Opinião

Com Macron, o velho mundo suplanta o novo

08/05/2018

Desde que teve garantias de que seria eleito contra Marine Le Pen, o então candidato Emmanuel Macron teve todo o tempo para colocar em cena a sua ascensão ao poder e não se privou disso. O quadro do Louvre, a longa marcha solitária até ao púlpito, toda a pompa muito pouco republicana tinha por objetivo apagar na própria noite da eleição as condições extraordinárias da campanha.

Por Lionel Venturini, no L´Humanité 

O símbolo, então visto como simplesmente grandiloquente, apareceria diferente um ano depois, e doravante passa pelo que de fato é: a marca, no fundo, de que um velho mundo conseguiu de fato suplantar “o novo” que Emmanuel Macron deveria encarnar.

Pois é um mundo antigo feito de soluções liberais, de conquistas sociais trabalhistas derrubadas, de revoltados sem alternativas, de controle sobre os desempregados e ao mesmo tempo de dedicação e atenção extremas às preocupações dos mais afortunados, que o hóspede do palácio dos Campos Elíseos encarna desde 7 de maio de 2017. Tolerância zero para os primeiros, total para os segundos. Está longe o candidato da bondade. O presidente tomou gosto pelo autoritarismo permitido pelo recurso aos decretos. De acordo com uma pesquisa do instituto Ifop, 73% dos entrevistados o consideram “autoritário”, e apenas 30% como alguém “próximo dos franceses”.

“Tudo é dedicado ao crescimento dos que possuem capital”

Alain Deneault, filósofo do Quebec, autor de Da mediocracia e do totalitarismo, criador da expressão “extremo centro” que caracteriza o início do macronismo, revelou recentemente em uma entrevista ao Media que “tudo é dedicado ao crescimento do capital. Daqueles que o possuem”. O futuro plano de ação para o crescimento e a transformação das empresas – a futura lei Pacto, o único projeto do qual estranhamente ninguém fugiu até agora – responderá à demanda recorrente dos patrões para a supressão de limitações de regulação, em particular obrigações sociais básicas, confirmou o ministro da Economia, Bruno Le Maire.

Emmanuel Macron reserva à revista dos homens de negócios americanos, Forbes, um anúncio sobre política fiscal que deveria preocupar os franceses em primeiro lugar: deve-se manter a medida adotada por Nicolas Sarkozy para dissuadir o domicílio fiscal fora da França? Ao menos, Sarkozy assumia sua política sem pretender disfarçá-la.

 “Macron não se envergonha de insultar as classes populares”

Inversamente, Macron dissimula com palavras anódinas uma violência inédita. A “exit tax” é um pecado para as finanças públicas? Tratando-se de uma taxa dissuasiva, se não tem muito peso, então … funciona. E mais, “os 800 milhões (de euros) que se deixa de ganhar com a supressão do ‘exit tax’, é duas vezes o custo da revalorização das aposentadorias agrícolas proposta pelos parlamentares comunistas. Não existe dinheiro mágico, não existe dinheiro para o social. Trata-se mesmo de uma questão de escolha!” – afirma o senador do Partido Comunista Francês (PCF) Éric Bocquet, quando o governo exige ao mesmo tempo a economia de um bilhão (de euros) ao hospital público.

Igualmente é uma questão de escolha se mostrar atento sobre as questões dos costumes, como a PMA (Procriação com Assistência Médica). O chefe de Estado pode também estar manobrando para frear avanços, quando não se mostra apressado para aplicar a diretriz europeia favorável à igualdade entre homens e mulheres em matéria de licença parental.

Aos estudantes indianos, burquinabenses ou americanos – o presidente Macron viaja muito, uma forma de ocupar terreno sem precisar prestar contas ao país -, ele repete: “Jamais respeitem as regras”. Ele tem o cuidado de não dar o mesmo conselho aos estudantes franceses. Há alguma coisa de esquizofrênico ao querer correr atrás de uma coerência do discurso de Emmanuel Macron, como demonstra o pronunciado diante dos bispos da França. Na ocasião, o presidente de todos os franceses marcou sua distância da lei de 1905, para sugerir que somente a espiritualidade preenche as lacunas da existência. Para o romancista Edouard Louis, existe pelo contrário “uma violência extrema em Macron, jamais vista antes. O que estamos testemunhando com ele é o fim da vergonha: Macron é alguém que não se envergonha de insultar as classes populares. Para ele, são “preguiçosos”. “A elite francesa perdeu toda aptidão à vergonha”, diz fazendo eco Alain Deneault. Exemplo disso é o porta-voz do governo, Benjamin Griveaux, que afirma sem corar que “nosso modelo social existe para proteger, mas também para emancipar. Emancipar pelo trabalho, melhor remunerado. Emancipar pela escola, onde cada criança encontra uma chance. Emancipar escolhendo livremente seu futuro profissional, pela formação e aprendizado”.

Para Alain Deneault, Macron ou qualquer outro, no fundo pouco importa. Macron é intercambiável, “a força deste sistema é não ter cabeça”, prossegue o filósofo. E acrescenta: “É também sua fraqueza, este sistema não sabe mais para onde vai, mantém-se pela intimidação e a propaganda desenfreada, em termos de chantagem sobre as condições de vida”.

Em 2017, 24% dos eleitores votaram no primeiro turno em Macron. Um ano mais tarde, segundo uma pesquisa Ipsos sobre o primeiro ano de governo, a França “está melhor” para 36%, e “nada mudou” para 37%.

Segundo o instituto Odoxa, 72% dos franceses consideram “injusta” a política econômica de Emmanuel Macron. Para o poder, foi atingida a pontuação de alerta. Para onde foi a “disrupção”? As reformas lançadas com força, a seleção à universidade, a crise com a SNCF (Sociedade Nacional de Caminhos de Ferro, a empresa estatal ferroviária), a formação profissional, as aposentadorias, o direito de asilo, não são majoritariamente percebidas como úteis.

A base eleitoral do presidente se deslocou para a direita

A ação de Emmanuel Macron concernente ao poder aquisitivo e à redução das desigualdades sociais foi julgada de modo particularmente severo, segundo o Ipsos. 78% dos franceses consideram que essa ação vai no mau caminho. Com os primeiros decepcionados do macronismo, a base eleitoral do presidente se deslocou para a direita. Os simpatizantes dos Republicanos estão doravante majoritariamente satisfeitos com o presidente da República: 53% (14 pontos a mais em um mês). O eleitorado de direita é, logo depois do da República em Marcha (a formação política do presidente), a segunda base de Macron. Os efeitos do macronismo tardam a chegar. Para 2018, a Comissão Europeia coloca a França nos últimos lugares, com uma previsão de crescimento do PIB de 2%, sendo que é de 0,3% para o primeiro trimestre. Tudo isto para apenas isto?

Mesmo a recomposição política que Macron conclama é de resultado duvidoso, quando oito em cada dez franceses se posicionam espontaneamente como “de esquerda” ou “de direita”.

O desprezo de setores intermediários pelo governo, que seu próprio interlocutor privilegiado, Laurent Berger, da CFDT (Confederação Francesa Democrática do Trabalho) reconhece, torna o poder solitário, e sem amortecedor com a base social do país. O perfil de gestor exigido aos ministros acarreta a consequência de remeter ao palácio Matignon (primeiro-ministro) ou ao palácio dos Campos Elíseos (presidente da República) todas as questões políticas. A tecno-estrutura no poder se separa do país e não tem antenas para compreender suas expectativas. Mesmo não sendo um ano eleitoral, 2018 não traz menos perigos para o executivo.

Em O Fim da Inocência, documentário realizado por um próximo, Bertrand Delais, por ocasião do primeiro aniversário da eleição do chefe de Estado, e transmitido pelo canal de televisão France 3, Macron afirma seu desdém para com “as pessoas que pensam que a França é uma espécie de síndico de copropriedade onde se deveria defender um modelo social que não suja, uma República cujo odor já não se conhece mais”.

A marcha batida das reformas abrirá um segundo ano de dificuldades?

Fonte: L´Humanité (7 de maio de 2018); tradução de José Reinaldo Carvalho, para o Resistência

 

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