Opinião

Após motim, cenário é de maior tensão entre Rússia e potências ocidentais

02/07/2023

As potências ocidentais querem tirar proveito da instabilidade na Rússia para derrotá-la na Ucrânia, escreve o dirigente comunista José Reinaldo Carvalho

Por José Reinaldo Carvalho (*) – A recente crise envolvendo o motim da milícia Wagner na Rússia, debelada com sucesso pelo presidente Vladimir Putin, suscitou uma série de reações políticas entre os máximos representantes das potências imperialistas ocidentais, designadamente o presidente dos EUA, Joe Biden, o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, e o Alto Representante de Política Externa e Segurança da União Europeia, Josep Borrell.

A primeira preocupação dessas autoridades foi esquivar-se de qualquer responsabilidade com os fatos ocorridos nos dias 23 e 24 de junho. O mais preocupado com isso foi o chefe da Casa Branca, enfático ao negar qualquer rumor ou acusação de ação conspirativa e intervencionista na intentona de Evguêni Prigozhin. Pegaria mesmo mal, tendo em vista a exaustiva divulgação pela mídia estadunidense da nada edificante biografia do chefe do Wagner. Seria injustificável facilitar a tomada do poder por uma figura com aquelas qualificações num país que disputa palmo a palmo com os EUA a condição de maior potência nuclear do planeta.

Isto, entretanto, não anula nem diminui o envolvimento das potências ocidentais na campanha política, diplomática, econômica e militar para debilitar a Rússia, fomentar uma crise interna, alimentar a instabilidade, golpear o chefe do Kremlin e até mesmo fragmentar o país. O principal diplomata da União Europeia, Josep Borrell, afirmou que o motim de Wagner mostra que a guerra na Ucrânia está “quebrando” a Rússia. É importante para o Ocidente coletivo mostrar que a Rússia é um ator agressor nesse conflito, um país violador da soberania ucraniana e uma potência de ocupação territorial. Mas a afirmação de que a Rússia está sendo “quebrada” pode não refletir necessariamente a realidade. Trata-se muito mais de um desejo e uma tentativa de destacar as consequências negativas que a Rússia está enfrentando em virtude de suas próprias ações.

A posição das potências ocidentais sobre os acontecimentos na Rússia deve ser analisada em um contexto mais amplo. A guerra dessas potências contra a Rússia está no centro de uma das principais lutas geopolíticas da atualidade e faz parte do grande embate de nossa época entre o hegemonismo dessas potências e a construção do mundo multipolar, sendo a Rússia um dos principais vetores desse último aspecto.

É sintomático que no auge da crise na Rússia gerada pelo motim da milícia Wagner, o presidente dos Estados Unidos tenha mantido conversações diretas com os principais líderes ocidentais, entre eles Olaf Scholz, da Alemanha, Rishi Sunak (Reino Unido), Giorgia Meloni, a líder de extrema-direita da Itália e Volodimir Zelensky, o presidente-fantoche da Ucrânia. O teor principal dos entendimentos foi a reafirmação do apoio multilateral à Ucrânia e a insistência em multiplicar a ajuda militar a Kiev em sua contra-ofensiva contra a presença militar russa no território ucraniano e a reiteração da estratégia de levar o conflito até a expulsão dos russos. No curso da semana seguinte ao motim, e tendo em vista a preparação da próxima cúpula da Otan (Vilnius, Lituânia, 11 e 12 de julho), têm sido intensos os entendimentos sobre a adoção de novos conceitos estratégicos da Aliança Atlântica e a forma de incorporar a Ucrânia. Na impossibilidade de assegurar oficialmente a condição de país membro, são lançados balões de ensaio sobre diferentes maneiras de integrar a Ucrânia aos quadros do bloco militar.

O secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, tem aproveitado a situação para brandir a tese do debilitamento da Rússia a partir do que teria sido, em sua opinião, o “grande erro estratégico” cometido por Moscou ao desencadear desde 24 de fevereiro do ano passado a Operação Militar Especial em território ucraniano, alimentando nos aliados a expectativa de que a Rússia está fracassando em seus intentos de aumentar sua esfera de influência no Leste Europeu. Contudo, são cada vez maiores as contradições no seio da Aliança Atlântica, reveladoras de que a análise de Stoltenberg sobre os eventos geopolíticos em curso é falha e que o bloco nem é tão forte, nem invulnerável na execução de sua estratégia. O mesmo erro pode estar sendo cometido por outro prócer europeu, Josep Borrell, o Alto Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança. Ele considera que o momento é propício para avançar na Ucrânia, porquanto há evidências de que a Rússia está quebrando.

Os sinais que vêm de Moscou são outros. O Kremlin está tomando medidas para no front interno contornar a crise e paralisar a instabilidade gerada pelo motim da milícia Wagner, fortalecendo o comando militar e preparando as condições para uma eventual nova ofensiva a fim de consolidar as posições políticas e militares conquistadas na Ucrânia.
Tudo indica que se acumulam os fatores de polarização política e tensão militar em torno da guerra na Ucrânia, com impactos em toda a situação política mundial.

(*) Jornalista, editor do Resistência, membro do Comitê Central e da Comissão Política Nacional do PCdoB e secretário-geral do Cebrapaz – Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz

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