EUA

O duopólio partidário nos Estados Unidos

13/11/2016

Durante anos tem sido uma característica da política nesse país sua fragilidade estrutural e volatilidade emocional. Ambos os partidos, Democrata e Republicano, notórios por sua habitual demagogia, a falta de democracia em seu funcionamento interno e por operar em um marco de confusas e manipuladas regras eleitorais, conduzem suas campanhas em torno de questões de imagem, sobre a última mancada de seus adversários, ou escarvando acerca de escândalos sem sentido que lhes permitam manter longe da atenção da população o debate central das grandes políticas ou aquilo que possa acumular seu controle oligárquico. O nível do debate, quando há, é banal e repleto de baixarias.

Por Fernando M. García Bielsa*

O sistema bipartidário estadunidense em nivel nacional e local está adoecendo. Nas eleições presidenciais, que são as mais concorridas, aproximadamente a metade dos eleitores se abstém de votar e uma boa parte dos que votam o fazem por certos temores que os levam a votar pelo “menos mau” entre dois candidatos, nenhum dos quais é do seu agrado. Isto ocorreu muito claramente na campanha deste ano.

Por outro lado, as pessoas deixam de votar sobretudo porque não creem que as eleições façam alguma diferença em sua situação. Igualmente, muitas características do sistema e os obstáculos para exercer o voto que, ademais, tem lugar num dia útil (terça-feira), levam a que sejam os setores pobres e as minorias discriminadas os que têm mais baixa participação, o que se torna útil ao predomínio das elites.

As regras da política eleitoral são pouco claras, mutáveis, muito manipuladas e extremamente restritivas, inclusive comparando-as com outros países capitalistas. Vota-se em todo o país mas se computa separadamente como 50 votações à parte. O candidato ganhador em cada estado leva toda a representação do mesmo, de seu peso eleitoral, que se soma para determinar o que é realmente uma eleição indireta do presidente.

Não são poucos os que criticam o mercantilismo que impregna toda a campanha eleitoral, na qual se aplicam técnicas de marketing, que muitas vezes viabilizam o êxito. Paralelamente, ou depois, que se obtêm as credenciais com os círculos do poder, se trata de ‘vender’ um produto (o candidato), para o qual os votantes são tratados como consumidores.

Pesquisadores e agências de especialistas determinam diferenciadamente os desejos, temores e sentimentos deste ou daquele setor da população ou região do país e baseado nisso, desavergonhadamente, se articulam os discursos e as promessas, os embustes e insinuações acerca do adversário.

Ao final, a competição política no nível presidencial se reduz a uma questão de adular os cidadãos, e inclusive infundir-lhes temores, sem que no escrutínio em si haja muita coisa em jogo, salvo legitimar a instalação no cargo do político talvez mais hábil entre os dois concorrentes que representam a elite do poder econômico.

Desacreditam-se os “extremos” e se assume e impõe uma suposta “política centrista e responsável” que conduz a que os privilégios de classe persistam sem nenhum desafio sério. Priva-se o povo de opções sobre os assuntos mais importantes de caráter socioeconômico. As elites políticas e midiáticas têm limitado o discurso público eleitoral em marcos estreitos que invariavelmente reforçam o status quo.

Não obstante, por trás do espectáculo, o sistema de monopólio por dois partidos que se alternam no governo tem sido uma base fundamental da estabilidade da política nacional. Ambas as entidades têm sido – nas palavras de Sánchez Parodi – “elemento essencial para a repartição das cotas de poder entre os setores dominantes e marco para a solução negociada expressa o tácita dos conflitos ou contradições de interesses entre tais grupos”.

Parte dessa pugna de interesses se expressa através do financiamento de campanhas e das grandes redes de meios de comunicação, que lucram com centenas de milhões de dólares em anúncios de campanha pagos, e mediante a manipulação das esperanças e dos medos, praticamente predeterminam quem é elegível ou não entre os dois representantes da elite do poder.

Numerosas travas e regulamentações existem também para garantir a armadilha e a exclusividade bipartidária; nem os democratas nem os republicanos querem ninguém estruturando partidos à margem do duopólio bipartidista. Para isso construíram um labirinto de leis discriminatórias e onerosas para a inscrição de candidatos alternativos nas cédulas, e para impedir de fato a formação ou as possibilidades do que se chama um ‘terceiro partido’.

Em determinadas conjunturas, estes têm tido amplo respaldo, mas o sistema se encarrega de fazer aparecer como algo que não leva a nada, como um mero desperdício do voto para um eleitorado que, finalmente, é conduzido a votar no ‘mal menor’.

Esse chamado a votar no menos mau, ante a repetida ausência de reais alternativas políticas, acaba sendo o mais efetivo estímulo para a participação dos eleitores em prol dos candidatos do duopólio partidário, e um maravilhoso dispositivo da classe dominante.

Por outro lado, o processo eleitoral manipulado e de limitadas opções ocasiona o desenfoque e a desmobilização periódica dos setores progressistas, que nos anos de eleições – e no período pré-eleitoral – são levados a fixar-se apenas nos sintomas da política, nos temas da conjuntura, da agenda que o sistema dita, e não sobre a estratégia e a essência de suas lutas.

O alto custo das campanhas eleitorais, para viajar por esse grande país, contratar pessoal e conseguir visibilidade é um grande obstáculo para opções alternativas. E dado que os meios de comunicação não dão cobertura aos terceiros partidos, a imensa maioria das pessoas se mantém ignorante de sua existência.

Esses partidos eleitorais alternativos sempre foram agrupamentos minoritários, de vida curta e são influentes somente devido a certos efeitos moderadores pontuais que provocam sobre a linha dos dois grandes partidos. Todos falharam devido às poderosas máquinas destes e seu entrelaçamento com os grandes negócios, assim como pelos hábitos políticos e a ideologia das massas, mas também devido às práticas legais e ilegais que se aplicam para marginalizar outras organizações políticas.

Utilizam-se artifícios ao desenhar de maneira interesseira o contorno dos distritos eleitorais; a edição de leis e decretos para dificultar a inscrição de tais partidos, a exigência de números excessivos de assinaturas para isso; as ações e decisões tendenciosas e distorcidas por parte de funcionários e juntas eleitorais (que em cada um dos estados do país estão controladas ou pelos democratas ou pelos republicanos). Igualmente, são antidemocráticas as regras que possibilitam maior acesso a fundos federais aos dois grandes partidos e outras.

Aplicaram-se ações ilegais como a marginalização pelos meios de comunicação, a exclusão para participar nos debates de televisão, campanhas difamatórias e até a sabotagem e a violência. Inclusive, a própria forma como se formulam as pesquisas de opinião solapa a capacidade de candidatos alternativos e dos demais partidos para participar na disputa.

Os dois partidos do sistema são coalizões bastante mutáveis e desalinhadas, heterogêneas e multiclassistas. Suas estruturas são débeis e descentralizadas, o que é uma fonte de sua falta de coesão, mas também por isso são mais suscetíveis a ter órgãos nacionais e funcionários controlados pelas elites e que respondem a tais interesses.

Esses dois partidos não têm membros mas ‘aderentes’; não têm carnê nem pagam cotas; não têm que cumprir obrigações para sua admissão, nem critérios precisos para isso. Mas em seu seio contam com máquinas eleitorais regionais, compostas por pequenos grupos de advogados, consultores de mídia e arrecadadores de fundos nucleados em torno dos deputados e senadores, prefeitos e outros políticos desta ou daquela região, e em seu conjunto constituem entidades bem conectadas com os que detêm o poder econômico-financeiro.

Um analista estadunidense se fazia a pergunta: “Como é possível que um partido antissindical, oposto ao controle de armas, ao aumento dos salários e ao direito das mulheres, que é indiferente ao endividamento crescente do estudantado, que se opõe a aplicar regulamentações e impostos às corporações e aos bancos, mas apoia a concessão a estes de subsídios, que nega a própria realidade da mudança climática…, como é possível que tal partido, o Republicano, seja visto como legítimo e obtenha algum tipo de ‘respaldo’ eleitoral de um número significativo de norte-americanos?”.

E esta mesma pessoa responde que o assunto se assenta em profundos tabus da história do país, em seus medos e manipulações, incluindo em primeiro lugar seu profundo racismo.

Os vínculos dos eleitores com ambos os partidos se debilitaram. A maioria deles se registram como ‘independentes’, e se supõe que eles são a maior parte dos que se abstêm de votar. Embora parte do eleitorado mude de preferências facilmente segundo os temas do momento, estima-se que somente 5% dos votantes mude de partido entre uma e outra eleição.

Em geral, as diretivas têm escasso controle na seleção de candidatos e nas plataformas que estes sustentam. Embora lhes sirvam de plataforma, os candidatos podem obter a indicação em um ou outro partido de maneira independente, dados o papel da TV e dos meios de comunicação, a aquisição e uso de listas de correios para levar suas mensagens diretamente ao eleitor. Também se beneficiam de leis de financiamento que lhes permitem operar à margem das máquinas partidárias, mas que os tornam mais independentes dos que detêm o poder do dinheiro, assim como mais propensos à corrupção.

De modo que boa parte dos congressistas de um e outro partido mantêm o cargo não devido à benção e o apoio dos líderes nacionais do partido, mas devido ao trabalho que eles e os que os apoiam realizaram nos distritos que representam … e onde para ganhar se veem obrigados às vezes a compor coalizões bastante conjunturais, nas quais as conexões com os grupos de poder regionais são decisivas.

Com tal autonomia relativa e em um país tão diverso, é inevitável que os ocupantes de cargos eletivos cruzem frequentemente as linhas partidárias, principalmente quando ambos os partidos não têm grandes diferenças.

O professor Walter Dean Burham, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), assinalava que o Partido Republicano é genuinamente um partido da direita… mas sem contraparte de esquerda no mercado eleitoral estadunidense”. Os democratas “nem remotamente jamais foram um partido de esquerda… São uma mistura de segmentos e interesses extremamente diversos, que vão desde alguns importantes setores do grande capital até os trabalhadores industriais e os negros dos guetos”.

Nas últimas décadas o Partido Democrata cultivou a manipula muitas das bases de trabalhadores e das minorias, ao manter a falsa imagem de ser o partido que gera empregos e mais benefícios ao cidadão comum, mas suas políticas fundamentais e sua estratégia são igualmente definidas pelos interesses e fundamentos econômicos das classes endinheiradas. Ademais, é evidente que ambos os partidos se deslocaram mais para a direita durante o período de maior virulência neoliberal.

Tanto democratas como republicanos, segundo o cientista político estadunidense Michael Parenti, “estão comprometidos com a preservação da economia corporativa privada, com os enormes orçamentos militares, com o uso de subsídios, gastos deficitários, concessões e isenções de impostos para estimular os lucros empresariais; estão comprometidos a canalizar os recursos públicos através de canais privados, incluindo o desenvolvimento completo de novos ramos às expensas dos recursos públicos; estão comprometidos a empregar a repressão contra os opositores (ao sistema) e à defesa do sistema corporativo multinacional…”

Contudo, a equivalência ou semelhança entre ambos os partidos não impede que compitam vigorosamente para empoderar-se e conquistar os cargos eletivos, as sinecuras e as prebendas que isto implica. Para isso fazem um considerável antagonismo retórico e recorrem às piores baixarias.

Ambos os partidos propugnam o belicismo e a esse respeito diferem principalmente na argumentação que utilizam para justificar o intervencionismo. A política externa do país e seu caráter imperialista, além de esmagar a soberania dos países, teve um efeito interno também contrário à democracia e ao exercício das liberdades civis.

Nos próximos dias essa campanha chega ao fim. Quase a metade do eleitorado se absterá de votar em 8 de novembro. A eleição do novo presidente ou presidenta será vendida como um exercício democrático. Depois de tantas ofensas e artimanhas, cabe a possibilidade de que se repita o ritual demagógico em que o candidato perdedor não poupará elogios a quem assumirá o cargo. Contudo, outros preveem possibilidades de violência.

Finalmente as promesas e as plataformas serão em sua maioria engavetadas e começará então “o real negócio de governar” com a vênia das elites financeiras.

(Artigo escrito antes da eleição, extraído de um capítulo de livro do autor em processo de edição).

*Analista político cubano
Fonte: Cubadebate; traduzido por redação do Resistência

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