PCdoB

‘É preciso o Partido em tempestade’

18/02/2020

Por José Reinaldo Carvalho (*)

O dirigente comunista José Reinaldo Carvalho homenageia neste artigo o Partido Comunista do Brasil no transcurso, em 18 de fevereiro, do 58º aniversário de sua reorganização como partido revolucionário

Há quase meio século, quando em finais de 1972 ingressei nas fileiras do Partido Comunista do Brasil, tomei este verso – “É preciso o Partido em tempestade” – dum poeta clandestino de identidade até hoje desconhecida para mim como um mandamento de vida.

Com ele, uma geração de jovens comunistas enfrentou a quase impossível tarefa – nas condições de dura clandestinidade, imposta por um regime de facínoras – de construir política, ideológica e organicamente um partido comunista revolucionário, de classe e de combate.

Um documento do Comitê Central da época, contendo orientações táticas para enfrentar a ditadura, que acabara de entrar na sua fase terrorista, fazia-nos um veemente apelo: “Preparar o Partido para as grandes lutas”.

Centenas dos nossos camaradas foram presos, torturados e assassinados. Destaco a saga heroica dos dirigentes mortos nos cárceres, os que caíram em combate ou em meio à realização de tarefas clandestinas. Carlos Danielli, Lincoln Oest, Linclon Bicalho Roque, Pedro Pomar, Ângelo Arroio, João Batista Drummond, Maurício Grabois, Osvaldão e todos os jovens guerrilheiros do Araguaia. Presentes! Perante sua memória, inclinamos nosso estandarte e cerramos nossos punhos. Em seu nome, vale reafirmar que não será das nossas mãos que esta bandeira cairá.

Na celebração do 18 de fevereiro, invocamos também a memória do camarada João Amazonas, que dirigiu a construção do Partido durante 40 anos. Até os últimos instantes de sua vida, fez-nos jurar – aos que então compúnhamos o Secretariado Nacional – que levaríamos adiante a edificação do Partido e seu fortalecimento político, ideológico e organizativo, por cima de quaisquer circunstâncias. Não defraudaremos.

A Conferência Nacional Extraordinária do Partido Comunista do Brasil de 18 de fevereiro de 1962 assegurou a sua reconstrução revolucionária, superando um surto liquidacionista e a tentativa do grupo dirigente de impor uma estratégia e uma tática oportunista de direita consubstanciada na Declaração de Março de 1958.

Aquela Conferência rompeu com a linha oportunista, que propunha a renúncia aos objetivos socialistas e a subordinação dos interesses do proletariado a setores da burguesia nacional, uma falsa aliança, uma frente com escopo e finalidade errados. A propósito, recomendo vivamente a leitura do artigo “Duas Concepções, duas Orientações Políticas”, de Maurício Grabois, então porta-voz da ala revolucionária nos debates prévios ao quinto congresso do PCB (1960). Estava em jogo a própria existência de um partido comunista marxista-leninista e portador de uma linha política revolucionária.

A reconstrução do Partido, para além da formulação de uma estratégia e uma tática justas, teve por foco também a afirmação da corrente marxista-leninista no âmbito do movimento comunista internacional, vulnerada pelo revisionismo do setor dominante da direção soviética a partir do 20º Congresso do PCUS, em 1956.

A Conferência de 18 de fevereiro de 1962 foi um marco decisivo na história do Partido, garantiu a continuidade histórica e nos trouxe ao centenário que vamos comemorar em 25 de março de 2022, como Partido Comunista do Brasil, com a bandeira vermelha e o símbolo da foice e martelo.

Chegamos a este 58º aniversário da reorganização com mais uma importante vitória da militância, que embora enfrentando as dificuldades da construção orgânica, sob o influxo de pressão ideológica e acossada por teses liquidacionistas, fez recuar a proposta amplamente difundida nos últimos três meses de mudar o nome e o símbolo do Partido, na medida em que se pronunciou em reuniões e nas redes sociais.

É uma vitória épica que enche esta mesma militância de convicções e energias para novas e maiores batalhas que virão no curto e médio prazos. Afinal, meios de comunicação a serviço das classes dominantes reacionárias e do imperialismo reverberam opiniões de que o PCdoB não chegará ao seu centenário como tal, mas metamorfoseado política e ideologicamente, sem expressão orgânica, de massas e eleitoral, diluído numa coalizão de centro-esquerda.

Igualmente, faz parte desta vitória contra o liquidacionismo o empenho recentemente iniciado para superar as vicissitudes do quadro político atual e os empecilhos interpostos à atuação institucional dos comunistas por uma legislação eleitoral elitista, antidemocrática e excludente.

A preparação em curso para o embate eleitoral deste ano tem méritos, porquanto representa a aturada busca para tornar competitiva a legenda dos comunistas – PCdoB. Todos os procedimentos táticos que estão a ser adotados no período pré-eleitoral, na composição das chapas proporcionais e no lançamento de candidaturas próprias a prefeituras se desdobrarão na campanha partidária e não de um movimento sem identidade comunista. Esta em nada contradiz com a luta ampla por cidades mais humanas, democráticas, civilizadas, menos ainda com o apelo à unidade democrática.

O Movimento 65 não é um estágio nem um teste para a posterior liquidação do Partido via mudança de nome e símbolos. É um meio para agrupar candidatos progressistas, um método para contornar as dificuldades do embate eleitoral. Uma vez aberta a campanha, esses candidatos concorrerão a mandatos com a legenda partidária. Os militantes e simpatizantes, bem como os candidatos recrutados para este movimento pedirão votos para a legenda PCdoB e, quando for o caso, para algum partido aliado em disputas majoritárias.

Incorpora-se também à vitória alcançada sobre o liquidacionismo o progressivo amadurecimento da inteligência coletiva no debate sobre a flexão tática necessária na atualidade. Os comunistas defendem a unidade das forças democráticas, patrióticas, populares, progressistas e anti-imperialistas, convictos de que isto tem equivalência em outra vertente da sua atuação – o trabalho entre as massas populares. Para os revolucionários, a unidade sempre foi a bandeira da esperança. É um princípio, não um modismo, uma necessidade histórica, não uma manobra a favor de indivíduos, grupos de interesses, coletivos territoriais, por mais legítimos que sejam os interesses em cena. A unidade é um princípio da linha revolucionária do PCdoB, e se constrói por meio de uma tática simultaneamente combativa, ampla e flexível. Expressa-se e concretiza-se na composição de uma frente de forças, partidárias ou não, com caráter democrático, antifascista, progressista, patriótico e anti-neoliberal. Por óbvio, seria um contrassenso se a frente não fosse ampla, mas isto nada tem a ver com a subordinação das forças populares, progressistas e partidos de esquerda a facções golpistas das classes dominantes, corresponsáveis pela atual tragédia nacional. Tampouco isto tem a ver com previsões ou desejos sobre que amplitude terá a frente em conjunturas ainda não configuradas. Elucubrações, interpretações exóticas e tergiversações são alheias à formulação científica da tática e da estratégia revolucionárias para a luta democrática.

A existência de uma vanguarda política e ideológica das classes trabalhadoras, cujo programa máximo é a conquista do poder político para construir o socialismo no Brasil, não é alheia à realidade nacional, mas parte dela, como também do curso político.

Aparentemente, num quadro de derrotas históricas e conjunturais, a realidade emprestaria razão aos que, ignorando as leis objetivas do desenvolvimento da sociedade, tomam por anacrônica e distante da realidade brasileira a existência do Partido Comunista e como saudosismo a celebração de uma efeméride como esta, da sua reorganização revolucionária no Brasil.

A defesa do caráter do Partido Comunista é uma necessidade histórica. A existência do Partido Comunista não se subordina ao voluntarismo nem a falsas teorizações sobre a “ressignificação do socialismo”, a “renovação” em abstrato, a superação da revolução política e social, a extinção da luta de classes e, por conseguinte, da missão histórica do proletariado e de uma força de vanguarda. Muito menos a interesses imediatistas da conjuntura eleitoral.

Tendo tal dimensão, a defesa do caráter revolucionário do partido comunista é também uma ação ampla e uma parte do empenho pela unidade. Insere-se nos esforços para construir o sujeito político da luta pelo socialismo, o grande exército político de massas da revolução brasileira, com os conteúdos e formas próprios da época presente. Na realização dessa tarefa mantemos frutífero diálogo e positiva interação com outras forças de esquerda que têm o socialismo como meta, convictos de que um partido revolucionário é um instrumento indispensável para os grandes combates do nosso tempo e a realização das grandes tarefas históricas.

Ao celebrar o aniversário da reorganização revolucionária do PCdoB e com a mirada voltada para a comemoração do centenário de sua fundação, repetimos com o camarada-poeta clandestino: Sim, “é preciso o Partido em tempestade”. Dela não fugiremos e nela o Partido Comunista do Brasil não faltará.

(*) Membro do Comitê Central e da Comissão Política Nacional do PCdoB, jornalista, editor de Resistência

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