve ser o nosso pensamento orientador para debatermos esta questão.

Segunda parte

Anteriormente o nosso partido já fez uma avaliação científica sobre o modelo socialista soviético e a prática do socialismo antes da Reforma e Abertura. Na década de 50, a negação completa de Stálin feita por Kruschev em seu relatório secreto desencadeou uma onda anticomunista e antissoviética de caráter internacional, que tinha como característica o combate ao “stalinismo”, demonizando e negando completamente o modelo soviético de socialismo. Naquela época, liderado por Mao Tsé-tung, o Partido Comunista corajosamente contra-atacou essa corrente adversa, fazendo uma avaliação científica do modelo soviético de socialismo. No final de agosto de 1956, Mao Tsé-tung afirmou claramente: 

“Pelo fato de a União Soviética ter cometido alguns erros, tem havido muitas conversas sobre isso, como se tais erros fossem terríveis. Esta é uma observação inapropriada. Qualquer nação não pode evitar cometer erros, ainda mais a União Soviética, que é o primeiro país socialista. Depois de tanto, é impossível não cometer erros. Qual é a posição dos erros cometidos pela União Soviética e dos erros de Stálin? São erros de caráter parcial, temporário, que podem ser corrigidos. A União Soviética, naquilo que é essencial, seus aspectos mais importantes, aquilo que constitui o fundamental, está correta. O leninismo surgiu na Rússia, e através da Revolução de Outubro o primeiro país socialista foi criado; o estabelecimento do socialismo, a derrota do fascismo e a sua transformação em um grande e poderoso país industrial, são coisas com a qual podemos aprender. Por isso, precisamos continuar investigando”. Ele propôs que os aspectos positivos da União Soviética correspondem a 70% e são o aspecto mais importante; os erros correspondem a 30% e são secundários. Esta avaliação é científica e corresponde à verdade dos fatos. 

Em relação a prática do socialismo em nosso país antes da Reforma e Abertura, o nosso Partido também realizou uma investigação completa, chegando a uma conclusão científica. Pouco tempo depois da “Grande Revolução Cultural”, a Sexta Sessão Plenária do Décimo Primeiro Comitê Central do Partido Comunista da China, através da Resolução Sobre Certas Questões na História de Nosso Partido Desde a Fundação da República Popular da China, concentrando a sabedoria de todo o Partido, resumiu as lições e experiências da revolução e construção do socialismo desde a fundação da República Popular até a Reforma e Abertura. A Resolução apontou claramente: 

“De um modo geral, a história do Partido Comunista da China desde a fundação da República Popular da China são os anos em que o Partido Comunista da China, guiado pelo marxismo-leninismo e Pensamento Mao Tsé-tung, conduziu com muito sucesso todo o povo na realização da revolução e construção socialista.”

A Resolução explica sobre esses trinta e dois anos de grandes conquistas em mais de dez aspectos, tais como política, economia, cultura, relações exteriores, assuntos militares, etc. Ela aponta que nesses trinta e dois anos o mais importante são as conquistas que obtivemos; negar nossas conquistas ou ignorá-las é um grave erro. “Nossas conquistas e experiências exitosas são o resultado do uso criativo que nosso Partido e povo fez do marxismo-leninismo. São a demonstração da superioridade do sistema socialista e a base pela qual toda a nação, Partido e povo seguirão avançando.”

A Resolução analisou cientificamente o caráter, as lições e as razões do acontecimento da “Grande Revolução Cultural Proletária”. Falando de maneira resumida, os erros da “Grande Revolução Cultural Proletária consistem em: 1º) o pensamento orientador, que tomava as contradições de classe como as contradições fundamentais do socialismo, tomava a luta de classes como o elo central, desenvolvendo-a na teoria da revolução continua sob a ditadura do proletariado; 2º) sua avaliação sobre a luta de classes foi muito exagerada, pois considerava que grande parte do poder político já não estava em nossas mãos, no partido havia se formado um quartel-general da burguesia, e que precisávamos tomar o poder; 3º) o seu método equivocado de destruir os comitês do partido e fazer a revolução, duvidar de tudo, derrubar tudo, produziu um tumulto interno. Evidentemente, a “Grande Revolução Cultural” deve ser negada. No entanto, nos dez anos da “Revolução Cultural” seguimos aderindo ao sistema socialista, por isso obtivemos muitos êxitos em vários campos. Nós corrigimos os erros da “Grande Revolução Cultural” apoiando-nos na liderança do Partido e no sistema socialista. 

O 18º Congresso Nacional do Partido Comunista da China fez um resumo científico da prática do socialismo em nosso país anterior à Reforma e Abertura, indicando que: “A primeira geração de liderança coletiva de nosso Partido, tendo o camarada Mao Tsé-tung como núcleo, liderou todo o Partido, toda o País e o povo de todas as nacionalidades, completando a revolução de nova democracia, levando a cabo a transformação socialista, estabelecendo o sistema básico do socialismo, realizando a transformação mais profunda na história da China, assentando as premissas políticas e o sistema básico para todo o progresso e desenvolvimento da China moderna. Nesse processo de exploração, ainda que tenha experimentado muitas reviravoltas, o Partido obteve resultados teóricos originais e enormes conquistas, proporcionando para a nova etapa histórica de iniciar a construção socialista valiosas experiências, preparação teórica e base material”. Esta é uma avaliação que corresponde à realidade. 

Como avaliar o modelo de socialismo soviético e a prática de socialismo em nosso país anterior à Reforma e Abertura é uma coisa complexa, que engloba diversos aspectos, tais como política, economia, cultura, sociedade, relações exteriores e construção partidária. Vendo a partir da pergunta que devemos responder (se as reformas são ou não uma “dessovietização” ou “desmaoização”), devemos fazer uma análise sistemática e completa dessas duas etapas da prática do socialismo. Para tal, é necessário um método científico.

Nós somos marxistas, portanto, ao avaliarmos acontecimentos históricos, não podemos apoiar-nos em desejos subjetivos, mas sim devemos partir da prática. Isso é um princípio básico. No entanto, nós não podemos agarrar-nos a pequenos fatos e já tirarmos conclusões. Como indicou Lenin: “dada a infinita complexidade dos fenômenos da vida social, podem-se encontrar sempre os exemplos ou dados isolados que se queira susceptíveis de confirmar qualquer tese”. Por isso ele nos alertava: “No domínio dos fenómenos sociais não há método mais difundido e mais inconsistente do que agarrar-se a fatos isolados, do que jogar aos exemplos. Escolher exemplos em geral não dá trabalho nenhum, mas isso também não tem significado nenhum, ou tem um significado puramente negativo, pois toda a questão está na situação histórica concreta dos diferentes casos. Os fatos, se tomados no seu conjunto, na sua ligação, são uma coisa não apenas «teimosa» mas também absolutamente demonstrativa. Os fatos, se são tomados fora do conjunto, fora de ligação, se são tomados fora do contexto e são arbitrários, são precisamente apenas um brinquedo ou algo ainda pior”. Algumas pessoas gostam de falar sobre a “verdade” tirando alguns materiais do arquivo, como se assim pudessem “controlar” as pessoas. 

De fato, para coisas tão complicadas como o modelo socialista soviético e a prática socialista da China antes da Reforma e Abertura, se não partirmos “da soma total dos fatos” e apenas usarmos materiais individuais e fragmentados (inclusive se tais materiais forem verdadeiros) não podemos chegar na verdade dos fatos, mas apenas chegaremos a conclusões a partir de dados incompletos. Portanto, nós devemos fazer uma pesquisa multilateral, integrando todos os fatos, distinguindo entre aquilo que é principal e secundário. Ao mesmo tempo, devemos estudá-los historicamente, ou seja, analisá-los dentro das condições da época e da sociedade em que está inserido. Como indicou o camarada Xi Jinping: “Na história as coisas devem ser analisadas com base nas condições históricas da época e da sociedade (…) Nós não podemos usar as condições atuais, o nível desenvolvimento e o nível de entendimento para medirmos e demandarmos das gerações precedentes, não podemos exigir gerações precedentes façam aquilo que somente as gerações posteriores podem conquistar”. Muitas coisas que parecem inadequadas nos dias de hoje, mas eram razoáveis e necessárias no ambiente histórico da época. Além disso, seguindo o desenvolvimento da prática, o conhecimento humano está constantemente se desenvolvendo e se aprofundando. Nós não podemos julgar eventos históricos usando o nosso nível de conhecimento atual. A análise que nosso Partido fez na década de 50 sobre o socialismo soviético, bem como sua análise do começo da década de 80 sobre a prática do socialismo posterior a fundação do país constituem um modelo de análise materialista dialética da história.

 

 

(*) Este artigo foi retirado do livro “Marxismo e as Reformas Econômicas na China”, publicado em 2017. O Observatório do Marxismo na China continuará publicando os artigos do Profº Zhou Xincheng, como forma de homenageá-lo, após seu falecimento, ocorrido em outubro de 2020. Como já destacamos em publicações anteriores, Zhou Xincheng foi um destacado intelectual marxista chinês, professor da Universidade do Povo e pesquisador das questões do socialismo no Leste Europeu, União Soviética e das reformas econômicas na China.

 

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