História

Brasileiros na guerra civil espanhola

14/02/2017

Com o título acima, a edição brasileira do Le Monde Diplomatique, de fevereiro, publica matéria sobre o tema – recebeu chamada na capa.

Por Antônio Augusto*

A autoria da matéria é dos jornalistas Juliana Sada e Rodrigo Valente.

Abaixo transcrevo trechos da matéria, intercalados por comentários meus entre colchetes.

Milhares de voluntários contra o fascismo

A criação das Brigadas Internacionais foi uma iniciativa da Terceira Internacional [a Internacional Comunista (IC)] e de partidos comunistas de vários países, em negociação com o governo republicano, para organizar voluntários que desejassem lutar na Espanha.

[Durante a Guerra Civil Espanhola, luta do povo espanhol em defesa da legalidade democrática, do eleito governo republicano da Frente Popular, contra o golpe militar apoiado pelos fascistas, com enorme apoio militar dos governos fascistas da Itália e da Alemanha. Para se ter ideia do grau da intervenção estrangeira fascista, a Alemanha nazista – sem contar o apoio militar fascista italiano, também permanente, e em grande número de efetivos militares – teve até 80 mil militares alemães em guerra contra o governo republicano e o povo espanhol. A Luftwaffe, a força aérea nazista, realizou bombardeios constantes, como o crime contra a Humanidade que dizimou a cidade basca de Guernica, imortalizada também no famoso quadro de Pablo Picasso]

“O mundo está diante da ameaça fascista e a Espanha é hoje o principal bastião contra esse perigo comum”, escreve Apolônio de Carvalho em seu livro de memórias “Vale a pena sonhar”, ao lembrar o convite recebido para se engajar no conflito.

Constituídas oficialmente em 22 de outubro de 1936, estima-se que as Brigadas tenham recebido em torno de 40 mil voluntários, dos quais cerca de um quarto morreu em combate.

[Início da luta mundial contra o fascismo]

“Milhares de cidadãos do mundo inteiro entendiam que, em solo espanhol, se determinava o futuro da humanidade”, considera Ismara Izepe de Souza, pesquisadora da Unifesp.

A grande maioria era de nações europeias, principalmente França, Polônia, Itália, Alemanha e Bélgica.

No continente americano, o Brasil seria o sétimo país que mais voluntários enviou, atrás de Estados Unidos, Canadá, México, Venezuela, Cuba e Argentina.

Brasileiros se mobilizam pela república

A convocatória internacional para lutar ao lado da República encontrou uma situação delicada e ao mesmo tempo fértil no Brasil.

Após a malograda tentativa de insurreição em 1935, conhecida como Intentona Comunista, [é mais do que tempo, antes tarde do que nunca, de não aceitar esta denominação da direita, tentativa de estigmatizar o movimento.  ‘Intentona’ quer dizer intento desarrazoado, alucinado, com a conotação de traiçoeiro, etc.  O que houve, de fato, foi, centralmente um levante antifascista, patriótico, levado a cabo por militares] tanto o PCB como sua frente de massas, a Aliança Nacional libertadora (ANL) [A ANL não era uma “frente de massas do PCB”, terminologia errônea, de direita. A ANL era uma frente popular antifascista, bem além dos limites do PCB.  Essa frente se constitui no primeiro grande agrupamento político popular do Brasil moderno] sofreram uma duríssima perseguição.  Nesse contexto, muitos comunistas estavam presos ou fugindo da repressão, o que levou alguns militantes a optar pela Espanha.

“Foi a alternativa que eles teriam para não voltar a ser presos no Brasil, única saída para se sentirem úteis e lutando”, explica Thaís Battibugli, autora do livro “A solidariedade antifascista”.

Ainda que pequeno, o grupo de quase vinte brasileiros, ligados ao PCB e à ANL, teve participação marcante na guerra, já que a maioria era militar de formação.

Isso possibilitou que muitos alcançassem cargos de comando não só nas Brigadas, como também no Exército Republicano.  Esse foi o caso, por exemplo, de Apolônio de Carvalho, José Gay da Cunha e Carlos da Costa Leite, que lideraram centenas de combatentes.

“Não é uma participação quantitativa, mas qualitativa; eles foram com ‘know-how’ militar”, aponta Battibugli.

[Outro militar brasileiro que lutou na Espanha foi David Capistrano da Costa.  Com a democratização de 1945, elegeu-se deputado estadual, pelo PCB, em Pernambuco.  Em 1974, como membro do Comitê Central do PCB, veio do exílio, e tentou reingressar clandestinamente no Brasil.  Preso ao entrar no país pela repressão política da ditadura, foi torturado e assassinado.  É um dos nossos desaparecidos políticos. O filho de Capistrano, David Capistrano da Costa Filho, já falecido, foi dirigente do PCB em São Paulo, um dos idealizadores do SUS, e prefeito eleito pelo PT em Santos. Não sendo militar, o histórico sindicalista e comunista Roberto Morena teve também destacada participação na Guerra Civil Espanhola.  Foi comissário político em Alicante, vital porto do Mediterrâneo.  Morena seria deputado federal comunista (sob outra sigla, dada a ilegalidade do PCB) na primeira metade dos anos 50. Podem ser encontradas muitas informações sobre a participação dos brigadistas internacionais brasileiros em duas fontes: – em artigo publicado num dos números da revista “Temas de Ciências Humanas”, editada durante alguns anos pela intelectualidade ligada ao PCB, a partir da segunda metade dos anos 70; – no livro de um dos brigadistas, José Gay da Cunha reeditado nos anos 80 pela Alfa-Ômega, “Um Brasileiro na Guerra Civil Espanhola”]

Da guerra civil à guerra mundial

O destino dos voluntários após o fim da Guerra Civil Espanhola, em abril de 1939, não foi fácil.

A maioria, assim como cerca de 450 mil espanhóis, cruzou os Pirineus em busca de refúgio na França.

“Esperávamos tratamento de asilados políticos.  Ilusão – éramos prisioneiros de guerra”, relata em suas memórias Apolônio de Carvalho.

Ao entrarem na França, os republicanos eram encaminhados a precários campos de “acolhida”, espalhados à beira do mediterrâneo ou nos Pirineus.

Apolônio descreve o campo de Argelès-sur-Mer como uma “vastidão fria”.

[Vencendo o fascismo na guerra mundial]

Um grupo que ainda permanecia na França quando da invasão alemã, em 1940, se engajou na Resistência aos nazistas.

[Essa foi a trajetória por exemplo, do brigadista judeu romeno Wolf Reutberg, que morava no Brasil, e daqui foi expulso pela ditadura Vargas.  Ao ser detido pelos alemães, em 1944, foi fuzilado]

Já Apolônio chegou a comandar uma tropa de quase 2 mil pessoas, que apoiou a libertação do Sudoeste francês em 1944.

* Jornalista, colaborador do Resistência

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