Conjuntura nacional

Esquerda com Maia, uma aliança extravagante

14/01/2019

Por José Reinaldo Carvalho (*)

O combinado não sai caro, diz a sabedoria popular. Quando se iniciaram as movimentações e conversas, lá pelo fim do ano, sobre a conduta da esquerda acerca da eleição para a mesa da Câmara dos Deputados, uma condição foi proposta e tacitamente aceita: a candidatura a ser apoiada, independentemente da legenda a que pertença, não pode estar alinhada com o governo Bolsonaro.

Agora, desfazendo o trato e desconhecendo que Maia está com Bolsonaro e Bolsonaro com Maia, aparecem entre setores progressistas defensores ardorosos da candidatura à reeleição do atual presidente da Câmara. Em nome de quê?

O cenário dos últimos dias mostra que estão em curso intensos entendimentos e pressões para que a esquerda ou pelo menos parte desta apoie a reeleição de Maia. Será extravagante a formação de um bloco de forças que tenha por vértice no parlamento um presidente da Câmara comprometido com a estabilidade e o êxito do governo de extrema-direita.

Os autores e atores de tal enredo sabem que o deputado pelo DEM fluminense é um defensor de primeira hora da agenda entreguista e antipopular do governo recém-empossado e já foi ungido como candidato do partido chefiado por Bolsonaro. Mesmo assim darão sequência à novela?!

Para além de extravagante, a aliança da esquerda com Maia se baseia em falsos pressupostos e argumentos esdrúxulos.

Seria supostamente uma candidatura “institucional”, “da casa”, da “política”, sem conotação partidária governista ou oposicionista. Uma candidatura “de todos”. Platitude? Boutade? Ilusão? Oportunismo tout-court.

É sempre bom lembrar que semelhantes argumentos foram expendidos nas duas vezes anteriores em que o deputado neoliberal fluminense se candidatou. Os juramentos de institucionalismo foram traídos por ele próprio, na medida em que se tornou um dos protagonistas do golpe contra a presidenta Dilma Rousseff e foi um sustentáculo fundamental do regime de Michel Temer no parlamento. Maia foi o principal fiador da agenda antissocial e econômica ultraliberal daquele governo. Discrepou do presidente usurpador somente numa etapa posterior, não por divergências programáticas mas por interesses subalternos. Foi a principal voz a favor das reformas trabalhista e previdenciária e um algoz assumido da Justiça do Trabalho. Hoje, sai na frente de Guedes e Bolsonaro na defesa de um programa lesivo aos interesses do povo e da nação. Na presidência da Câmara será correia de transmissão do governo Bolsonaro e partícipe de sua eventual maioria na casa.

Os deputados de esquerda que votaram em Maia têm este débito para com o povo brasileiro. Precisam estar conscientes de que agora, nas condições do regime de extrema-direita, sufragar um presidente da Câmara comprometido com Bolsonaro é abrir caminho para o suicídio político e eleitoral.

A extravagância dos argumentos a favor do voto em Maia se expressa também por meio de uma falsa conceituação da Frente Ampla e uma metodologia equivocada para concretizá-la. Nas condições atuais, a Frente Ampla é indispensável como ferramenta política para unir amplas forças na oposição ao regime de extrema-direita, o que implica constituir-se também como instrumento de conscientização, mobilização e organização do povo brasileiro na luta pela realização de um programa amplo em defesa da democracia, dos direitos do povo e da soberania nacional. Em suma, a negação completa da agenda do governo Bolsonaro e do atual presidente da Câmara candidato à reeleição.

A Frente Ampla é indispensável, mas não passa de falsificação e argumento de fundo oportunista a proposição de formar, em nome dela, blocos institucionais de adesão ao governo ultradireitista.

É extravagante também alegar que as decisões políticas não devem ser condicionadas pela repercussão que terão nos movimentos sociais. No debate político e na luta de ideias é comum atribuir-se falsos argumentos ao oponente, caracterizá-los como grotescos para justificar o injustificável. Bradam que os oponentes ao apoio a Maia alegam que isto “pegaria mal nos movimentos sociais”. Mas não há entre os que se opõem à aliança com Maia quem subordine as decisões políticas do âmbito parlamentar ao espontaneísmo de setores do movimento social. Há, sim, os que condenam e combatem – e isto é outra coisa e estes estão cobertos de razão – a formação no âmbito político e parlamentar de um bloco de forças de cariz reacionário que atuará como vetor principal do ataque aos movimentos sociais e suas reivindicações.

Outra falsificação corrente dos maiaístas é afirmar que a esquerda ficará isolada se negar apoio ao deputado do DEM. Cabe perguntar: isolada de quem? Dos fascistas? Das forças residuais de centro-direita? Dos centro-esquerdistas de fachada cujo alvo principal de combate são as forças da esquerda?

É sempre bom lembrar também que determinadas manobras táticas oportunistas em 2016, 2017 e 2018 eram defendidas com a acusação de que os “esquerdistas” dividiam o mundo entre golpistas e não golpistas. Hoje dirão que os “esquerdistas” têm um raciocínio binário e veem a luta política como uma contenda entre bolsonaristas e não bolsonaristas e que todo o erro da tática “esquerdista” reside nisto. Os argumentos estão manjados, é preciso mais criatividade e inventar outros.

O que está em questão e em gestação no Brasil de 2019 não é a disjuntiva amplitude versus isolamento segundo a descrição caricata dos maiaístas. A esquerda consequente nunca optará pelo isolamento. Tampouco abandonará sua essência de força oposicionista. Nem mudará de lado.

A polarização é objetivamente inevitável e mesmo indispensável ao desenvolvimento da situação política. Momentaneamente, as forças da esquerda consequente são minoritárias, em circunstâncias de luta extremamente desfavoráveis, o que não significa necessariamente que estejam isoladas. Não obstante, uma lúcida formulação programática e uma ação orientada à mobilização do povo em embates políticos e sociais de pequena e grande envergadura, serão fatores de progressiva acumulação de forças.

O que isolaria a esquerda seria aderir ao inimigo e afastar-se do povo. E isto, para desgosto dos maiaístas, a esquerda consequente não fará.

(*) Jornalista, editor da página Resistência; colunista do Brasil 247 e do projeto Jornalistas pela Democracia

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