Opinião

Irã, país milenar e líder do Oriente Médio

18/06/2018

Falar do Irã é tarefa sempre difícil. No ano de 1971, ainda sob a ditadura do Xá Reza Pahlevi, o país comemorou 2.500 anos de existência.

Lejeune Mirhan *

Falar do irã hoje significa falar de um país que fez uma revolução há quase 40 anos sem que o povo possa ter dado um tiro sequer. Falar do Irã hoje é falar da resistência anti-imperialista, do arco de alianças amplas formado na prática que envolve outros países como o Iraque, Síria, Líbano, a organização política Hezbolláh, os comunistas, socialistas, patriotas árabes, nasseristas e tantas outras correntes. Que vencem a guerra na atualidade. Pretendo com este pequeno artigo, falar da história mais antiga, mencionando o império de Ciro, passando pela islamização do país a partir de 632 e passar pelo golpe imperialista de 1953. Falarei da história mais recente, quando tratarei da revolução islâmica de 1979, abordarei a estrutura de poder político da República Islâmica e concluirei com perspectivas e desdobramentos, sem deixar de mencionar o acordo nuclear recente.

O Irã da antiguidade

A civilização iraniana ou persa, é das mais antigas da história humana. História aqui entendida como a trajetória de um povo e de uma nação ou país com vida continuada. E estamos falando de mais de 2,5 mil anos. Os persas são descendentes e herdeiros dos povos medos, na região do Vale do Indo, na Trácia e Macedônia da antiguidade. Pode-se dizer que sua constituição enquanto país/estado dá-se com o imperador Ciro, por volta de 550 antes de Cristo.

Pois bem. O aspecto mais relevante vai ocorrer a partir da expansão do Império Árabe-muçulmano a partir da morte de Maomé em 632 e com seus quatro Califas que o sucederam (Abou Baker, Omar, Othman e Ali). Antes disso, podemos dizer que a religião do Irã era o Zoroastrismo, que vem de Zoroastro, um profeta da antiguidade fundador da primeira religião monoteísta do mundo que influenciou o judaísmo, cristianismo e islamismo (o nome original era Zaratustra, mas a sua ocidentalização ficou Zoroastro).

É preciso registrar que a ligação dos persas com o Islã e os árabes vem da época de Maomé, muito antes da conquista territorial pelos muçulmanos. Ali, como sabemos, era casado com Fátima, a filha do Profeta Mohammed (Maomé, nome ocidentalizado). Seu filho primogênito chamava-se Hussein, neto do Profeta, que posteriormente seria martirizado e é considerado com o seu pai, Ali, o fundador do xiismo, ramo do Islã que hoje predomina no Irã (quase cem por cento). Hussein era casado com uma princesa persa. Também o amigo de Maomé e um dos seus primeiros seguidores era um persa e chamava-se Salman.

Na história mais moderna, no século XX, registramos a partir de 1906 a ocorrência de uma Revolução Constitucional, que será concluída em 1921, quando o Xá Reza Pahlevi, pai do Xá deposto em 1979, que se chamava Mohammad Reza Pahlevi, aceitou instituir uma monarquia constitucional e criar um parlamento, que hoje tem 280 cadeiras e é unicameral.

Ainda nesta nossa caminhada breve pela história iraniana moderna, é preciso destacar os episódios de 1951 a 1953. Nesse período, o Xá acaba tendo que ceder à nomeação de Mohammad Mossadeh, um nacionalista fervoroso, mas que jamais chegou a ser um socialista. Queria apenas nacionalizar o bem mais precioso do país, que era – e ainda é até hoje – o petróleo, que estava nas mãos da Anglo-Iranian Oil Company (que posteriormente transformou-se em British Petroleum, uma das maiores das sete irmãs petrolíferas).

Mossadeh era o símbolo da luta anti-imperialista da época, sendo extremamente popular entre seu povo. Chegou a ser “eleito” o homem do ano pela revista Times, de grande influência na época. Aqui registramos que a Inglaterra já era potência decadente e os Estados Unidos já eram potência hegemônica no mundo ocidental e capitalista. Dessa forma, o Irã deveria ser – e era de fato – um país serviçal dos estadunidenses e fazia tudo que eles determinavam. Assim, um governo patriótico e nacionalista no Irã era tudo que os EUA não queriam naquele momento.

A CIA agiu rápido. Parece que foi a primeira e bem sucedida experiência em derrubar governos a partir de manipulação e agitação das massas. Injetou milhões de dólares em entidades, ONGs, partidos traidores, sindicatos vendidos e, de uma hora para outra, o povo se levantou contra o que até outro dia era o mais popular líder do país. Muito parecido com o que foram as tais revoluções coloridas no leste asiático, a tal primavera árabe (verdadeiro inverno para eles) e mesmo no Brasil de 2013, com a Globo iniciando seu apoio ao golpe que dar-se-ia em 2016. E não deu outra. Mossadeh foi derrubado e em seu lugar o Xá – que chegou a sair do país por quatro dias – nomeou o general reacionário e pró-EUA, Fazlollah Zahedi. E a “calmaria” voltou ao Irã.

A Revolução Islâmica

O líder inconteste dessa revolução foi o clérigo Rurolláh Khomeini, que ocupava o cargo de líder espiritual do Irã e levava o título de aiatolá. Ele teve que se exilar em 1965, pois caso contrário teria sido assassinado em sua casa. Passou por diversos países e nos últimos anos de seu exílio de 14 anos, viveu na França.

Khomeini fazia gravações em fitas cassetes e as enviava clandestinamente ao Irã. Estas eram reproduzidas às centenas e ouvidas em todas as mesquitas do país, em especial nas orações das sextas-feiras. Com isso, ampliou-se a consciência anti-imperialista dos iranianos.

Entre final de 1978 e início de 1979, milhões saíram às ruas para pedir a derrubada do Xá, preposto dos Estados Unidos. O Xá ordena simplesmente que seu exército dispare contra as multidões desarmadas e pacíficas (o Islã proíbe a violência). A resposta da população foi a entrega de poesias aos soldados e ao final até rosas eles recebiam do povo. Mais de 300 mil iranianos foram mortos sem que tivessem disparado um só tiro contra os soldados. Assim, no início de fevereiro, os soldados já não mais disparavam contra o povo, pois sabiam que estaríam atirando em um irmão, um parente, um amigo. Passaram ao lado comando da revolução.

Khomeini desembarca no aeroporto de Teerã em 11 de fevereiro de 1979. Dois milhões de pessoas o aguardavam. O Xá fascista já havia se exilado nos Estados Unidos, que sempre deram guarida para os ditadores que eles apoiaram em todo o mundo. Ele levou milhões de dólares em moeda, ouro e joias do país que saqueou. Aqui é preciso registrar que os primeiros momentos da revolução tinham um caráter mais amplo, não religioso e os comunistas do Tudeh (o nome do PC Iraniano) estavam entre os milhares de Mujahedins da linha de frente do processo revolucionário. Registro que, em algum momento, o caráter da revolução foi alterado e ela passou a “islâmica”, de forma que os lutadores de pensamento mais à esquerda foram alijados do processo (esse tema não será foco deste trabalho, por ora).

Aqui, para concluir este bloco, é preciso registrar mais duas questões. A primeira, foi a tomada da embaixada dos EUA no Irã, onde 400 funcionários foram feitos reféns pelos estudantes universitários da Universidade de Teerã. Não eram servidores. Eram agentes da CIA. Todos eles. Todos os papeis da inteligência, dos planos de massacres contra o povo, de tomada de seu petróleo, foram revelados ao mundo. Os EUA jamais perdoaram o Irã por isso. Os reféns só foram libertados um ano depois (aqui registro o filme Argo que chegou a ganhar Oscar de Hollywood, cujo roteiro foi feito pela CIA e não corresponde aos fatos históricos).

O segundo aspecto, foi a guerra do Iraque contra o Irã entre 1980 e 1988. Saddam Hussein, nesse momento, aceita servir aos interesses dos EUA e inicia um ataque que irá matar dos dois lados mais de dois milhões de pessoas. Ainda aqui registro que em que pese a ordem de Saddam de bombardear indistintamente cidades inteiras iranianas, a resposta vinda do Irã, por ordem de Khomeini, era de que os bombardeios iranianos só poderiam atingir alvos exclusivamente militares (Saddam após isso se afasta da órbita estadunidense).

O Irã após a Revolução de 1979

Como disse, em que pese o afastamento da laicidade do processo revolucionário, o povo iraniano foi chamado às urnas em seguida de sua revolução de fevereiro de 1979. Decidiu, por mais de 90% dos votos, que o país deveria ser transformado em uma República Islâmica, mas de caráter democrático. E assim procedeu. Manteve o sistema parlamentarista de governo até 1989, quando Khomeini faleceu (aqui os dados mostram uma participação de 11 milhões e pessoas em seu funeral, por certo o maior da história).

Uma nova Constituição entra em vigor, desta feita sendo o parlamentarismo abolido. O país passa a ter um Faqiq (que em farsi, a língua dos persas do Irá, quer dizer líder espiritual), que passaria a ser o chefe das forças armadas e indicaria o chefe do poder judiciário. Ele passa a ter o direito de indicar seis dos 12 membros do Conselho de Guardiães, o maior poder de fato e de direito do país. Os outros seis são indicados pelo judiciário e aprovados pelo parlamento.

A constituição determinou que a religião oficial do país deveria ser o Islã (no Brasil até há bem pouco tempo havia uma religião oficial, que era a católica). Isso em nada impediria a liberdade ampla de culto (como aqui também). E – de forma expressa – os cristãos-ortodoxos (não há católicos no país que eu saiba), os judeus e os zoroastristas bem como outras religiões minoritárias, teriam ampla liberdade de seus cultos e – mais que isso – deveriam ser protegidas pelo Estado (nenhum templo religioso no país paga contas de água, luz, telefone, aluguel etc.). Mas, fizeram mais que isso: determinaram que a partir de certa quantidade de seguidores, tais religiões têm direito a ter deputados no parlamento. Assim, o parlamento iraniano tem deputados judeus, cristãos e zoroastristas, em que pese as mídias ocidentais controladas pelo sionismo propagarem exatamente o contrário. Existem cerca de 50 mil judeus que vivem felizes no país e jamais iriam para Israel.

O país vive amplas liberdades políticas e de imprensa, muito além da religiosa. Os partidos e as organizações populares e de massa exercem livremente suas atividades, concorrem às eleições com seus e suas candidatas (o Irã tem um dos maiores números de mulheres deputadas, professoras universitárias doutoras de todo o Oriente Médio).

O sistema político de poder do Irã

Existe no país um Conselho de Especialistas (algumas traduções usam o termo errôneo de “peritos”), composto por 86 membros, todos eles clérigos, de elevado saber político, jurídico e religioso. Eles são eleitos pelo voto DIRETO do povo e têm mandato de oito anos, podendo ser reeleitos. A autorização de suas candidaturas depende da autorização do Conselho de Guardiães, por isso o poder central vem desse órgão, que não é – entendam bem – um órgão da hierarquia religiosa, mas sim do Estado de orientação islâmica. O maior poder desse Conselho é justamente indicar o Guia Espiritual do país, que acumula a função de chefe de Estado, ficando a chefia do governo ao presidente e não mais ao primeiro ministro, cargo abolido em 1989. O atual líder do Irã desde 1989 é Ali Khamenei, também ele um aiatolá.

O atual presidente do Irã também é um clérigo e moderado, para os padrões islâmicos em geral e comparado com seu antecessor, Ahmadinejad. Ele é advogado, tem 70 anos, foi eleito a primeira vez em 2013 e foi reeleito em 2017 e governará até 2021.

O acordo nuclear do Irã

Não poderia deixar de mencionar aqui a questão nuclear do Irã. Todos os países têm o direito de desenvolver a tecnologia nuclear para fins pacíficos, sejam eles medicinais e energéticos. E o Irã vem fazendo isso há mais de três décadas. Jamais disseram que fariam uma bomba atômica, como Israel as tem às centenas e ninguém fala um pio sobre isso. Como dissemos, o Islã proíbe a violência contra as pessoas (e animais, claro, e de forma expressa). Não podem fabricar armas de destruição de massa.

Mas, após anos de mentiras sendo divulgadas pela mídia e pela brava resistência do povo e do governo iraniano, os EUA, no governo Obama, tiveram que ceder e assinaram um tratado sobre o direito de o país enriquecer seu urânio. Assinaram o acordo os cinco membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas (EUA, Rússia, Inglaterra, França e China) e mais a Alemanha. É chamado de P-5 + 1. Recentemente, o intempestivo Trump (que de maluco não tem nada, pois sabe exatamente o que faz e a mando de quem faz, os sionistas estadunidenses) retirou-se do tal acordo. Isso em nada muda. Os países da União Europeia não se retiraram, muito menos a Rússia e a China, de forma que, mais uma vez, os Estados Unidos ficam isolados do mundo e do G-7 (países ricos).

Perspectivas e desdobramentos

Não é usual fazermos previsões em geopolítica mundial. Em especial no Oriente Médio. No entanto, algumas conclusões nós podemos tirar a partir do quadro que se desenha naquela região, formada por 22 países árabes, Turquia, Irã e Israel (quatro povos e mais de meio bilhão de pessoas).

  1. Estados Unidos e Israel vão perdendo a batalha – ainda que a qualquer momento o quadro de correlação de forças possa ser alterado, hoje é certo que os EUA e seu aliado e parceiro incondicional estão isolados e vão perdendo a cada dia mais espaço naquela região. Parceiros antigos e históricos, até como os membros do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) ensaiam afastamento. Mesmo a Turquia, que apoiou abertamente os terroristas do Estado Islâmico (Daesh) financiados pelos EUA e Arábia Saudita, vai se afastando do campo ocidental. Israel está não só isolado, mas até com medo de qualquer agressão contra qualquer país árabe com quem faz fronteira (Líbano e Síria)
  1. A Síria se fortalece – hoje no mundo árabe não há liderança mais forte e prestigiada do que o presidente da República Árabe da Síria, Dr. Bashar Al Assad. Ele e seu exército árabe-sírio (com a inestimável contribuição dos guerrilheiros do Hezbolláh) não só venceram a guerra contra os terroristas mercenários, mas reocuparam quase que cem por cento de seu território, destruindo todas as bases do Daesh em seu país. É forte candidato a ser um novo Nasser daquele mundo;
  1. O Irã se fortalece como líder do Oriente Médio – ninguém mais tem dúvida da força e do poder que o Irã adquiriu. E não só militar. Mesmo enfrentando um bloqueio desde 1979 (muito parecido com que os EUA fizeram com Cuba) e enfrentando mais recentemente dezenas de sanções impostas unilateralmente pelos EUA e União Europeia (jamais aprovadas pela ON), o país segue firme, altivo e altaneiro, granjeando amplo apoio e simpatia em todo o mundo entre aqueles de concepção anti-imperialista e patrióticos.

Assim, como disse recentemente Alexander Duguin, um nacional-bolchevique russo, que o centro da geopolítica mundial passa pelo que ocorre e pode vir a ocorrer no Oriente Médio – tenho afirmado isso há pelo menos dez anos – acho que vai ficando claro, uma quase unanimidade que, seja pelo petróleo, seja pela posição territorial daquela região, o Oriente Médio por certo abrigará os grandes acontecimentos no mundo nos próximos anos (além da Eurásia, claro).

* Sociólogo, professor (aposentado), escritor e analista internacional. Foi presidente do Sindicato dos Sociólogos do Estado de SP e da Federação Nacional dos Sociólogos; ministrou aulas na Unimep por 20 anos. É autor de nove livros nas áreas de Sociologia e Política Internacional, dos quais seis sobre mundo árabe, onde esteve várias vezes. É colaborador da revista Sociologia da Editora Escala, do portal Vermelho e dos sites Duplo Expresso (onde é comentarista internacional às quintas-feiras 6h30) e Resistência.

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