Opinião

Mao Tsetung: construtor do Partido Comunista da China, do Exército Popular e líder da Revolução

26/12/2023

Mao Tsetung foi o mais importante líder da história da China, escreve o dirigente comunista José Reinaldo Carvalho

Por José Reinaldo Carvalho (*) – O povo chinês celebra neste 26 de dezembro o 130º aniversário natalício de Mao Tsetung, o maior dos chineses, uma figura monumental na história mundial, um líder multifacetado que moldou os destinos da China e deixou uma marca indelével no cenário internacional. 

Mao Tsetung foi o mais importante líder da história da China. Tornou-se um dos mais destacados líderes mundiais, uma das principais referências do movimento comunista internacional. Seu nome e sua obra estão ligados como inspiração e referência da libertação nacional da China, da construção do socialismo na grande nação asiática e de todas as lutas emancipadoras dos povos dos países dependentes e oprimidos do século 20. Seu papel é destacado como fundador do Partido Comunista da China (PCCh), criador do Exército Popular de Libertação (EPL), arquiteto da doutrina da Guerra Popular Prolongada, da Revolução da Nova Democracia e como o dirigente que comandou o estabelecimento das bases para a transformação radical da sociedade chinesa.

Mao Tsetung enriqueceu o acervo teórico do movimento revolucionário da China e do mundo com a “chinificação” do marxismo-leninismo, a fusão da teoria revolucionária com a realidade concreta da sociedade chinesa e a prática concreta da revolução. O Pensamento Mao Tsetung, também conhecido como maoísmo, é uma sistematização teórica, uma generalização de conceitos elaborados sobre a base da experiência concreta da revolução chinesa. Mao Tsetung fez importantes teorizações sobre a questão nacional, a questão camponesa, o protagonismo das massas populares como sujeito principal da revolução, o apoio nas próprias forças, as peculiaridades nacionais, o entrelaçamento da causa nacional com o socialismo. A maior contribuição de Mao Tsetung ao povo chinês e ao Partido Comunista da China foi aplicar os princípios do marxismo-leninismo à prática concreta da revolução chinesa. Esta foi uma das chaves da vitória da revolução. 

Um dos princípios fundamentais da Revolução Chinesa, foi a linha de massas de Mao Tsetung, o desencadeamento do poder criador das massas populares, cuja iniciativa ele soube desatar e comandar. A “Linha de Massas” proposta por Mao Tsetung enfatiza a participação ativa e a mobilização das massas populares. Mao acreditava que a força de uma revolução não emanava apenas de um pequeno grupo de líderes, mas do apoio e envolvimento maciço do povo. Ele acreditava na sabedoria coletiva das massas e defendia a consulta popular e a participação direta das massas nas decisões políticas, econômicas e sociais. 

Com sua visão revolucionária, Mao compreendeu as particularidades do desenvolvimento da luta de classes na China e propôs a teoria da Revolução da Nova Democracia. Este conceito inovador preconizava a formação de uma ampla frente única para combater a opressão imperialista e feudal. A Revolução da Nova Democracia abriu caminho para a construção do socialismo. Mao fundamentou o programa político da Revolução Chinesa como uma revolução anti-imperialista, anticolonial e antifeudal. Para ele, o curso histórico da revolução chinesa se dividia em duas etapas: a revolução democrática e a revolução socialista. Ainda que fosse na primeira etapa uma revolução democrático-burguesa, “já não pertencia à revolução de velho tipo dirigida exclusivamente pela burguesia com o objetivo de estabelecer uma sociedade capitalista”. 

“Uma revolução de Nova Democracia – dizia Mao – é uma revolução das grandes massas do povo, dirigida pelo proletariado contra o imperialismo e o feudalismo”. Tratava-se de uma “revolução democrático-popular”. E acrescentava: “revolução contra o imperialismo, o feudalismo e o capitalismo burocrático, apoiada pelas grandes massas do povo sob a direção do proletariado”, considerando esta formulação como a linha geral e a política geral da primeira etapa da revolução chinesa.  

Outro aspecto saliente da elaboração teórica de Mao Tsetung concretizada na experiência da revolução chinesa foi a acumulação prolongada e ativa de forças por meio da criação e consolidação de bases revolucionárias no campo, cenário em que se desenvolveu a luta armada a partir da guerra de guerrilhas. Foi uma longa e cruenta luta, ocupando, com altos e baixos, fluxos e refluxos, os redutos das forças inimigas, a partir das quais foi possível acumular forças para a tomada do poder.  

A estratégia e a tática da revolução chinesa teve como um dos seus principais componentes a política de alianças. Mao orientava-se pela concepção de que nos países coloniais e semicoloniais era possível que o proletariado e seu partido estabelecessem, sob determinadas circunstâncias históricas, uma aliança com a burguesia nacional. Nela o proletariado e o partido comunista não deviam ocultar sua posição independente nem renunciar à disputa pela hegemonia. Para o Partido Comunista da China, a política de frente única com a burguesia nacional – no caso concreto, a aliança com o Kuomintang – era uma política com duas facetas, unidade e luta. Isto ocorreu principalmente durante a resistência antijaponesa. 

O ano de 1921 testemunhou a fundação do Partido Comunista Chinês e Mao Tsetung emergiu como uma das figuras-chave na sua criação. Foi sob sua direção por mais de meio século que esse partido  cresceu e se desenvolveu, para se tornar desde a sua fundação um fator decisivo em todas as etapas históricas do país, a vanguarda prestigiada, lúcida e forte da sociedade chinesa. Seu papel não se limitou apenas à fundação, mas se estendeu ao longo das décadas como um verdadeiro dínamo do Partido. Mao guiou o PCCh através de momentos cruciais, consolidando uma orientação justa e garantindo a coesão ideológica necessária para conduzir a revolução.

Mao foi também o criador do Exército Popular de Libertação, um passo histórico que se tornou o fator decisivo da resistência contra as forças opressoras, da guerra antijaponesa e finalmente na guerra civil contra o Kuomintang cujo desfecho foi o triunfo da Revolução Popular e a fundação da República Popular da China em 1º de Outubro de 1949. O papel de Mao como comandante militar estratégico brilhou durante a Longa Marcha, uma jornada épica que cimentou sua posição como líder militar, além de líder político e ideólogo. 

A teoria da Guerra Popular Prolongada, desenvolvida por Mao, tornou-se a espinha dorsal da estratégia revolucionária chinesa. Ao focar na mobilização das massas e na adaptação às condições locais, Mao promoveu uma abordagem estratégica que desafiou as táticas convencionais de guerra. A vitória na Guerra Civil Chinesa, em 1949, solidificou a eficácia dessa estratégia e trouxe à luz a habilidade militar de Mao.

Mao desempenhou um papel fundamental nas décadas iniciais da construção do socialismo na China. Seu estilo de liderança carismático e sua busca incessante por transformações sociais consolidaram a República Popular da China como um ator significativo no cenário mundial.

Mao Tsetung não apenas transformou a China, mas também desempenhou um papel crucial no movimento comunista internacional, principalmente o combate ao oportunismo de direita e ao liquidacionismo do socialismo e do Partido Comunista. 

O legado de Mao Tsetung persiste na China moderna, apesar das mudanças socioeconômicas significativas. Sua influência e visão continuam a ser fontes de inspiração, embora seu legado seja avaliado com complexidade devido aos desafios enfrentados durante a Revolução Cultural e suas consequências.

Mao Tsetung permanece uma figura inigualável na história, um líder que transcendeu as fronteiras nacionais, deixando um impacto duradouro tanto na China quanto no cenário internacional. Seu papel na transformação radical da sociedade chinesa e seu impacto no movimento comunista mundial solidificam sua posição como um líder revolucionário perene. 

O pensamento e a obra de Mao Tsetung foram submetidos ao crivo de uma crítica abrangente pelos comunistas chineses, como parte de sucessivos processos de autocrítica e autorreforma empreendidos pelo PCCh ao longo de sua história. Desde 1945, no 7º Congresso do PCCh, realizado às vésperas da derrota do nazifascismo e do triunfo da Guerra de Resistência contra a Agressão Japonesa, o PCCh adotou o Pensamento Mao Tsetung como o Guia Ideológico do Partido Comunista da China. E nunca se afastou desta posição. Ainda hoje, o pensamento Mao Tsetung faz parte da ideologia do Partido. No mencionado congresso, o informe sobre a revisão dos Estatutos, apresentado por Liu Shaoqi, assinala: “Incorporando o Comunismo e o Marxismo na China, o Pensamento Mao Tsetung é a integração das teorias Marxista e Leninista com a prática revolucionária da China” (A Concise History of The Communist Party of China, 2021). “O informe sumarizou o Pensamento Mao Tsetung como uma análise das condições do mundo moderno e da China e como uma coleção de teorias e políticas relativas à nova democracia, à emancipação do campesinato, a frente única revolucionária, a guerra revolucionária, as áreas de bases revolucionárias, a construção da república da nova democracia, a construção do Partido e a cultura”. (idem) […] “O estabelecimento do Pensamento Mao Tsetung como guia ideológico do PCCh no 7º Congresso Nacional do Partido foi o resultado natural do desenvolvimento da história chinesa moderna e da luta revolucionária do povo chinês. Baseado no árduo trabalho do povo sob a liderança do PCCh, o Pensamento Mao Tsetung gradualmente tomou forma no curso da prática, à medida que as experiências positivas e negativas foram revisadas. Ele é a cristalização da sabedoria coletiva do PCCh e esta teoria criativa enriqueceu e desenvolveu o Marxismo. A formação do Pensamento Mao Tsetung representou o primeiro salto significativo na adaptação do Marxismo ao contexto chinês. Mao Tsetung foi o grande pioneiro deste empreendimento” (idem). 

No árduo caminho de lançamento das bases econômicas do socialismo, marcado por avanços e recuos, voltas e reviravoltas, na busca por um caminho socialista que conduzisse o país a consolidar sua independência e conquistar o progresso social, e no esforço ciclópico para construir o sistema político de democracia popular, do Estado socialista e consolidar o PCCh como força dirigente, foi inevitável a ocorrência de erros da direção coletiva e do seu principal líder, Mao Tsetung. Designadamente o movimento do Grande Salto Adiante (1958-60) – um atalho para construir em pouco tempo o socialismo pleno, quando se trata de uma tarefa que pode atravessar gerações – e a Grande Revolução Cultural Proletária (1955-1976), marcada por um sectarismo que ameaçou a unidade nacional e do Partido, constituíram episódios em que Mao Tsetung foi responsável por graves erros, que oportunamente o Partido submeteu a rigorosa crítica política e teórica, da qual extraiu ensinamentos para promover sua autorreforma e abrir novos caminhos à construção do socialismo. 

Há farta documentação historiográfica na China de avaliação sobre a figura de Mao Tsetung. Para efeito deste artigo, contentamo-nos em citar algumas passagens de uma histórica entrevista concedida por Deng Xiao Ping à jornalista italiana Oriana Fallaci, em 21 e 23 de agosto de 1980. A entrevista se tornou documento oficial e foi incorporada à Enciclopédia do Partido Comunista da China. 

Oriana Fallaci: O retrato do Presidente Mao sobre o portão de Tiananmen será mantido lá?

Deng Xiaoping: Será, para sempre. No passado, havia muitos retratos do Presidente Mao. Eles foram pendurados em todos os lugares. Isso não era apropriado e não mostrava realmente respeito pelo Presidente Mao. É verdade que ele cometeu erros em um certo período, mas afinal ele foi um dos principais fundadores do Partido Comunista Chinês e da República Popular da China. Ao avaliar seus méritos e erros, sustentamos que seus erros eram apenas secundários. O que ele fez pelo povo chinês nunca pode ser apagado. Em nossos corações, nós chineses sempre o acalentaremos como um fundador de nosso partido e de nosso estado.

[…]

Durante a maior parte de sua vida, o Presidente Mao fez coisas muito boas. Muitas vezes, ele salvou o Partido e o Estado de crises. Sem ele, o povo chinês teria, no mínimo, passado muito mais tempo apalpando no escuro. A maior contribuição do Presidente Mao foi aplicar os princípios do marxismo-leninismo à prática concreta da revolução chinesa, apontando o caminho para a vitória. Deve-se dizer que antes dos anos sessenta ou do final dos anos cinquenta, muitas de suas ideias nos trouxeram vitórias, e os princípios fundamentais que ele avançou eram bastante corretos. Ele aplicou criativamente o marxismo-leninismo a todos os aspectos da revolução chinesa e teve visões criativas sobre filosofia, ciência política, ciência militar, literatura e arte, e assim por diante. Infelizmente, no entardecer de sua vida, particularmente durante a “Revolução Cultural”, ele cometeu erros – e não foram erros pequenos – que trouxeram muitas desgraças ao nosso partido, ao nosso estado e ao nosso povo. 

Como você sabe, durante os dias de Yan’an nosso Partido resumiu o pensamento do Presidente Mao em vários campos como o Pensamento de Mao Tsé-Tung, e nós o fizemos nossa ideologia orientadora. Conquistamos grandes vitórias para a revolução precisamente porque aderimos ao Pensamento de Mao Tsé-Tung. É claro que o Pensamento Mao Tsé-Tung não foi criado apenas pelo camarada Mao – outros revolucionários da geração mais antiga desempenharam um papel na sua formação e desenvolvimento – mas, principalmente, ele encarna o pensamento do camarada Mao. 

No entanto, a vitória o tornou menos prudente, de modo que em seus últimos anos começaram a surgir algumas características e ideias infundadas, principalmente às “esquerdas”. Em muitos casos, ele foi contra suas próprias ideias, contra as belas e corretas propostas que ele mesmo havia apresentado anteriormente, e contra o estilo de trabalho que ele mesmo havia defendido. Nesta época, ele perdeu cada vez mais o contato com a realidade. Ele não manteve um bom estilo de trabalho. Ele não praticou consistentemente o centralismo democrático e a linha de massa, por exemplo, e falhou em institucionalizá-los durante sua vida. Isto não foi culpa apenas do camarada Mao Tsé-Tung. Outros revolucionários da geração mais velha, incluindo eu, também deveriam ser responsabilizados. Algumas anormalidades apareceram na vida política de nosso partido e estado – formas patriarcais ou estilos de trabalho se desenvolveram, e a glorificação do indivíduo era abundante; a vida política em geral não era muito saudável. Eventualmente, estas coisas levaram à “Revolução Cultural”, o que foi um erro.

[…]

Erros começaram a ocorrer no final dos anos 50 – o Grande Salto Adiante, por exemplo. Mas isso também não foi somente culpa do Presidente Mao. As pessoas ao seu redor também se deixaram levar. Agimos em contravenção direta de leis objetivas, tentando impulsionar a economia de uma só vez. Como nossos desejos subjetivos iam contra as leis objetivas, as perdas eram inevitáveis. Ainda assim, é o Presidente Mao que deve ser considerado o principal responsável pelo Grande Salto Adiante. Mas ele não levou muito tempo – apenas alguns meses – para reconhecer seu erro, e ele o fez antes de nós e propôs correções. E em 1962, quando, devido a alguns outros fatores, essas correções não haviam sido totalmente executadas, ele fez uma autocrítica. Mas as lições não foram completamente tiradas, e como resultado, a “Revolução Cultural” irrompeu. 

No que diz respeito às esperanças do próprio presidente Mao, ele iniciou a “Revolução Cultural” a fim de evitar a restauração do capitalismo, mas ele havia feito uma avaliação errada da situação real da China. Em primeiro lugar, os objetivos da revolução foram erroneamente definidos, o que levou ao esforço de ferretar “os defensores da via capitalista no poder no Partido”. Os golpes foram tratados em quadros dirigentes em todos os níveis que tinham feito contribuições para a revolução e tinham experiência prática, incluindo o camarada Liu Shaoqi. Nos últimos dois anos antes da morte do presidente Mao, ele disse que a “Revolução Cultural” tinha sido errada em dois aspectos: um, estava “derrubando tudo”, e o outro estava travando uma “guerra civil em grande escala”. Só estas duas acusações mostram que a “Revolução Cultural” não pode ser chamada de “correta”. O erro do Presidente Mao foi um erro político, e não foi um erro pequeno. […]

Faremos uma avaliação objetiva das contribuições do Presidente Mao e de seus erros. Reafirmaremos que suas contribuições são primárias e seus erros secundários. Adotaremos uma abordagem realista em relação aos erros que ele cometeu no final da vida. Continuaremos a aderir ao Pensamento de Mao Tsé-Tung, que representa a parte correta da vida do Presidente Mao. O Pensamento de Mao Tsé-Tung não só nos levou à vitória na revolução do passado; ele é – e continuará a ser – uma posse preciosa do Partido Comunista Chinês e de nosso país. É por isso que manteremos para sempre o retrato do presidente Mao no portão de Tiananmen como um símbolo de nosso país, e sempre o lembraremos como fundador de nosso partido e estado. Ademais, aderiremos ao Pensamento de Mao Tsé-Tung. Não faremos ao Presidente Mao o que Khrushchov fez a Stálin.

A íntegra da entrevista e o link para a Enciclopédia do Partido Comunista da China estão no Resistência                                                    

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Mao Tsetung merece todas as homenagens no transcurso do seu 130º natalício. Foi sob sua direção que o Partido Comunista da China deu passos decisivos para crescer e triunfar e se transformar no grande e glorioso Partido que hoje dirige a República Popular da China.

(*) José Reinaldo Carvalho é jornalista, escritor, editor do Resistência, membro do Comitê Central e da Comissão Política Nacional do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e presidente do Cebrapaz – Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz

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