Opinião

O recado da Praça Vermelha

25/06/2020

“O presidente da Rússia, Vladimir Putin, fez um apelo à unidade nacional para enfrentar os grandes desafios e ameaças com que o país se defronta. E enviou um sinal ao mundo, principalmente à superpotência americana, de que desempenha e pretende seguir desempenhando um papel de protagonista na cena internacional”, escreve o dirigente comunista José Reinaldo Carvalho, editor da Página da Resistência 

Por José Reinaldo Carvalho (*) 

“É impossível imaginar o que teria acontecido no mundo se o Exército Vermelho não tivesse vindo em sua defesa”. Pronunciadas em tom enfático perante 15 mil militares na manhã desta quarta-feira (24), em pleno verão moscovita, em uma Praça Vermelha engalanada, as palavras do presidente russo revestem-se de profundo significado.

O acontecimento é habitualmente comemorado a cada 9 de Maio, Dia da Vitória, mas neste ano foi adiada devido à pandemia da Covid-19. 

Putin pediu que o povo russo relembre os ingentes sacrifícios das gerações passadas durante a Grande Guerra Patriótica (1941-1945) e tenha sempre presente que foram os povos soviéticos os que pagaram o preço mais caro na luta contra o nazifascismo, a maior ameaça à humanidade na primeira metade do século 20. Ao exaltar a façanha da União Soviética, o líder russo enfatizou a importância de “proteger e defender a verdade” sobre aquela guerra. 

“Sempre vamos lembrar que o nazismo foi derrotado pelo povo soviético”, disse Putin. “O povo soviético pôs fim ao Holocausto, salvou o mundo do fascismo”.

O presidente observou que, depois de defender sua própria terra, os soldados soviéticos “continuaram a lutar”. “Eles libertaram os Estados europeus dos invasores, puseram fim à terrível tragédia do Holocausto, salvaram o povo da Alemanha”. 

Putin não deixou de frisar a importância da aliança antifascista e recolheu o ensinamento da história. “Apenas juntos podemos proteger o mundo de novas ameaças perigosas”, asseverando que a Rússia está aberta ao diálogo e à cooperação com outros países. 

O mandatário falou o óbvio, por isso mesmo poderá ter causado estranheza e assombro nas forças obscurantistas, reacionárias e recalcitrantes que são sempre reativas quando se trata de encarar as verdades históricas. 

Mas as verdades históricas precisam ser sempre lembradas para que os acontecimentos trágicos jamais se repitam . No nosso caso, os comunistas, isto é necessário para que permaneça vivo na memória dos povos o espírito de resistência e luta que caracterizou a União Soviética e a façanha libertadora dos povos que constituíram aquele grande e poderoso país socialista. 

Os povos da União Soviética pagaram o mais terrível preço em vidas humanas e prejuízos materiais, com a morte de 27 milhões dos seus cidadãos, incluindo 7,5 milhões de soldados. 

As vitórias do Exército Vermelho nas históricas batalhas de Moscou (outubro de 1941 a janeiro de 1942), Stalingrado (agosto de 1942 a fevereiro de 1943), Kursk (entre a primavera e o verão de 1943) e Berlim, na primavera de 1945, permanecerão indelevelmente marcadas na memória da humanidade, como o tributo dos povos soviéticos para a causa da libertação.

A vitória sobre o nazifascismo foi fruto também da união dos povos e das forças democráticas no âmbito de cada país e da ação política e militar de uma ampla aliança internacional antifascista, de que fizeram parte a União Soviética, o Reino Unido e os Estados Unidos.

Mas há quem faça a leitura enviesada do discurso de Putin na comemoração do Dia da Vitória, atribuindo-lhe caráter eleitoreiro em face do referendo constitucional marcado para 1º de julho próximo. Pretende-se que Putin está jogando com o fervor patriótico que se mantém aceso quando ocorrem celebrações como esta. Seria uma cartada para manipular o sentimento popular, em um momento de evidentes dificuldades socioeconômicas no quadro da pandemia da Covid-19 que afeta imensamente a Rússia. Sobretudo, acusa-se Putin de arquitetar a sua unção como “ditador”, ao postular o fim da limitação dos mandatos presidenciais. 

Não há dúvidas de que a afirmação dos valores patrióticos pode exercer influência no eleitorado e favorecer as emendas constitucionais propostas por Putin. Mas não foi este o aspecto principal da sua mensagem. 

Essencialmente, o mandatário russo fez um apelo à unidade nacional para enfrentar os grandes desafios e ameaças com que o país se defronta. Decerto, a realização deste objetivo poderá ser mais factível na medida em que o apelo à unidade inclua medidas progressistas e gestos não apenas simbólicos para com os comunistas, força atuante no país. 

Igualmente, a Rússia envia um sinal ao mundo, principalmente à superpotência americana, de que desempenha e pretende seguir desempenhando um papel de protagonista na cena internacional, no novo quadro geopolítico de multipolaridade que vai sendo configurado em meio a contradições e conflitos.  

Os Estados Unidos já captaram a mensagem da Rússia e desde há algum tempo esboçam reação. O chefe da Casa Branca, Donald Trump, anunciou que os EUA provavelmente deslocarão para a Polônia, como sinal à Rússia, parte das tropas que serão retiradas da Alemanha. Encontram-se adiantados os acordos militares entre Washington e Varsóvia, como se viu no pomposo encontro entre o inquilino da Casa Branca e o presidente polonês Andrzej Duda nesta quarta-feira (24). 

O conceito estratégico da Otan toma como uma de suas principais tarefas conter a “ameaça russa”. O papel geopolítico da Rússia pode elevar-se bastante se tiver em conta a ameaça do imperialismo estadunidense, enfrentá-lo com firmeza estratégica e discernimento tático, fazendo as escolhas certas e distinguindo-se no concerto mundial como país partidário da paz, como foi no passado a União Soviética.

(*) Jornalista, editor da Página da Resistência, membro do Comitê Central e da Comissão Política Nacional do PCdoB

 

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