Argentina

Juros de 40% e volta ao FMI: a história de “sucesso” de Macri na Argentina neoliberal

16/05/2018

Na última terça-feira (08/05) o presidente argentino Mauricio Macri anunciou que busca um empréstimo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). O preço da capitulação é uma linha de crédito de US$ 30 bilhões.  Segundo o governo, trata-se apenas de uma medida preventiva. Os detalhes do acordo ainda não foram revelados, mas é certo que o Fundo exigirá contrapartidas.

Por Marcelo Fernandes*, para o Resistência

Na verdade, a Argentina está envolta em uma crise grave, com dificuldades em estabilizar o câmbio devido à fuga de capitais, mesmo após o Banco Central elevar a taxa de juros de 22% para 40%. Com isso, Macri deu uma cartada arriscada para um presidente que venceu as eleições com a promessa de que traria de volta a confiança dos investidores e que há pouco tempo negava qualquer possibilidade de pedir socorro ao Fundo, embora a reaproximação com a desacreditada instituição tenha se iniciado desde o começo do seu governo no fim de 2015.

O Brasil só não foi contaminado ainda devido a política de elevar o estoque de reservas cambiais durante os governos Lula/Dilma (US$ 374 bilhões no fim de 2014). Uma política que, aliás, foi bastante criticada por gênios da economia da estirpe da equipe de Macri. Mas isso, é uma outra história. Voltando ao caso argentino, a notícia sobre o pedido de ajuda ao FMI surpreendeu a turba de colunistas da mídia brasileira. Alguns meses antes uma jornalista conhecida, referindo-se ao governo Macri, afirmou que “o ajuste promovido pelo governo já traz resultados concretos que começam a ser percebidos pela população” (1).

O FMI também não escondia a vibração. Em sua publicação oficial, o World Economic Outlook, divulgado em abril deste ano, a instituição estava bem satisfeita com o ajuste fiscal promovido pelo governo argentino, só alertava que mais cortes orçamentários eram necessários (2).

Entretanto, a crise argentina não era imprevisível. Bastava um olhar mais atento sobre a conjuntura econômica que o país atravessava desde a posse de Macri. Em artigo recente, “Sobre fadas e confiança: um ano de Governo Macri” (3) que escrevi conjuntamente com Alexandre Freitas, alertávamos sobre a falácia que apontava que o governo Macri estava trazendo de volta a confiança e a recuperação da economia. Mostramos que no primeiro ano de governo houve uma redução no investimento e uma tendência de queda na entrada de capital estrangeiro. Aumentos das tarifas públicas somadas a uma forte desvalorização cambial elevaram o patamar inflacionário no país. E, apesar de todo esforço para agradar os investidores, como no impensável acordo com os “fundos abutres” em março de 2016, o índice de confiança do governo estava em queda.

A volta da Argentina ao FMI tem um simbolismo macabro. Em 2002, o país vivenciava a pior crise de sua história, resultado da política de câmbio fixo, o currency board que atrelava o peso ao dólar, e das políticas neoliberais colocadas em prática durante os anos 1990 por governos alinhados com o FMI. Com a crise, a relação com a instituição se deteriorou de tal forma que Hans Tietmeyer, ex-presidente do Bundesbank encarregado pelo FMI para avaliar as condições econômicas da Argentina após o colapso do currency board, afirmou em entrevista que a “Argentina está condenada a insignificância, provavelmente para sempre” (4).

O fato é que a Argentina promoveu em 2005 uma negociação com os credores bem-sucedida por meio de uma proposta unilateral de troca de títulos da dívida. De forma exitosa, e sem a ingerência do FMI, a proposta teve a adesão de 76,15%, o que significou uma diminuição da dívida pública de US$ 191 bilhões para US$ 125 bilhões. Ainda em dezembro de 2005, as autoridades argentinas anunciavam que efetuariam de forma antecipada a dívida com o FMI de US$ 9,53 bilhões com as reservas do banco central. Com isso, esperava-se finalizar a longa relação com o Fundo, iniciada em 1991.

Assim, contrariando as visões pessimistas do Fundo, a Argentina entrou num ciclo de crescimento durante o governo de Nestor Kirchner (2003-2007) e do primeiro governo de Cristina Kirchner (2008-2011) que recolocou o país no cenário internacional. Nesse período, a Argentina obteve um desempenho econômico formidável, com elevação do emprego e dos salários reais, o que contribuiu para a redução dos níveis de desigualdade e dos índices de pobreza que haviam explodido com a crise de 2001. Já no segundo governo de Cristina Kirchner (2011-2015) a economia perdeu dinamismo, com baixo crescimento e inflação persistente, mas nem por isso precisou trazer de volta a instituição que esteve no centro dos piores momentos econômicos e políticos da sua história.

* Doutor em economia, Professor do Departamento de Economia da UFRRJ 

(1)      Mirian Leitão. Transição argentina. Disponível em: < https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/transicao-argentina.html>. Acesso em: 10 de maio de 2018.

(2)      World Economic Outlook, April 2018: Cyclical Upswing, Structural Change, IMF, april, 2018.

(3)      FREITAS, Alexandre Jerônimo; FERNANDES, Marcelo Pereira. Sobre fadas e confiança: Um ano de Governo Macri. Brazilian Keynesian Review, v. 3, 2017.

(4)      RAPETTI, Martín (2005). “La Macroeconomía Argentina durante la Post-convertibilidad: Evolución, Debates y Perspectivas”. Observatorio Argentina, policy paper, nº 5.

 

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