Opinião

O termômetro político “sobe 40 anos” no Saara Ocidental

05/03/2016
O presidente da RASD, Mohamed Abdelaziz

A temperatura política sobe no Saara Ocidental ao nível de 40 anos de lutas frente ao domínio marroquino, cumpridos em 27 de fevereiro último, e aos 132 anos de estabelecida a Espanha como primeira potência ocupante desse território.

Por Antonio Paneque Brizuela*

Celebração? Ou comemoração de um holocausto? É o que poderiam perguntar alguns sobre este aniversário da proclamação da República Árabe Saarauí Democrática (RASD), primeiro porque durante todo esse tempo seus inimigos não puderam destruí-la e segundo porque isso foi conseguido às custas de muitas vidas.

Em todo caso, os saarauís festejaram nesse dia sua integridade, unidade nacional, heroísmo e resistência; mas também denunciaram a falta de reconhecimento da ONU, da comunidade internacional e o descumprimento do compromisso de 1991 a respeito de um referendo para votar sobre a autonomia do território.

Um quarto de século de falta de gerenciamento, seriedade e ausência de decisão em escala global, frente aos obstáculos impostos por Rabat e seus parceiros ocidentais como a França, mas também de combate, dia a dia, para que se cumpram seus direitos de independência.

Mas neste aniversário El Aiun reduziu os limites de tradicionalismo e o presidente da RASD, Mohamed Abdelaziz, advertiu que a temperatura na região ainda pode esquentar bem mais, inclusive com o emprego das armas contra Marrocos, assim como ele e muitos de seus compatriotas fizeram antes frente às duas metrópoles.

“Não alcançamos a liberdade e a independência e, se Marrocos nos obriga, como fez em 1976, vamos retomar a luta armada”, sublinhou o chefe de Estado em uma postura já abordada em fóruns como o 14º  Congresso em dezembro passado da Frente Popular de Libertação de Saguía el Hamra e Rio de Ouro (Frente Polisário).

Em seu discurso comemorativo dos 40 anos perante dezenas de milhares de saarauís, Abdelaziz se referiu à ocupação do Saara Ocidental em 1976 por parte de Rabat, depois da retirada da Espanha, potência colonial desde 1884, e à disposição combativa do povo.

Um exército “preparado para eventualidades”

O líder saarauí saudou “os heroicos combatentes do Exército”, uma demonstração dos que desfilaram no ato frente a uma inesperada tempestade de areia, “que estão preparados para enfrentar todas as eventualidades e desafios”, e recordou que permanece aberta “a lista do sacrifício, da glória e do martírio”.

Dito isto, Abdelaziz assegurou que Marrocos busca impor “a arrogância e o desprezo”. Mas, alinhado com a possibilidade negociadora que seu governo mantém, enviou também “uma mensagem de fraternidade ao povo irmão marroquino e ao seu governo”, e a intenção de “trabalhar juntos para acelerar a organização do almejado referendo”.

O presidente da RASD transmitiu a Rabat que um Estado saarauí independente será benéfico também para o Marrocos e para a paz e a boa vizinhança, pois “encontrará neste país um vizinho sincero, tolerante e distante de qualquer tendência de vingança”.

De acordo com o governante, os acontecimentos recentes no Saara Ocidental confirmam a falta de vontade real do ocupante marroquino para buscar uma solução justa e global ao conflito bilateral.

“Há um cerco militar marroquino e de segurança sufocante nas zonas saarauís ocupadas – explicou – e um assédio contra os direitos humanos, junto à expulsão sistemática de observadores internacionais independentes que podem testemunhar a verdade””.

O presidente saarauí criticou também as flagrantes violações que o Marrocos perpetra aos direitos humanos e o intenso saque que faz aos recursos naturais saarauís, as brutais campanhas de repressão e prisão injustificadas de civis, sem cometerem crime algum, “a não ser o de reivindicar a aplicação das resoluções e da Carta da ONU”.

Em relação aos aliados de Rabat em seu empenho anti-saarauí, Abdelaziz considerou que é  desafortunado que certos países “apoiem descaradamente a ocupação marroquina e persistam na intransigência e obstrução” ante as demandas da RASD, “um povo que ainda não goza da livre determinação”.

Acelerar o reconhecimento mundial

Abdelaziz chamou os governos dos demais países para que ajudem a acelerar o reconhecimento da RASD, e a respaldar sua candidatura à ONU “como apoio à legitimidade, à paz e pela descolonização do continente africano”, em referência a que esta é a última colônia da região e uma das 16 do planeta.

“Essa seria uma sábia decisão, já que um Estado saarauí independente, com plena soberania, constituirá um fator moderador, de equilíbrio e estabilidade na África”, apontou.

Segundo o presidente, o mundo não pode permanecer indiferente diante dessas práticas coloniais em pleno século 21, “uma ocupação militar marroquina ilegítima, cuja essência é a expansão, a agressão e a inundação da região com drogas, pois é o maior produtor e exportador de cannabis do planeta”.

Seria uma vergonha para a ONU e a comunidade internacional, sublinhou, deixar de aplicar medidas contra Rabat, que acelerem a legitimidade para que a Minurso (Missão para o Referendo no Saara Ocidental, instalada em 1991) cumpra seu papel “no menor tempo possível”.

Sobre as atuais gestões da ONU mediante a recente visita do enviado especial do Secretário Geral do organismo mundial, Christopher Ross, para preparar a visita de Ban Ki-moon no início de março, o presidente Abdelaziz denunciou “as tentativas em curso para evitar o desempenho de suas funções”.

Segundo o líder saarauí, Marrocos e seus aliados tentaram evitar o acesso de ambas as autoridades à região mediante limitações e pressões em relação a “seu tempo, seu programa e seu objetivo, e com a negativa sobre os informes e resoluções do Conselho de Segurança”.

Advertências e denúncias a partir de Cuba

Em 26 de fevereiro passado, um dia antes do discurso de Abdelaziz em El Aiun, um alto dirigente da RASD, Omar Mansur, ministro para a América Latina e o Caribe, adiantou essa posição de seu governo ante a demora em tratar o assunto em fóruns internacionais.

Ao intervir em um ato comemorativo também pelo aniversário da RASD no Instituto Cubano de Amizade com os Povos (ICAP), Mansur, de visita amistosa na Ilha, exortou a ONU a acelerar o referendo e sublinhou que seu povo “esperou com paciência, mas essa paciência chega ao limite”.

“Queremos chamar a partir de Cuba o secretário geral da ONU a utilizar todas as suas forças e o Conselho de Segurança para que em abril próximo ajude na mobilização do consenso na ONU para que se cumpra a realização dessa consulta popular”, expressou o ministro saarauí, que é também fundador da Frente Polisário e membro de seu Secretariado Nacional.

Mansur revelou à Prensa Latina que seu governo detectou recentes manobras de boicote marroquino e de outras forças contra a visita de Ban Ki-moon e Christopher Ross aos territórios ocupados, ambos em função do informe que o secretário geral apresentará em abril ante a ONU, depois de percorrer a região nos dias 6 e 7 de março.

O esforço da Frente Polisário, desde o cessar-fogo em 1991 na guerra contra o Marrocos com a promessa de um referendo com mediação da ONU, “deve ser levado em conta”, indicou ao falar na comemoração no ICAP.

Este movimento de resistência, advertiu, está agora em uma encruzilhada: ou continua esperando que a ONU cumpra o que foi estabelecido, ou chega à conclusão de continuar a luta de libertação com os meios ao nosso alcance, advertiu o ministro.

“Essa é a disjuntiva que temos, sobre a qual tivemos respostas no último congresso desta organização” (Frente Polisário), vanguarda política e militar da RASD, fundada em 10 de maio de 1973.

Além da RASD, as outras colônias que existem no mundo são as britânicas Anguilla, Bermudas, Ilhas Cayman, Ilhas Malvinas, Ilhas Turcas e Caicos, Ilhas Virgens Britânicas, Monserrat, Santa Elena, Gibraltar e Pitcairn; as estadunidenses Ilhas Virgens, Guam, Samoa Americana e o Estado colonial de Porto Rico; a francesa Nova Caledônia; e a neozelandesa Tokelau.

*Jornalista da Redação da África e Oriente Médio da Prensa Latina.

Compartilhe:

Leia também