Entrevista

Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães: houve uma conspiração no Brasil

09/06/2016

Martin Granovsky – O governo Temer é legitimo?

Samuel Pinheiro Guimarães – O Governo, interino, de Michel Temer é o resultado de uma conspiração de que participaram, de forma coordenada, os políticos envolvidos em denúncias de corrupção; os políticos e partidos de oposição, como o PSDB, inconformados com a inesperada derrota, por estreita margem, nas eleições de 2014; os políticos e partidos conservadores, do ponto de vista social, como os evangélicos; os meios de comunicação, em especial o sistema Globo, com dezenas de estações de televisão, de rádios, jornais e revistas; o Poder Judiciário, desde o Juiz Sergio Moro, messiânico e disposto a praticar em sua luta contra a corrupção atos ilegais de toda ordem, aos Ministros do Supremo que, podendo e devendo, não o disciplinaram; os interesses estrangeiros que viram, nas dificuldades econômicas, oportunidade de reverter políticas de defesa dos capitais nacionais para promover a redução do Estado e a abertura aos bens e capitais estrangeiros, como o caso da Petrobras, das riquíssimas jazidas de petróleo do pré-sal, do Banco do Brasil e do BNDES; do mercado financeiro, isto é, dos grandes investidores e milionários que são os 71.440 brasileiros cuja renda mensal média é de 600 mil dólares; dos rentistas, temerosos de uma política de redução das taxas de juros; das associações de empresários como a FIESP, a FEBRABAN, a CNI, a CNA; dos defensores de políticas de austeridade que visam a redução dos programas sociais, revisão dos direitos dos trabalhadores, equilíbrio fiscal pela redução do Estado, dos programas sociais, dos investimentos do Estado, da fiscalização dos abusos de empresas; e, finalmente, dos deputados, senadores, economistas e jornalistas, intérpretes, porta-vozes e beneficiários destes interesses.

A presidente Dilma Rousseff foi afastada por uma Câmara de Deputados sob a presidência e o comando do notório Deputado Eduardo Cunha, corrupto e afastado, logo em seguida, pelo Supremo Tribunal Federal, que poderia tê-lo afastado antes, e depois por uma Comissão de Senadores e agora, afastada, aguarda resultados da Comissão do Senado e da votação pelo Plenário do Senado que julgará seu impeachment. Neste processo, centenas de deputados e senadores, acusados ou processados por corrupção, votaram pelo processo de impeachment, sem que houvesse nenhuma prova de ato ilícito praticado pela Presidente Dilma.

367 Deputados e agora, eventualmente, 54 Senadores, representantes dos mais conservadores setores sociais, dos indivíduos mais ricos em uma das sociedades mais desiguais do mundo, dos interesses estrangeiros mais vorazes, poderão anular o resultado de eleições em que 54 milhões de brasileiros escolheram a Presidenta Dilma Rousseff e a continuidade de um projeto de desenvolvimento social, econômico e político do Brasil que se iniciou em 2003, e derrotaram um projeto neoliberal, submisso e reacionário.

A composição do Ministério indicado por Michel Temer, suas ligações ostensivas, e manifestadas publicamente pelos próprios Ministros, com os interesses econômicos e conservadores e as acusações de corrupção que sobre eles pesam indicam perfeitamente o caráter da conspiração que derrubou Dilma Rousseff, cujo objetivo final é a recuperação total do poder nas eleições de 2018.

MG – Quais chances de Dilma não ser afastada definitivamente, e quais fatores condicionam estas chances?

SPG – Ainda há grandes possibilidades de a Presidente Dilma não ser afastada definitivamente já que o número de Senadores que devem votar pelo seu afastamento é de 2/3, isto é, 54 Senadores em um total de 81.

As manifestações populares, de personalidades e setores significativos contra o governo Temer e seus atos, a favor da democracia e contra o golpe, têm sido cada vez mais amplas e intensas, apesar de a grande imprensa procurar ocultá-las e minimizá-las.

Os elementos fundamentais para evitar o impeachment são a participação do Presidente Lula à frente das manifestações populares, a resistência a cada iniciativa do governo interino apresentadas ao Congresso e a mobilização e coordenação das ações das organizações sociais.

MG – Em suas diretrizes de política externa, o ministro José Serra definiu que a diplomacia não seria “ideológica”, nem estaria a serviço de um partido político. Qual sua opinião a respeito?

SPG – A política exterior do Brasil tem de se fundamentar nos objetivos de soberania, de integridade territorial, de desenvolvimento econômico, social e político e se guiar pela Constituição que, em seu artigo 4, define os princípios da política externa e, entre eles, o objetivo de promover a integração latino-americana.

A política externa do Brasil tem de considerar, de um lado, a localização geográfica do país, com seus doze Estados vizinhos; as assimetrias entre o Brasil e seus vizinhos; suas extraordinárias dimensões territoriais, de população, de desenvolvimento econômico; suas disparidades de toda ordem; seus enormes recursos naturais e , de outro lado, e simultaneamente, as circunstâncias de um mundo em que se verifica grande concentração de poder econômico, político e midiático, com gigantescas multinacionais, com políticas de restrição ao desenvolvimento econômico e tecnológico, com as Grandes Potências em crise econômica prolongada e com uma disputa velada por hegemonia entre os Estados Unidos e a China.

A política externa dos governos do PT se orientou, com firmeza e coerência, pelos princípios de autodeterminação, de não intervenção, de cooperação com os países subdesenvolvidos, de integração da América do Sul, e pelos objetivos de luta pela desconcentração de poder em nível mundial e pela multipolarização, pelo multilateralismo e contra o unilateralismo das Grandes Potências, pela defesa da paz e pelo desarmamento dos países altamente armados, pelo direito ao desenvolvimento, pelo luta contra o aquecimento global, pelo desenvolvimento econômico, contra a pobreza.

Assim, na América do Sul foram mantidas relações de cooperação e de respeito político com governos tão distintos quanto os da Colômbia, do Peru, do Chile, da Venezuela, da Argentina, do Uruguai, do Paraguai etc.

Com os Estados Unidos, foi mantida uma política de cooperação, como no caso do etanol; de respeito mútuo, como no caso da Rodada de Doha, e de divergência, sempre que necessária, como no caso da ALCA. As relações com o Brasil foram consideradas pelo governo americano de grande importância, como se pode inferir dos comentários do Presidente Obama sobre o Presidente Lula.

Com a Europa, o grau de cooperação pode ser demonstrado pelo acordo de parceria estratégica com a União Europeia, tipo de acordo que a União Europeia tem com pouquíssimos países, tais como os Estados Unidos e a China; pelo programa de construção e transferência de tecnologia do submarino nuclear com a França; pela aquisição, construção e transferência dos aviões de combate Grippen.

As relações com a China, a grande Potência emergente, são de grande importância como demonstra o fato de a China se ter tornado o principal parceiro comercial do Brasil, com crescentes investimentos no país, dos acordos celebrados com a China, prevendo operações de valor total superior a 54 bilhões de dólares, da participação, política e econômica do Brasil, nos BRICS, no Banco dos BRICS, no Acordo de Reservas e no Banco Asiático de Infraestrutura.

Nas Nações Unidas, a luta pela reforma da Organização pela ampliação e democratização de seu Conselho de Segurança, em companhia da Índia, do Japão e da Alemanha; a participação nas conferências de natureza social e econômica; a criação do Conselho de Direitos Humanos e a luta contra a utilização seletiva e política dos direitos humanos.

No Oriente Próximo, o Brasil procurou se aproximar dos países árabes através das reuniões entre a América do Sul e países árabes, com excelentes resultados políticos e econômicos para todos que delas participaram. Ao mesmo tempo, o Brasil reconheceu a Autoridade Palestina como Estado, condenou os ataques a Gaza e os atentados terroristas, de qualquer procedência em qualquer lugar. A iniciativa do Brasil e da Turquia de negociação exitosa do acordo com a Turquia mostrou a capacidade da política externa brasileira de conseguir soluções onde outros Estados tão mais poderosos haviam fracassado durante tanto tempo.

Com a África, os governos do PT desenvolveram uma política externa cujos fundamentos eram a dívida histórica do Brasil para com os povos africanos e as possibilidades de entendimento e cooperação política e econômica devido ao fato de ser o Brasil ter sido também uma colônia e nunca um pais imperialista; subdesenvolvido porém com êxitos importantes em setores como a agricultura de cerrado e a saúde; da contribuição cultural, econômica, étnica e religiosa das populações africanas para a construção da sociedade brasileira. Na área política, o interesse de cooperar em questões relativas à segurança do Atlântico Sul, a negociação sobre meio ambiente, florestas e mega-diversidade, e sobre comércio na OMC e outros foros.

Toda a política brasileira foi baseada nos princípios de não intervenção, de autodeterminação e de cooperação respeitosa, sem tentativas de ensinar a nenhum Estado, país ou sociedade como deve se organizar, politicamente ou economicamente.

Tudo isto prova cabalmente, para quem conhece um mínimo de história e de política internacional para além do que diz a mídia e dos preconceitos partidários, que a política desenvolvida pelo Governo brasileiro desde 2003 não foi nem ideológica nem partidária nem visou beneficiar os interesses de um partido, no caso o PT.

MG – A América do Sul terá de iniciar uma etapa de acordos de livre-comércio?

SPG – O centro da política externa brasileira tem de ser a América do Sul; na América do Sul, o Mercosul; no Mercosul, a Argentina. Não compreender isto, significa enorme miopia e cultivar o fracasso.

Um dos principais objetivos do Brasil e de sua política externa é construir condições que sejam propicias ao seu desenvolvimento econômico, social e político.

O desenvolvimento econômico e social de um pais como o Brasil, que tem 85 % de sua população urbana; com uma agricultura que não emprega mão de obra em grande escala; com um setor de serviços subdesenvolvido; com grande necessidade de geração de empregos para absorver o crescimento da força de trabalho e os estoques de mão de obra subempregada, como são os 50 milhões de beneficiários do Bolsa Família, cujo rendimento mensal é inferior a 77 reais, isto é, a 20 dólares por mês, tem de ser baseado na industrialização, no setor industrial, base do desenvolvimento de todos os setores da economia.

Pensar em construir uma economia e uma sociedade com base na agricultura apenas é um absurdo técnico, político e social.

A industrialização necessita de mercados seguros que são os mercados regionais através de acordos que estimulem o desenvolvimento das empresas de capital nacional e atraiam empresas estrangeiras e da ação do Estado para construir a infraestrutura e complementar a iniciativa privada.

Este mercado na América do Sul é o Mercosul, com sua tarifa externa comum.

Os países industrializados que desejam escapar de suas crises através das do aumento de suas exportações desejam eliminar a tarifa externa do Mercosul e suas possibilidades de desenvolvimento industrial e para isto acenam, junto com seus arautos internos, com a celebração de acordos de livre comércio, que significariam, logicamente, o fim do Mercosul.

O acordo Mercosul- União Europeia seria, em realidade, o primeiro de uma série de acordos de livre comércio com os Estados Unidos, a China o Japão, em que, de um lado, os países do Mercosul, em especial Brasil e Argentina, abririam totalmente seus mercados para os produtos industriais europeus, e em seguida americanos, chineses e japoneses muito mais competitivos e avançados, dariam assimétricas concessões em compras governamentais, e outras concessões, e, em troca, receberiam concessões, irrisórias, em produtos agrícolas.

Mesmo que as concessões europeias correspondessem ao fim de todos os subsídios que concedem a seus agricultores europeus e de todos os obstáculos as exportações agrícolas do Mercosul, o acordo com a União Europeia seria tremendamente prejudicial aos objetivos de desenvolvimento industrial do Brasil e da Argentina e também do Uruguai e Paraguai.

Os acordos de livre comercio tão defendidos pela mídia, pelos acadêmicos, pelos importadores e pelos países desenvolvidos significam o fim do Mercosul, que é um instrumento importante de promoção do desenvolvimento industrial e, portanto, econômico de nossos países.

Seria necessário mencionar a UNASUR, a linha de transmissão no Paraguai e tantos outros temas como o FOCEM, mas o espaço não permite.

Fonte: www.rogeriocerqueiraleite.com.br

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