Movimento Comunista

Dirigente do Partido Comunista dos EUA comenta sobre as eleições americanas e a conjuntura internacional

20/09/2016
Joe Sims, membro do Conselho Nacional do PC dos EUA

Joe Sims trabalha no Partido Comunista dos Estados Unidos há 25 anos como jornalista. Primeiro atuou na YCL – Young Communist League (Liga da Juventude Comunista). Depois de deixar a YCL, trabalhou como editor do jornal teórico do CPUSA – Communist Party of the United States of America durante 15 anos. Atualmente, Joe Sims é um membro do Conselho Nacional do Partido Comunista dos EUA e é Coordenador de mídia social e trabalho do partido. Esta entrevista foi concedida a Lucivânia Nascimento dos Santos, pós-graduanda em Ciências Políticas e militante do PCdoB, no último domingo (18).

LN – Joe, conte-nos sobre a sua atuação no CPUSA – Communist Party of the United States of the America (Partido Comunista dos Estados Unidos).

J – Meus trabalhos envolvem a coordenação do trabalho do partido e dos nossos meios de comunicação social. Temos duas publicações: peoplesworld.org e cpusa.org. A tarefa consiste em aplicar a ideia leninista de construção do partido em torno da imprensa para o século 21 e os meios de comunicação social. É um grande desafio para nós e exige uma mudança de cultura, a prática e a aprendizagem de novas tecnologias. Alguns dos nossos companheiros ainda estão mergulhados na experiência do século 20, com publicações impressas, de modo que fazer a transição é difícil. Temos duas experiências no partido: a tradicional, onde camaradas são organizados em clubes em cidades de todo o país e um novo, onde novos membros reúnem-se on-line em pequenas cidades e vilas. Estas duas experiências devem ser coordenadas e combinadas. Esse é o meu trabalho. Eu sou um membro do Conselho Nacional do CPUSA (correspondente à comissão política no PCdoB) e do Comitê Nacional (Comitê Central).

LN – O que você pensa sobre o sistema eleitoral dos Estados Unidos?

Joe Sims- Temos um sistema de dois partidos com eleições diretas. A eleição presidencial é diferente porque há um “colégio eleitoral”, que elege o presidente. A forma como este colégio eleitoral funciona é que cada estado, em função da sua população, tem um certo número de votos eleitorais, o candidato que obtém o maior número de votos em cada estado ganha esse estado. Portanto, em outras palavras, temos 50 eleições estaduais separadas. Com base nestas eleições estaduais, após o Colégio Eleitoral votar em novembro, reúne-se e, em seguida, elege o presidente. Nessa situação, você pode ganhar o voto popular, mas perder a eleição como na eleição de 2000, quando Al Gore perdeu. É muito difícil para terceiros partidos participarem nos EUA. Chegar a ter direito a disputar é muito difícil e requer um grande número de assinaturas. Há dois terceiros partidos concorrendo neste ano, mas eles são incapazes de participar dos debates porque eles não conseguiram chegar a 15 por cento nas pesquisas de opinião pública. Portanto, é muito antidemocrático.

LN – A disputa eleitoral nos Estados Unidos está bastante acirrada entre Hillary Clinton e Donald Trump. Uma pesquisa da rede CBS News e do New York Times, a apenas duas semanas do primeiro debate entre os candidatos, mostra Clinton com uma vantagem de dois pontos (44% a 42%), que quando concentrado em eleitores registrados expande cinco pontos (46% a 41%). Na sua opinião, quais são as consequências para a América Latina se Donald Trump for eleito Presidente dos Estados Unidos?

J – Trump é um político muito perigoso e demagogo. Como você sabe, ele planeja construir um muro entre os EUA e o México e deportar imigrantes. As duas questões principais são o comércio e a imigração. Em relação ao comércio, ele diz que é contra o Nafta e outros acordos comerciais. Duvido que continuará com esta posição após a eleição porque esses pactos comerciais são muito importantes para o Partido Republicano. Na política externa, eu acho que ele vai continuar uma plataforma agressiva antissocialista e anticomunista. A normalização das relações com Cuba, provavelmente, viverá um impasse. Às oposições na Venezuela, Bolívia, etc., será dado ainda mais apoio. Trump, em nossa opinião, representa o fascismo.

LN – Joe, ao longo de sua vida como um militante de esquerda, você assistiu à evolução política e a luta dos movimentos sociais durante a Guerra Fria. Quais são as mudanças na política externa dos EUA após o fim da Guerra Fria?

J – O imperialismo dos EUA continuou a buscar a hegemonia em todo o mundo. Após a Guerra Fria, é claro, a questão do terrorismo, ficou mais em evidência. Por trás disso, ou pelo menos em parte, estava o acesso às reservas de petróleo do Oriente Médio. No teatro europeu a Otan foi mantida e com ela uma política agressiva em curso em relação à Rússia, apesar da derrota da URSS. É difícil falar sobre a política externa dos EUA em movimentos amplos já que os republicanos e democratas têm estado na Casa Branca durante este período. Obama, em certos aspectos, tem resistido aos apelos para uma intervenção militar com exceção da Líbia etc. Mas a política neoliberal global tem sido praticamente a mesma: o pacto de comércio transpacífico (TPP – Transpacific Trade Pact) é um exemplo disso, com o chamado “pivot para a Ásia”. Grande parte do TPP é dirigido contra a China.

LN – Qual é a avaliação do partido comunista dos EUA sobre a relação de poder entre os Estados Unidos e a União Europeia? Em sua opinião, quais mudanças podem ocorrer nesta relação se Trump for eleito?

J – Eu acho que as classes dominantes nos EUA e na União Europeia estão, em grande parte, na mesma página. A votação Brexit, é claro, abalou as coisas. Na opinião de alguns, o neoliberalismo atingiu seu limite político. Se esse for o caso, economicamente é outra questão. Nos EUA o apoio tanto para Sanders e Trump refletiu o descontentamento da classe trabalhadora com o estado da economia: salários estagnados, desemprego, etc. O desafio para a esquerda e o movimento operário é lutar por nossos interesses nessa situação. Duvido que Trump, se eleito, vá desafiar o status quo na Europa. Ele atacou a Otan e questionou sua utilidade. Por esta razão, o establishment da política externa nos EUA, inclusive muitos republicanos, o veem como impróprio para ser presidente.

LN – Bernie Sanders era um pré-candidato presidencial com uma boa chance de representar o partido Democrata nesta eleição. Ele apresentou-se como um socialista e tinha propostas progressistas. Defendia, por exemplo, ideias como o serviço público de saúde, o ensino superior gratuito, mudança na política externa dos Estados Unidos… Qual foi a posição do CPUSA sobre o pré-candidato Sanders?

J – A campanha de Sanders e a revolução política que ela provocou é extremamente importante. Ele (Sanders) colocou o conceito de socialismo perante o grande público dos EUA pela primeira vez em muitas décadas. A campanha de Sanders também demonstrou que o caminho eleitoral para a mudança é uma estratégia viável: isso também é muito importante. Devido a isso, em muitos aspectos os EUA nunca será o mesmo. Nossos membros foram ativos em sua campanha a nível local – alguns também apoiaram (Hilary) Clinton, mas a maioria estava no campo de Sanders. Nós não concordamos com Sanders em tudo e havia alguns problemas com sua campanha. Por exemplo, temos um conceito do socialismo diferente do conceito de socialismo que ele tem; e nós sentimos que sua campanha não apreciou o significado da questão nacional dos EUA, em outras palavras, o racismo e seus efeitos. No entanto, os aspectos positivos da campanha superaram os negativos. Foi histórica, maravilhosa, emocionante, com enormes implicações para o futuro.

LN – Você vê boas perspectivas para a luta da esquerda progressista nesse momento nos Estados Unidos? O bom desempenho de um pré-candidato como Sanders nas prévias deu-lhe novas expectativas sobre a evolução da luta de classes nos Estados Unidos?

J –  Há uma grande quantidade de evidências de que a política dos EUA está passando por um realinhamento. Isso vem ocorrendo há muitos anos: A eleição de Obama em 2008 foi uma indicação disso: em seguida, “Ocupe Wall Street”, “Vidas Pretas Importam” e a campanha de Sanders são exemplos mais recentes. O movimento Obama inicialmente representou um impulso independente fora dos círculos tradicionais do Partido Democrata. Foi um processo de centro-esquerda, em grande parte organizado on-line que, desde então, mudou-se para o Partido Democrata, mas suas origens são importantes. A unidade da centro-esquerda é um imperativo, mas o desafio é a força da esquerda nos EUA, que é substancial, mas em grande parte desorganizada e dispersa. O movimento marxista e o Partido Comunista, em particular, não são grandes o suficiente para responder ao desafio. Nossa tarefa principal é no decorrer das lutas em curso, construir a nossa associação e influência. Esse é um lado da questão. A outra é respeitar e trabalhar com a independência e diversidade na esquerda mais ampla. Nossos interesses não podem ser egoístas.

LN – Como os cidadãos dos movimentos sociais nos Estados Unidos veem o golpe no Brasil?

J – Estamos muito preocupados com o golpe. Os movimentos sociais o consideram um grande retrocesso para a democracia. Ele foi condenado por muitos nos EUA, incluindo a AFL-CIO, o movimento sindical dos EUA. Eles expressaram a sua solidariedade para com o trabalhador do Brasil.

LN – Qual é o real papel da Otan no atual cenário político mundial?J – A Otan é um produto da Guerra Fria. Como uma aliança política e militar seu objetivo é cercar a Rússia, que eles veem como uma ameaça principal. Olhe o que está acontecendo na Ucrânia, por exemplo. Essas políticas se tornaram obsoletas. Considere os gastos militares em curso e a construção de novas classes de armas nucleares: com que finalidade? Esta despesa continua a colocar enorme pressão sobre os orçamentos nacionais, e contribui para a crise do neoliberalismo. Esses recursos podem e devem ser utilizados no mercado interno.

LN – A partir de sua experiência na luta política e social, você considera que há um aumento da extrema direita nos Estados Unidos, Europa e América Latina? Há evidências sobre isso? Quais seriam essas evidências?

J –  Eu não sou um especialista em América Latina e Europa. Quanto aos EUA, eu diria que o país está profundamente dividido. Eu realmente acho que a eleição de Obama de 2008, em meio à crise financeira, representou um recuo para a direita. No entanto, foi um recuo inconsistente ou incompleto e que se recuperou rapidamente. Mas quando você olha para onde as pessoas estão, em termos de opinião da maioria, existem fortes correntes democráticas. Ao mesmo tempo, a direita é muito forte e controla o Congresso dos Estados Unidos e a maioria dos governadores e assembleias legislativas estaduais. O problema, como já dissemos, é que nos últimos 20 ou 30 anos o capitalismo tem sido incapaz de melhorar a vida das pessoas. Nossas vidas ficaram piores: a desigualdade tem aumentado devido à desregulamentação, privatização, pactos comerciais “livres”, e as medidas de austeridade. A direita tem capitalizado sobre ele. Então, eu não sei se a ala direita é mais forte, mas eles tornaram-se mais agressivos e usam até mesmo meios ilegítimos de chegar ao poder, como o golpe legislativo no Brasil. E é isso que os torna tão perigoso.

LN – O que você como comunista estadunidense pensa sobre a luta anti-imperialista na América Latina e a ascensão de governos como o de Hugo Chávez, Evo Morales, Lula e Dilma?

J – Acreditamos que cada país trata de socialismo de sua própria maneira, cada um traça seu próprio caminho e que não há modelos. Por outro lado, a experiência na América Latina é extremamente importante para estudar e aprender. A este respeito, pode ser ainda mais importante para nós do que o processo revolucionário na Rússia ou na China, por exemplo. Por quê? Porque os países da América Latina são mais desenvolvidos, têm classes trabalhadoras maiores e mais diversas sociedades civis do que a Rússia ou a China, que ainda tinham grandes resquícios do feudalismo. Temos mais em comum com a América Latina. O socialismo foi trazido para o mundo, em países onde era menor a chance de sucesso. Essa é uma das grandes ironias da história: a de que ele veio para a civilização através da porta traseira. Essa porta foi em grande parte fechada. Agora, temos de encontrar um novo caminho democrático e não violento para uma nova sociedade. Seus partidos estão a apontar para esse novo caminho: a importância da coligação; a unidade da centro-esquerda; como lutar para o papel de liderança da classe operária: o papel da questão nacional, as mulheres, o papel dos movimentos sociais. É um desenvolvimento muito complexo e emocionante. Para os partidos comunistas o desafio é encontrar formas específicas de cooperação, respeitando a autonomia e a construção da unidade. A este respeito as experiências negativas de esforços anteriores não foram superadas. No entanto, a internet e as mídias sociais oferecem novas oportunidades que não estamos aproveitando. O ponto é ir além de fazer afirmações.

LN – Qual é a sua mensagem para os comunistas no Brasil, especialmente para a juventude brasileira?

J – Vocês são uma inspiração. Mantenham o bom combate. Temos certeza que vocês vão vencer e a vitória de vocês será nossa vitória.

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