Opinião

Putin evita a catástrofe ao derrotar o motim mercenário

26/06/2023

Putin teve seus nervos e habilidade política postos à prova, mas venceu o episódio em menos de 24 horas, diz o dirigente comunista José Reinaldo Carvalho

Por José Reinaldo Carvalho (*) – Não durou 24 horas a intentona contra o governo russo por meio do motim militar do grupo mercenário Wagner, designado como “empresa militar privada”, à semelhança de outros a serviço de potências imperialistas ocidentais.

O motim foi uma grave ameaça à estabilidade política da Rússia, porquanto se voltava contra as mais altas autoridades militares do país e o próprio presidente Vladimir Putin, cujos nervos e habilidade política foram postos à prova, como se pôde constatar no pronunciamento que o chefe do Kremlin fez na manhã do sábado (24), nas medidas que tomou e na condução à distância de um acordo com Ievguêni Prigozhin, que marcou o desfecho do malsinado episódio, que poderia ter levado o país a uma severa crise e resultar em tragédia.

O desdobramento dos acontecimentos indicará até que ponto o presidente da Federação Russa contornou a crise e se conseguiu manter a coesão do governo e das Forças Armadas, a estabilidade política e social e a consistência dos seus laços internacionais. De imediato, deram resultado positivo a mensagem firme transmitida em rede de televisão, as manifestações de apoio por meio de notas de forças políticas internas, inclusive o Partido Comunista liderado por Guenadi Ziuganov, as ações políticas internas, incluindo uma ameaça de processo judicial contra os amotinados caracterizados como traidores da pátria e o recurso a uma lei antiterrorista. Também funcionou a negociação, feita com a intermediação de um aliado, o presidente bielorrusso, Aleksandr Lukashenko, em cujo território viverá doravante o chefão do Wagner. Também foram de grande valia, para enviar ao mundo sinais de serenidade, as conversas telefônicas de Putin com colegas seus da Bielorrússia, Turquia, do Uzbequistão e Cazaquistão.

De imediato, Putin foi vitorioso no seu propósito de defender o país contra a traição interna. Aplacou a rebelião, afastou seu chefe, e tranquilizou o país. Fica a interrogação sobre os efeitos da manutenção de remanescentes do grupo Wagner nas fileiras dos combatentes nacionais, mediante contrato, e as relações futuras da Rússia com Prigozhin. Como repercutirá moralmente no governo, nas Forças Armadas e entre a população o perdão concedido ao traidor? Afinal, não ficaram totalmente claras as motivações do motim. Eram conhecidas as desavenças entre Prigozhin e o comando militar russo, nomeadamente o ministro da Defesa, Sergey Shoigu e o general Valery Gerasimov, comandante do Estado-Maior das Forças Armadas Russas e primeiro vice-ministro da Defesa. Durante as poucas horas em que durou o motim, entretanto, o chefe do Wagner ensaiou uma politização do seu discurso, refutando as razões oficiais para o desencadeamento da Operação Militar Especial na Ucrânia em que até ontem estava profundamente envolvido, e agitando a bandeira da luta “contra a corrupção e a burocracia”, reveladora de ambições que iam além da substituição de Shoigu e Gerasimov.

O grupo Wagner permanecerá como tal? Residindo na Bielorrússia Prigozhin realizará ação política antirrussa ou seus movimentos serão monitorados e restringidos?

No balanço inicial do episódio é necessário assinalar que em nada afetou a capacidade ofensiva russa na Operação Militar Especial que leva a efeito na Ucrânia.

No cenário externo, as potências imperialistas ocidentais limitaram-se a dizer que estavam monitorando e observando os acontecimentos. Nenhum chefe de Estado e Governo se arvorou a assumir explicitamente o lado dos amotinados e todos se acautelaram aguardando a reação do Kremlin. Mas nos bastidores e por meio da mídia, enfastiaram o público com previsões catastrofistas de caos e guerra civil, feitas por intelectuais e jornalistas de fancaria. Esfregaram as mãos na torcida para que em caso de instabilidade grave, aparecesse um líder dissidente sem as características do chefe do Wagner, capaz de substituir Putin e conduzir a favor dos planos imperialistas o governo da Rússia. Por isso, a ênfase dos editoriais e manchetes se volta para difundir a versão de que o governo de Putin está em profunda crise, que o líder do Kremlin está vivendo uma situação política inarredável, nunca esteve tão fraco internamente e “ainda mais isolado” internacionalmente. Em tal quadro, a histeria russofóbica e a destilação de veneno contra a unidade do país tendem a aumentar.

Uma nota final sobre o uso de grupos mercenários em conflitos. Os Estados modernos, e mais ainda aqueles que defendem causas justas e progressistas, são incompatíveis com a noção e a existência de milícias, grupos paramilitares e organizações militares privadas para uso em conflitos externos.

O Grupo Wagner é uma dessas organizações, supostamente composta por ex-militares e veteranos das forças especiais. Algumas fontes se referem ao recrutamento em massa de ex-presidiários. Sua notoriedade advém da participação em conflitos como na Ucrânia, Síria e Líbia, onde atuaram em prol dos interesses russos.

Tal prática não é de patente exclusivamente russa. O uso de grupos mercenários é corrente nos Estados Unidos e em outros países ocidentais. O mais célebre é o Blackwater, agora rebatizado como Academi, cuja notoriedade está ligada às operações militares criminosas no Iraque e no Afeganistão, sob contrato com o governo estadunidense.

Está aí um tema que pode suscitar bons debates não só na mídia mas também nas chancelarias e organismos internacionais.

(*) Jornalista, editor do Resistência, membro do Comitê Central e da Comissão Política Nacional do PCdoB, e secretário-geral do Cebrapaz – Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz

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