Opinião

O fascismo de colarinho branco

09/07/2016

Nos tempos áureos da Gládio*, o fascismo clandestino da OTAN, o terrorismo de sangue era a receita mais óbvia para impedir o acesso de Partidos Comunistas às áreas do governo na Europa Ocidental. O covarde assassínio de Aldo Moro, em 1978, e o massacre de Bolonha**, em 1980, são exemplos da conspiração permanente centrada em Itália que ficou conhecida como “estratégia de tensão” e pretendia assegurar a governação pelos do costume, do Bloco Central à extrema-direita e seus avatares de ocasião.

Por José Goulão

Noutros países aplicavam-se variantes, sob a batuta dos mestres da CIA, recorrendo-se até ao encarceramento à força na CEE, à tortura austeritária*** ditada pela moeda única para que os mecanismos associados cumprissem o dever de distinguir, sem apelo, entre os “verdadeiros democratas” e os outros.

Como muito bem sabemos.

Hoje o século é outro e tornou-se tudo muito mais fino e requintado. O dom de policiar a democracia passou de generais brutamontes para cavalheiros ungidos com o toque de Midas da tecnocracia, cabendo-lhes “fazer o papel de Deus na Terra”, como gosta de dizer o boss de todos eles e padrinho da Goldman Sachs, Lloyd Blankfein. O terrorismo sangrento passou dos grupos avençados de «extrema-esquerda», que aliás forneceram hábeis quadros da mistificação política, para os mercenários fundamentalistas islâmicos, deslocalizados lá onde é preciso garantir o acesso a matérias-primas, rotas estratégicas e outras necessidades do novíssimo colonialismo.

O objetivo fundamental, porém, continua imutável: reduzir a democracia a um conjunto vazio e marginalizar, de preferência eliminar – ponham os olhos na Ucrânia –, os Partidos Comunistas, aliados e afins. A tarefa de governar só pode ser exercida por um arco que vai do bloco central à extrema-direita e as exceções, quando surgem por inadmissível bug do sistema, devem arrepender-se de ter nascido.

O fascismo mais ou menos clandestino da Gladio institucionalizou-se em forma humanoide de tecnocratas, trocou a farda militar pelo colarinho branco, assume-se com mentalidade e comportamentos de partido único e é sustentado às escâncaras pela OTAN, mais pujante do que nunca. Tudo muito civilizado, polido, em poses para câmeras atentas, veneradoras e obrigadas, com sorrisos hipócritas, o dedo em riste e cenhos crispados para pontuar a gravidade das circunstâncias e as tropelias das ovelhas tresmalhadas.

O neoliberalismo atingiu o patamar de ganância, anarquia – e crise – em que depende absolutamente do fascismo político para sobreviver na plenitude dos fascismos econômico e financeiro.

Se Portugal aplica as 35 horas semanais, é porque tem funcionários públicos a mais, sentencia o FMI.

Portugal precisa de um novo resgate, adverte o fascista Schäuble, irritado com os atrevimentos de uns míseros preguiçosos do Sul.

Portugal não pode recuar nas leis laborais, ataca de novo o FMI.

Portugal está a “reverter reformas” – essa “é a minha única preocupação”, ameaça o fascista alemão Klaus Regling, a quem os senhores da União Europeia entregaram a gestão do “Mecanismo de Estabilidade Europeia”.

Portugal: sanções sim, sanções não, sanções talvez, recita o presidente da Comissão. Sanções? Castigos como quem põe orelhas de burro a um garoto malcomportado, aplicados a um país e um povo soberanos, com uma longa História? Vivemos numa União de Estados independentes ou submetidos a uma corte de esbirros servindo os templos mundiais da especulação financeira?

Dia após dia, minuto a minuto, segundo a segundo, uma décima de défice, uma centésima no índice de desemprego, uma milésima nas previsões de crescimento em Portugal são, para que conste, as únicas inquietações dos tecnocratas servindo o casino financeiro mundial, expostos como fascistas de colarinho branco. Não há Brexit, não os preocupam o fascismo eslovaco, a xenofobia instalada contra comunidades de cidadãos na Letónia e na Estónia, o neonazismo manobrando na Áustria, Hollande e Valls gerindo um estado de exceção como se fossem a senhora Le Pen.

Porém, não são décimas disto, centésimas daquilo, milésimas de aqueloutro que tiram o sono aos fascistas engravatados. O que não podem tolerar é uma fórmula de governo que viola as normas do sistema ditatorial instalado. Daí que a sua estratégia tenha adquirido a forma de humilhação e asfixia de todo um povo. Terrorismo engravatado não deixa de ser terrorismo.

Por todas as razões – e mais esta – é preciso resistir. Passa por aqui a última fronteira entre a democracia e o fascismo na Europa.

 

* Organização clandestina que, durante a guerra fria, unia os serviços de informação dos países da Europa Ocidental e da Otan, contra o “perigo de uma revolução comunista” (Nota da Redação do Resistência)

** Atentado terrorista na Estação Central de Bolonha que matou 85 pessoas e feriu outras 200. Membros de grupos neofacistas – apoiados por influentes políticos, banqueiros e jornalistas – foram condenados à prisão perpétua pelo atentado. Existe até hoje forte suspeita sobre o envolvimento da Gládio no crime. Em 1990, o jornal The Guardian divulgou depoimento do neofacista Vincenzo Vinciguerra (que também cumpria pena de prisão perpétua por outro atentado, cometido em 1972), onde ele afirmava que uma “estrutura oculta dentro do próprio Estado e ligada à OTAN, dava orientação estratégica para todos os ataques”. (Nota da Redação do Resistência)

*** Neologismo derivado da palavra austeridade. (Nota da Redação do Resistência)

Fonte: AbrilAbril

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