Na política, açaí com tapioca de Eduardo e Marina é combinação conservadora

16/04/2014

O jornal “Folha de S.Paulo” dedicou na última quarta-feira (16) um editorial ao lançamento da chapa Eduardo Campos-Marina Silva à Presidência da República. Supostamente, o artigo de fundo tece críticas e lança dúvidas sobre a consistência da aliança entre o ex-governador de Pernambuco e a ex-senadora do Acre.

 

Por José Reinaldo Carvalho (*)

 

No fundo, porém, o diário da família Frias estimula a dupla e até procura dar-lhe conselhos, com o intuito de que prospere a “terceira via” na disputa sucessória.  Apropriando-se da metáfora de Marina, que denominou a união com Campos de casamento do açaí com a tapioca, a “Folha” manifesta o desejo de que a mistura seja eficaz como alternativa ao “feijão com arroz lulista e ao chuchu do PSDB”. Açaí com tapioca, arroz com feijão e até o chuchu são delícias da mesa brasileira. Dúvidas à parte sobre se os antigos boys da Barão de Limeira têm gosto apurado para uma e outra iguaria, vamos ao que mais interessa.

 

Na política, não há como negar, a combinação aparentemente exótica de Eduardo Campos com Marina Silva resulta em prato indigesto. É receita conservadora.

 

Como sempre, a análise da Folha é superficial e as opiniões que dá apenas tangenciam as questões essenciais, detendo-se em pormenores que, já detectados pelo comando da campanha da coalizão PSB-Rede-PPS, serão contornados pragmaticamente, enquanto for conveniente à empresa eleitoral a que se lançaram os dois pretensos líderes do novo agrupamento oposicionista.  

 

Para a “Folha”, a aliança Campos-Marina não é ainda um projeto político coerente, porque supostamente haveria um conflito entre o “desenvolvimentismo” do candidato  pernambucano e o “ambientalismo” da política nortista. Ora, para Marina, este rótulo não passa hoje de cartão de visita para transacionar a soberania nacional sobre a Amazônia na bacia das almas dos interesses alienígenas.

 

Igualmente, segundo o jornal, seria obstáculo ao progresso político da coalizão recentemente formada o cadinho de contradições nos estados entre caciques políticos do PSB e da Rede, duas formações políticas que para efeito propagandístico são “modernas” e “programáticas”, o que é sobejamente contrastado por práticas oligárquicas, autoritárias e individualistas.

 

De fato, a aliança parece esdrúxula e não constava de nenhum roteiro nem manual. Mas a vida política não é regida por estes e se impõe por sobre as especulações e desejos dos sujeitos políticos. O mundo político brasileiro se surpreendera quando em outubro do ano passado, após o fracasso de Marina Silva na constituição do seu partido – que ela insiste em não chamar de partido – decidiu filiar-se a um partido tradicional. Até aquele momento, era a jogada política de maior envergadura do cenário pré-eleitoral. Mas a evolução dos acontecimentos revelou, desde os primeiros discursos de Marina e Campos quando anunciaram sua união, que esta tem um sentido claro e objetivos coerentes, dentro da lógica que adotaram.

 

O objetivo imediato e pragmático é a criação de uma força política nova na disputa eleitoral, uma “terceira via” alternativa na contenda entre a candidatura da presidenta Dilma Rousseff à reeleição, liderando uma coalizão progressista, e a do senador Aécio Neves, à frente das forças neoliberais e conservadoras. Mas o que cimenta no fundo o pacto entre a legenda dirigida por Campos, a Rede de Marina, ligada a interesses internacionais acobertados de “ambientalismo”, e o anticomunista PPS é o antagonismo às forças que conduzem as mudanças de cariz democrático, patriótico e social no Brasil há 12 anos, desde o primeiro governo Lula, do qual ambos fizeram parte e de que, por cálculo sobre o que lhes era conveniente e oportuno, decidiram se desligar.

 

De Marina Silva, ex-petista, já se esperava que percorresse o caminho que a levaria aonde chegou no espectro político nacional. Sob sua gestão, durante o governo do ex-presidente Lula, o Ministério do Meio Ambiente se tornou o paraíso das Organizações não Governamentais, uma agência a serviço dos interesses de potentados que se sentem incomodados com a emergência de gigantes como o Brasil, entre outros países que, se orientados por forças progressistas, podem desempenhar um inovador papel geopolítico e contribuir para alterar a correlação mundial de forças. Desde então, Marina desmascarou-se como instrumento de políticas antinacionais, perfil que se tornou mais nítido na campanha eleitoral de 2010, quando agregou a este perfil um traço inusitado – a aliança com forças obscurantistas, a dupla moral, o farisaísmo e o apego ao que há de mais reacionário nas esferas recônditas da consciência social. 

 

Por seu turno, o ex-governador pernambucano vem pavimentando a trajetória de integrante da oposição a Lula, Dilma, PT e coalizão progressista pelo menos desde 2011, quando o êxito que teve com sua reeleição em 2010, em grande parte devido ao apoio de Lula a seu governo, de algum modo o embriagou, levando-o a achar que tinha condições de disputar a Presidência da República. Desde então começou a elevar o tom das suas críticas ao governo da presidenta Dilma. Em 2012, começou a “costear o alambrado”, ao mesclar suas críticas à mandatária com elogios a FHC e ao PSDB, o que se traduzia na prática em acordos, primeiramente de bastidores, depois explícitos com Aécio Neves.  

 

Campos tem uma trajetória de centro-esquerda, tendo herdado do seu avô, Miguel Arraes, um legado de lutas e realizações em prol da democracia, da soberania nacional e do progresso social. Teve méritos inegáveis como deputado federal, ministro e governador. Honrou a camisa de político progressista e nacionalista enquanto fez parte da coalizão vitoriosa que governa o País sob a liderança da presidenta Dilma Rousseff.

 

Mas fez uma nova opção, mudou de lado, atravessou o seu Rubicão, traçou outro caminho e está percorrendo-o, com decisão e cálculo político. Em setembro do ano passado, abandonou o campo progressista, rompeu com o governo e decidiu atacar a presidenta Dilma e sua política, esposando teses que em muito se assemelham às do PSDB e demais setores conservadores e neoliberais.

 

Em busca de credenciar-se como candidatura alternativa, Eduardo Campos escolheu o caminho da confrontação direta com o governo e a mandatária. Soma-se dessa maneira aos setores que pretendem interromper o ciclo progressista que o Brasil vive há 12 anos, afastando-se do campo democrático, popular e de esquerda. Até agora, apesar de apresentar-se como “novidade”, o ex-governador pernambucano se limita a criticar a presidenta da República, tentando desqualificar a mais representativa autoridade do país.

 

A aliança Eduardo Campos-Marina Silva a rigor não forma uma terceira via. É uma força a mais que se agrega ao campo da oposição conservadora. Disputará com Aécio Neves a condição de adversário principal da candidatura de Dilma Rousseff à frente da coligação progressista. Ambos vão concorrer para firmar compromissos mais sólidos com as classes dominantes, sobretudo a oligarquia financeira, e seus elos internacionais. 

 

A posição política de Eduardo Campos e Marina Silva é expressão de um tipo de transformismo político em voga no mundo e no Brasil, com suas peculiaridades, na atual quadra que atravessamos. Acomete outros setores de esquerda, inclusive alguns que fazem parte do partido majoritário e hegemônico na coalizão vitoriosa que governa o País. Acomete igualmente a esquerda pretensamente radical. É mais um fenômeno a justificar a prioridade que a esquerda revolucionária e consequente deve atribuir à batalha das ideias.

 

(*) Jornalista, editor do Portal Vermelho

 

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